quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Novo Banco deixa cair cogumelos apadrinhados por Marcelo


O grupo Sousacamp, o maior produtor nacional de cogumelos, aderiu ao PER para fugir à falência. Antigo accionista, o Novo Banco é credor de "algumas dezenas de milhões de euros". A queda do BES deixou a meio a construção de um "elefante branco" em Vila Real.
Novo Banco deixa cair cogumelos apadrinhados por Marcelo 

Marcelo Rebelo de Sousa utilizou cogumelos para falar de estabilidade política, numa visita à Sousacamp, no Verão do ano passado. A empresa é liderada por Artur Sousa (à direita na foto).José Coelho/Lusa

Rui  Neves Rui Neves ruineves@negocios.pt
11 de dezembro de 2017 às 22:00

"É o chamado duplo cogumelo, cogumelo gigante, presidencial, isto é o cogumelo presidencial com este tamanho. Não, tem de ser, este é o Presidente da República e este é o Governo que é mais pequenino. Solidariedade institucional, o Presidente para aguentar o Governo por uns tempos", brincou Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto olhava para os dois fungos na mão, que acabou por provar. 

A mais conhecida metáfora sobre estabilidade política proferida pelo actual Chefe de Estado aconteceu a 5 de Julho do ano passado, aquando da sua visita à fábrica da Sousacamp, em Vila Flor, em Trás-os-Montes. Na altura, o grupo liderado por Artur Sousa continuava a apresentar-se como o maior produtor europeu de cogumelos e um dos maiores do mundo, com cinco fábricas em Portugal e duas em Espanha, empregando mais de 500 pessoas.

É todo este universo empresarial que está agora em risco de falência, com a principal empresa do grupo, a Varandas de Sousa, a recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER). "Está fácil de ver que a empresa precisa de sanear o seu passivo", garantiu ao Negócios fonte conhecedora do processo. O prazo para a reclamação de créditos só termina no dia 19, mas é certo que o Novo Banco, herdeiro do BES, antigo grande accionista e maior financiador da Sousacamp, é credor de "algumas dezenas de milhões de euros" e dono do destino do grupo.

"A principal razão apontada para a apresentação do PER tem que ver com a queda do BES, que até então [Verão de 2014] estava a financiar a construção da gigantesca unidade de produção de cogumelos, cuja obra, onde foram já investidos cerca de 20 milhões de euros, ficou a meio", explicou a mesma fonte próxima do processo.
Depois de ter investido 50 milhões de euros – tanto quanto dizia facturar – na abertura de fábricas em Portugal e Espanha, o grupo arrancou em 2013 com a construção de uma unidade de produção de cogumelos exóticos e outra de transformação de cogumelos em conserva (em lata e congelados), em Vila Real, num investimento orçado em 45 milhões de euros e que iria criar 200 postos de trabalho. 

"Será um dos maiores complexos do mundo no sector", afiançava Artur Sousa (que tem 60,9% do capital), em Outubro desse ano, numa publicação patrocinada pela Espírito Santo Ventures (ES Ventures), que detinha 39,1% na Sousacamp SGPS, "holding" detentora de 100% da Varandas de Sousa. 

Apontada diversas vezes como um "case study", a Sousacamp vinha acumulando prémios e distinções. Por exemplo, ganhou o 1.º Prémio Nacional de Jovem Empreendedor (1990) e o Prémio Nacional de Inovação Ambiental (2001) pelo European Environmental Press e pela revista "Indústria e Ambiente".

O Novo Banco, herdeiro do falido BES, cortou o financiamento à Sousacamp e vendeu, há pouco mais de um ano, os fundos de capital de risco ES Ventures, que passaram a ser geridos pela Armilar Venture Partners, que são controlados pela sua equipa de gestão e cuja sociedade é detida em 35% pela Sonae IM. O grupo maiato detém uma participação, directa e indirectamente, de 50,7% do fundo que integra os 39,1% na Sousacamp.

A Varandas de Sousa fechou o ano de 2016 com vendas de 18,8 milhões de euros e um resultado negativo de nove milhões de euros, agravando substancialmente os prejuízos registados nos anos anteriores. 

O Negócios contactou a Sousacamp, o Novo Banco, a Armilar e o administrador de insolvência, mas nenhum dos intervenientes neste processo se mostrou disponível para fazer declarações em "on".

NÚMEROS
Fungos acumulam prejuízos

O braço "produtivo" da Sousacamp, a Varandas de Sousa, que aderiu ao PER,  tem acumulado prejuízos ano após ano – só no último exercício perdeu nove milhões de euros.

Fábricas
A Sousacamp tem sete fábricas, cinco em Portugal e duas em Espanha, e em 2015 terá facturado cerca de 50 milhões de euros.

550
Trabalhadores
Há um ano, o presidente do grupo garantia que a Sousacamp tinha mais de meio milhar de trabalhadores.

45
"Elefante branco"
Com a queda do BES, parou as obras de construção de uma fábrica gigante em Vila Real, orçada em 45 milhões de euros.


SOUSACAMP
Artur, o "rei" dos cogumelos de Benlhevai

Artur Sousa preside à Sousacamp, com sede em Benlhevai, que tem menos residentes do que o número de trabalhadores do grupo.

Criação em 1989 após despertar holandês
Artur Sousa, filho de produtores de azeite e cortiça de Vila Flor, distrito de Bragança, trocou o curso de Engenharia Electrotécnica, no Porto, pelo de Microbiologia, em Eindhoven, onde despertou para algo praticamente inexistente em Portugal: a produção de cogumelos. Voltou para Benlhevai e investiu 25 mil contos (125 mil euros) na criação da Sousacamp.

Sete fábricas em Portugal e Espanha
A meio da primeira década do novo século, o crescimento da produtora de cogumelos determina a expansão fabril para outras geografias, concretamente para Mirandela, Paredes, Sabrosa e Vila Real. Depois, adquiriu duas unidades em Espanha. Apresenta-se como o maior produtor europeu de cogumelos e um dos maiores do mundo, com uma facturação de 50 milhões de euros e mais de 500 trabalhadores.

Falência do BES quebra a Sousacamp
A falência do BES, no Verão de 2014, marca o início da queda da Sousacamp. O Novo Banco "fecha a torneira" ao grupo de que também era accionista, com a sua capital de risco ES ventures a deter 39,1% do capital.

Milhões perdidos, PER à porta
A acumular prejuízos e depois de ter parado a meio, sem financiamento, o investimento de 45 milhões de euros na construção de um complexo gigante em Vila Real, a Varandas de Sousa, principal empresa da Sousacamp, adere ao PER. O Novo Banco vendeu entretanto a sua capital de risco a fundos da Armilar. 

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