terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O queijo e a serra de Jorge Coelho

Jorge Coelho voltou às origens e à memória dos tempos em que o avô Raul o levava em busca dos melhores queijos da serra. O ex-ministro investiu 1,5 milhões de euros para criar a queijaria Vale da Estrela, na região de Mangualde, e vai vender até para a China. "É o projecto da minha vida", assegura.

23 de Dezembro de 2016 às 10:45

O leite chega às oito e meia da manhã, depois de ter sido recolhido durante toda a noite junto de produtores da zona. É esse leite cru de ovelhas de raça bordaleira, alimentadas em pastagens da região demarcada da Serra da Estrela, que as queijeiras da Vale da Estrela vão trabalhar. Em São Cosmado, Mangualde, Jorge Coelho pôs em marcha um projecto que o trouxe de regresso às origens. Seguindo a vocação do seu avô Raul, começou há dois meses a produção de queijo da serra certificado. Investiu 1,5 milhões de euros, recorrendo a crédito bancário, e depois de Portugal e Reino Unido prepara-se para começar a vender para a China.

Dez queijeiras vão, numa manhã igual às outras, dar forma aos 220 queijos de meio quilo que serão produzidos naquele dia. Nas grandes cubas, juntam ao leite o sal e a flor do cardo para que coalhe. As mãos das mulheres começam então a dessorar a coalhada. Com a ajuda de um pano, juntas, espremem com força. 

São jovens e têm um sorriso na cara. À excepção de Anabela Fraga, responsável pela produção contratada por Jorge Coelho a outra queijaria da região, as trabalhadoras da Vale da Estrela (que, no total, conta com 13 pessoas) estavam desempregadas. Concorreram ao lugar, entre muitas outras candidatas (todas mulheres), tiveram formação e hoje, salienta o ex-ministro socialista, têm contrato sem termo e podem "desenvolver uma nova carreira com dignidade". 

Na queijaria, o trabalho segue a tradição. Retirado o soro à mão, que vai servir para fazer requeijão, a massa é colocada em formas com destino a uma prensa que permitirá eliminar o excesso. Resta colocar-lhe a marca de caseína, o bilhete de identidade de cada queijo que identifica o lote e o produtor, e salgá-lo para que ganhe casca a toda a volta. Numa primeira câmara frigorífica vai ficar 12 ou 13 dias, onde será virado e lavado antes de passar para uma segunda, onde durante mais cerca de 15 ou 16 dias verá a casca engrossar. "No mínimo, têm de ter 30 dias de cura", explica Anabela Fraga, corrigindo os tempos referidos por Jorge Coelho para esta fase do processo. "Ele já sabe bastante mas ainda é um pouco leigo", sorri.

Em menino, o socialista aprendeu a arte da cura com o avô Raul, que tinha um negócio de compra, tratamento e venda de queijo da Serra da Estrela. Depois de ter deixado Mangualde, primeiro para estudar em Coimbra e depois com destino a outros voos em Lisboa, o ex-presidente da Mota-Engil passa agora metade da semana na terra. Quer colaborar no desenvolvimento da região. "Já estive em muitos projectos de grande dimensão em Portugal, seja a nível político, seja nas empresas, mas este é o projecto da minha vida", admite.

Para fazer um queijo DOP (denominação de origem protegida), as 10 mulheres fazem na Vale da Estrela o mesmo trabalho que uma só faria numa grande fábrica, mas esse não seria um queijo certificado. Para o ser tem de seguir o método tradicional, ainda que hoje conte com o apoio da tecnologia e cumpra rigorosas regras de higiene e segurança alimentar. Na sua produção apenas pode ser usado leite de ovelha bordaleira, só lhe é adicionado sal e cardo e o soro tem de ser retirado manualmente. Lavar, cintar, espremer e enformar também exigem mão humana. Por isso, acaba por ser um queijo caro. E "gourmet".

Na área de produção, Anabela Fraga não pára, dando o exemplo às outras mulheres. Tanto está a limpar cubas como a fazer requeijão. O número destes queijos frescos vai variar em função da quantidade de soro retirado. A marmita que utiliza permite produzir 160. 

As duas câmaras frigoríficas estão repletas de queijo que vai sair para o Natal. A queijaria produz apenas queijo DOP Serra da Estrela, de 500 e 800 gramas, e requeijão. Irá ainda fazer o curado, diz Jorge Coelho," e mais nada". No que ao queijo diz respeito. Porque, na Vale da Estrela, está já montada uma cozinha industrial para fazer compotas. A ideia é que durante os meses de Verão, em que não há leite, a empresa produza compotas de abóbora, frutos vermelhos (mirtilos, morangos e framboesas) e Maçã Bravo de Esmolfe. O "break even" do investimento está previsto acontecer em quatro ou cinco anos, afirma o agora empresário, que já tem um novo projecto para quando o da queijaria estabilizar: uma plataforma electrónica para vendas online de produtos da região. 

Desde que a Vale da Estrela abriu as portas, no passado dia 5, sucedem-se as visitas ao espaço. Ali é possível comprar os queijos, mas também peças de artesanato que Jorge Coelho idealizou e encomendou a artesãos da região. De viagens que fez trouxe ideias que replicou. Criou uma "caixa do queijo" como viu em Paris, pediu a um escultor um boneco de um pastor, tirou as pernas a francelas (onde se punha o queijo a secar) criando uma tábua para requeijão. À venda estão ainda miniaturas de casas típicas da serra, assim como da capela de Santo António dos Cabaços, não fosse ele o protector das ovelhas.

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