quinta-feira, 7 de setembro de 2017

"Entre ter má floresta e não ter floresta, é preferível não ter floresta"


Miguel Freitas, secretário de Estado das Florestas, afirma que as limitações à plantação de eucaliptos não vão ter impactes económicos na indústria. E afirma que o debate ideológico sobre a reforma da floresta acabou.

 Manuel Carvalho

O Secretário de Estado acredita no regresso da floresta ao "centro das atenções políticas" e afirma que a operacionalização da reforma florestal exige um "compromisso" que abarca não apenas as forças partidárias mas toda a sociedade.

O ministro da Agricultura diz que a reforma florestal é a maior desde o tempo de D. Dinis. Não é uma apreciação algo exagerada?

O importante é que temos uma reforma que é uma grande reforma florestal. A mim cabe-me acima de tudo responder em articulação com o ministro à operacionalização dessa reforma. O ministro está convicto que esta é uma grande reforma. O primeiro-ministro está absolutamente convicto que esta é uma grande reforma. Portanto, com o apoio de todo do Governo e com o empenho do ministro, eu tenho a certeza que é possível pela primeira vez olhar de uma forma diferente para as questões florestais. Estamos a assistir à possibilidade de colocar a floresta no centro das atenções políticas em termos nacionais. E isso deve-se muito ao trabalho que foi desenvolvido pelo ministro na reforma florestal…

E também por causa dos incêndios…

Naturalmente. Estou de acordo com isso. É claro que o país desperta normalmente para estas questões com os incêndios. Mas temos de olhar para a frente e procurar compromissos. A ideia do compromisso é chave.

Compromissos partidários?


Em primeiro lugar de um compromisso político. E fundamental perceber que a questão política e ideológica fechou-se com a reforma florestal. Temos agora de passar à sua operacionalização e essa operacionalização passa por compromissos alargados na Assembleia da República. Mas o compromisso deve ser também social. Com os proprietários florestais, que têm deveres e obrigações. Têm de perceber que têm de cumprir as suas obrigações. Naturalmente muitos não são capazes de o fazer e têm de recorre a modelos de organização que façam a gestão da sua parcela melhor e mais barato. Depois, temos de ter compromissos com os outros agentes do espaço rural. Com os pastores, com os agricultores. Muito do fogo acontece por algumas más práticas da sua actividade. Tem de haver também um compromisso com os autarcas. Os autarcas têm de perceber o valor que tem o espaço rural, particularmente o espaço florestal.

Até agora não têm percebido?

O que eu digo é que têm de perceber melhor. Não tem havido investimento municipal também neste domínio. Queremos trabalhar com os autarcas no sentido de um compromisso para melhorar aquilo que é a gestão do espaço rural.

O diploma para a criação do Banco de Terras foi chumbado pelo PCP. Sem o Banco de Terras, uma peça fundamental, a coerência da reforma da floresta não fica em causa?

O Banco de Terras era um instrumento importante para a política que queríamos implementar. Mas é evidente que, não tendo sido aprovado, temos de encontrar outras soluções. Vamos trabalhar no quadro da bolsa de terra que existe e no quadro da margem de manobra que nos permite o Código Civil…

O regime legal para a plantação de eucaliptos foi muito para lá da proposta do Governo por força do Bloco de Esquerda. Já não está apenas em causa o congelamento da área actual da espécie, mas a sua redução a prazo. Essa alteração não é mais ideológica do que ecológica ou económica?

Há aí um sinal. E o sinal político claro é a necessidade de percebermos que as espécies devem estar essencialmente onde têm elevada ou média aptidão.

Mas isso implicava uma redução da área plantada?

Já vou lá. Essa é uma questão que deve ser rigorosamente estudada. Temos cerca de 100 mil hectares de eucalipto neste momento em áreas marginais, que não têm produtividade suficiente, e que estão no fim de vida útil – já tiveram mais de três cortes. O que nós queremos fazer é passar dessa área para novas áreas com elevada ou média aptidão. Isto é: a ideia-chave desta legislação é acima de tudo melhorar a produtividade do eucalipto. Portanto, diria que há aqui uma questão política, mas não há uma questão económica e é isso que vale a pena discutir. Passando o eucalipto de zonas marginais para zonas de maior aptidão, nós vamos recuperar rapidamente a produção necessária para a nossa indústria.

A Navigator Company, ex-Portucel, admite deixar de investir na floresta em Portugal e apostar na Galiza.

Essas declarações são feitas num quadro psicológico que rapidamente se ultrapassará.

Mas acha que alguém vai deixar uma área de 100 hectares numa zona do interior para plantar apenas 50 no Litoral. Isso tem racionalidade económica?

Tem de pensar desta maneira: essa empresa tem hoje 100 hectares improdutivos, não tem lá nada. Se necessário e possível, queremos que eles façam a reconversão dessa área noutras espécies.

Essa medida vai penalizar o interior, onde estão as plantações menos produtivas de eucalipto?

Temos de começar a olhar para estas questões com a ideia que o país não é todo para florestar. Isso não é assim. Entre ter má floresta e não ter floresta, é preferível não ter floresta.

Sempre se disse que os matos e incultos eram espaços florestais em potência.

Os matos têm a sua função ecológica. Temos de ser claros. Não podemos admitir que haja floresta em todos os espaços. Estamos a fazer a revisão dos PROF (Planos Regionais de Ordenamento Florestal). Esses planos definem o que são as boas zonas para a floresta. É nesse quadro que temos de ter coragem para tomar as decisões. Temos de fazer as escolhas certas para não termos de chegar todos os anos ao Verão e ver o país a arder. A questão é esta: pensámos que podíamos ter todo o país submetido a uma monocultura florestal. Temos de alterar esse pensamento. Há escolhas, estamos a fazer um caminho para quebrar ciclos. Se a ideia é mantermos este modelo, vamos continuar a ter fogos florestais.

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