quinta-feira, 24 de maio de 2012

A gestão florestal activa como solução

24-05-2012


Fonte: Por: João Sobral


A revista abolsamia entrevistou Luís Dias sobre os problemas que
afectam a Floresta portuguesa e as alternativas que se colocam aos
produtores florestais.
Luís Dias é vice-presidente da CAP, empresário agrícola, produtor
florestal, e vice-presidente da Associação de Agricultores de
Grândola.

O decréscimo acentuado da área de pinheiro bravo (ha) começa na década de 80…
Há uma expansão muito grande que tem a ver com os investimentos feitos
ao abrigo dos apoios do Banco Mundial e do Fundo de Fomento Florestal.
Foi um período em que em termos florestais se fez muito em Portugal.
Depois estabilizou, basta olhar para as datas.


O declínio acentuou-se muito nos últimos anos. É devido ao nemátodo?
O problema em si não pode ser circunscrito apenas ao nemátodo, deve
ser visto numa perspectiva muito mais ampla. Tem a ver com os
incêndios, com a diminuição do investimento, e com questões sanitárias
de uma forma geral. Toda a floresta portuguesa tem hoje problemas
sanitários consideráveis. Alguns preocupantes e outros que começam a
dar sinais de que as coisas não estão bem. Seja ao nível do pinheiro
bravo, seja ao nível do sobreiro, do eucalipto, e até mesmo já em
pinheiro manso, começa a haver sinais de que, além de estarmos
atentos, temos de ter uma atitude muito mais activa.

Referiu problemas também no pinheiro manso. Aqui nos concelhos de
Grândola e Alcácer do Sal o pinheiro manso é uma árvore muito
importante para a economia local e começa a notar-se uma mortalidade
anormal. Pode estar relacionada com o nemátodo?
Não, nada indica isso! O estado sanitário de um povoamento é
determinado por muitos factores. Em muitos casos os povoamentos são
mistos, são povoamentos de pinheiro manso e pinheiro bravo. E o
pinheiro bravo não é atacado apenas pelo nemátodo, há outros
problemas. Além da processionária que ataca tanto o bravo como o
manso, há os bóstricos, que são insectos da categoria dos
sub-corticais. Os ataques que desferem sobre o pinheiro são muitíssimo
violentos e com uma diferença em relação ao que acontece com o
nemátodo, é que podem fazer várias gerações por ano. O nemátodo não é
um insecto. É um verme que é transportado por um insecto, o
Monochamus, mas este, em condições normais, só faz uma geração anual.
Portanto é um processo relativamente lento. Além disso, o facto de o
nemátodo se fazer transportar pelo insecto não implica que todos os
indivíduos Monochamus transportem nemátodo. Tem de haver uma série de
conjugações.

Os bóstricos atacam também o pinheiro manso…
Atacam tanto pinheiros bravos como mansos. Preferem o pinheiro bravo
porque o odor que a resina expele é mais atractivo. Agrada-lhes mais,
mas na falta atacam também os mansos. Quando há intervenções grandes
nos pinhais e os resíduos permanecem no terreno muito tempo, há aquela
fase do verde para o amarelo que exerce sobre os insectos uma atracção
enorme, elevando as populações a ponto de se passarem para o pinheiro
manso.

Se a árvore já está fragilizada aparecem outras espécies.
Exactamente. Vêm os oportunistas todos. E os bóstricos são também
oportunistas. Há um conjunto de factores. E o que é que aconteceu para
as coisas ficarem mais complicadas? Além de outras falhas, falhou-se
redondamente na comunicação e no envolvimento dos produtores
florestais. Não se explicou às pessoas. Tudo o que é nemátodo tem
corrido quase sempre mal e tem sido quase sempre mal conduzido.

A Anefa emitiu em Outubro de 2011 uma nota de imprensa onde diz que a
estratégia do poder central "ano após ano começa do zero". Podia ter
sido feito de outro modo?
É mais ou menos assim! São problemas complexos e cruzam-se aqui
muitíssimas coisas, desde questões técnicas a factores políticos. Se
nós virmos, o problema começou de forma mais ou menos declarada em
1999. Estamos em 2012 e portanto tem mais ou menos treze anos. Neste
período já houve quatro ou cinco ministros da agricultura, mais quatro
ou cinco secretários de Estado das florestas, e já não sei quantos
directores gerais de florestas ou vice-presidentes da AFN, e por aí
adiante. E nunca este tipo de políticas teve uma continuidade. Por
outro lado, durante bastante tempo o nemátodo foi um negócio para
muitos. Quase toda a gente ganhava menos o proprietário florestal e o
Estado. E isto arrastou-se durante muito tempo.

E não se aprendeu com os erros?
Um dos problemas tem a ver com a continuidade do processo e com o seu
financiamento, que é público. Quando há muitas mudanças a nível
político as coisas param e arrancam. Andámos sempre atrás do problema
e nunca fomos capazes de aprender com o que estava mal. Paralelamente
a isso sempre se disse que quando aparecia um problema num povoamento
era nemátodo. Era sempre nemátodo! O que inviabilizou a luta contra
outro tipo de doenças ou pragas que às vezes até são mais fáceis de
combater. Porque se podem apanhar em armadilhas e porque meras
operações de gestão podem constituir uma forma de controlar o
problema. Por exemplo quando se faz um corte ou quando se faz uma
desramação, ela não deve ser feita a partir do momento em que nós
prevemos que não vamos conseguir destruir os sobrantes que lá ficam.
Se começamos a fazer uma desramação no final de Março, num ano em que
a Primavera se apresenta seca, já não conseguimos queimar os
sobrantes. O que vamos fazer é multiplicar exponencialmente a
população de insectos. Mas se essa operação for antecipada e tivermos
ainda a hipótese de queimar, o que vamos fazer é destruir uma
quantidade enorme de insectos que utilizam a rama do pinheiro como
habitat.

Houve esforço para responder ao problema mas não foi implementado de
forma correcta…
Todos os anos o processo arrancava atrasado e cada novo responsável
político abordava a questão de forma diferente. Resultado: íamos
sempre começar tudo muitíssimo tarde. Quando se começava a fazer a
identificação e a marcação das árvores já se devia estar a cortar,
quando se começava a cortar já se devia ter parado. O que nós
conseguimos foi ir sempre multiplicando. Por outro lado, ao nível da
fiscalização da circulação e transporte de madeira também houve
grandes falhas.

E algum do controlo que foi feito, como é que se efectuou?
Teve várias fases. Numa primeira fase os cortes eram acompanhados pela
guarda florestal, da DGRF. Mas a partir de um determinado momento esse
corpo desapareceu. Aí então as coisas deixaram de ter um
acompanhamento efectivo. Por outro lado, muitas vezes os trabalhos de
erradicação foram mal executados e nalguns casos nem foram executados.
E o problema a pouco e pouco foi-se alastrando.

Inclusive a Espanha pois já há notícia de presença na Galiza e Extremadura.
Há casos de povoamentos com análises positivas em Espanha, e a
possibilidade de progressão para outras paragens não é uma
possibilidade para descartar. E não há notícias de se ter conseguido
em país nenhum do mundo erradicar o nemátodo. A partir do momento em
que se instala não parece haver forma de o eliminar. Pode-se é
conseguir conviver com ele, e para tal existe um conjunto de operações
e de cuidados para pelo menos ter o problema controlado.

Que operações é que os produtores devem executar? De que maneira é que
podem manter o problema sob controlo?
A chave está na informação e no envolvimento de todos os agentes que
se encontram no terreno, e obviamente numa gestão florestal activa que
evite operações prejudiciais e promova o melhoramento do estado
vegetativo dos povoamentos. A eliminação imediata de árvores doentes e
uma gestão do solo, quer ao nível da fertilidade quer em relação ao
controlo de matos, podem ser bons exemplos do que estou a tentar
transmitir e são princípios válidos para todas as espécies.


Fala da necessidade de envolvimento dos vários agentes que estão no
terreno. Na comunicação acerca deste problema tem faltado uma postura
de proximidade?
Exactamente, proximidade! Porque as pessoas quando são sensibilizadas
para a questão, e se lhes explica, percebem com bastante facilidade o
que deve ser feito. Nós tivemos aqui bem perto [Grândola], há uns
quatro anos talvez, um problema em pinheiro manso que parecia começar
a ser complicado e acabou por se controlar com algumas intervenções.
Organizou-se uma reunião de informação com os produtores florestais, e
com a colaboração de técnicos da Estação Florestal Nacional, agora
INRB, foi feita uma apresentação muito simples e muito objectiva, uma
caracterização do que estava a acontecer, do que era, e do que se
devia fazer. Fez-se, e hoje requer apenas algum acompanhamento para
ver se aparecem alguns sinais.

Que género de intervenção foi feita?
Basicamente o que se fez foi eliminar aquelas árvores no momento
certo. Sacrificaram-se as árvores doentes, foi tudo destruído in loco,
e não houve qualquer transporte de madeira. Até à data não teve
desenvolvimentos. Ao nível do nemátodo as coisas tecnicamente não são
substancialmente diferentes. Tem de ser um processo contínuo, tem de
ter acompanhamento, mas tem de ter um envolvimento muito grande dos
proprietários e durante muitos anos isso não aconteceu. O proprietário
era considerado um prevaricador e abstencionista. Havia um edital que
mandava que as árvores tinham de ser cortadas. Vinham depois umas
equipas que cortavam e carregavam. Ou seja, os actores mais
importantes foram postos à margem num problema que eles tinham dentro
de casa. Foi um erro monstruoso. Agora alastrou para o Norte com as
características que nós sabemos ao nível da propriedade, muitíssimo
fragmentada, declives muito acentuados que tornam as intervenções
muitíssimo difíceis e dispendiosas. E atingiu uma proporção que é
incontrolável.

A fragmentação também contribuiu para isso…
Sim, à fragmentação está ligada a uma questão crucial que é a
rentabilidade, e a existência ou inexistência de gestão.

Há áreas onde se fez corte raso ou onde se ficou com densidades
mínimas. Como é que se pode retirar novamente rentabilidade destas
terras? Ao nível do mercado ainda é atractivo apostar no pinheiro
bravo?
Tudo perguntas difíceis. Neste momento o cenário não é muito animador
e no curto prazo não se deve alterar. Embora os indicadores aqui há um
tempo atrás fossem contrários, o que nos dizem hoje é que a madeira é
uma matéria-prima escassa e aparentemente finita se as actuais
condições não se alterarem. O consumo actual de madeira em Portugal
não é correspondido de forma nenhuma pela florestação ou
reflorestação. Se tivéssemos um gráfico do potencial produtivo de
madeira em Portugal, seja ela qual for, víamos que estamos neste
momento numa curva descendente. O problema é que a capacidade
produtiva está a baixar mas a oferta não está a diminuir, arrastando
os preços para valores irrisórios.

Falámos com algumas pessoas ligadas ao corte de madeira que nos
disseram que neste momento não conseguem recuperar os valores que já
pagaram pelos pinhais. E por isso estão parados a aguardar que o preço
pago pela indústria suba, para poderem trabalhar.
Os preços da madeira são neste momento baixíssimos e os custos de
exploração cada vez mais elevados. É uma equação impossível. Além
disso as serrações, que no fundo são quem podia acrescentar mais valor
à madeira de pinho, atravessam uma crise muito grande que tem levado
ao fecho de muitas unidades.

Então continuar a apostar no pinheiro bravo é incerto não só pelo
preço da madeira como pelos problemas de sanidade. Há espécies
autóctones como o sobreiro, o castanheiro, ou o carvalho que são por
vezes apontadas como alternativa. Mas são árvores de crescimento lento
e o retorno do investimento só vem muito tarde.
Essa é uma das características do investimento florestal. Quem quiser
obter retorno rápido tem de escolher outro tipo de investimento. Nós
sabemos que o mais rápido de todos que temos em termos florestais é o
eucalipto, e mesmo assim são precisos 10 anos. Há algumas
possibilidades com pinheiro manso, que se for enxertado e regado, ao
fim de 5, 6, 7 anos, se as coisas correrem bem, pode já produzir
alguma coisa. É pouco mas já começa a produzir. Depende do terreno que
se tem, da disponibilidade de capital, das características do
proprietário, e dos incentivos ao investimento existentes.
E o que é que podemos de facto fazer se optarmos por reflorestar?
Não estamos num tempo de devermos pôr os ovos todos no mesmo cesto.
Cada exploração é uma exploração mas, dependendo de áreas, de solos,
porque o clima na região é todo ele muito semelhante, não foge muito
do que me estava a dizer. Eu ponho de parte os carvalhos porque nas
zonas de areia não têm a mínima hipótese. Há zonas que podem ser
reflorestadas com povoamentos mistos, e neste momento há instrumentos
financeiros. O Proder ainda permite, e no próximo quadro com certeza
irá haver também medidas que permitam fazer a reposição do potencial
produtivo, com custos aceitáveis. Obviamente que dá algum trabalho,
tem de se fazer um plano de gestão florestal, elaborar um projecto, e
fazer a candidatura. Mas se ela for aprovada permite restabelecer o
povoamento. Mas de facto tem de se acertar na espécie que lá se põe.
Numa parcela que tenha 50 ou 60 hectares, desde que os solos o
permitam, pode fazer-se uma distribuição em que o eucalipto tem
perfeitamente lugar, eventualmente podem-se fazer povoamentos mistos
de pinheiro bravo e manso, povoamentos mistos de sobreiro e pinheiro
manso, ou sobreiro e pinheiro bravo.
E há outras possibilidades além das árvores autóctones?
Nem tudo tem de ser reflorestado. Há solos com qualidade para
agricultura e podem ser rentabilizados de outra forma. Por outro lado
há também algumas perspectivas ao nível de produção de biomassa para
energia. Isso vai depender da política que for adoptada como
subsidiação de energia produzida por fontes renováveis, que começa a
ter os holofotes muito em cima. O preço pago pela energia produzida
através de fontes renováveis é um preço subsidiado, o que assegura a
rentabilidade do negócio. A viabilidade dessa exploração é induzida,
não é uma viabilidade própria. Se o Estado disser que o preço do
megawatt diminui, estes projectos podem cair por terra. Na utilização
de espécies vocacionadas para a produção de biomassa está a ser
testado o uso de salgueiros, que é uma espécie quase invasora, ou
mesmo as mimosas ou as acácias, e uma coisa nova mas que também não
está testada, a paulónia. É uma árvore estranha que tem uma capacidade
de crescimento muito grande.
Não há portanto perspectiva de já a breve prazo termos no mercado, em
viveiro, um pinheiro resistente ao nemátodo.
Não me parece. Os processos de melhoramento genético são processos
lentos. Suponhamos que daqui a 4 ou 5 anos já havia umas plantas. Não
estão testadas, não se conhece o seu comportamento, seria correr um
risco enorme. E na floresta a unidade de tempo são décadas e os riscos
demasiado elevados.

A nível de campo, hoje fala-se no uso de armadilhas e insecticidas…
Tenho os maiores receios em relação à aplicação de insecticidas em
larga escala. Porque são de incidência geral e, como aconteceu no
passado, podemos provocar um desequilíbrio ainda maior do que aquele
que já tínhamos. Podemos acentuar o problema. Em termos florestais os
prazos são muitíssimo dilatados, e além disso os custos são
incomportáveis. A pulverização de áreas vastas só pode ser feita de
avião, com quantidades enormes, e com impactos ambientais difíceis de
avaliar. Parece-me mais racional o recurso à luta biológica, com uso
de armadilhas, e o incremento do planeamento e da gestão.

Que contributo é que a investigação pode dar para conter este problema?
Um contributo decisivo. A fileira florestal é um sector fundamental da
economia portuguesa e, tal como disse há pouco, a floresta portuguesa
tem problemas sanitários consideráveis em quase todas as espécies. A
sua resolução passa pela investigação. A adequação e capacidade de
resposta da investigação às necessidades de um sector é a única
justificação para a sua existência. Para além disso, a transmissão do
conhecimento aos seus potenciais "clientes" e utilizadores deve ser o
destino final da investigação. Infelizmente não acontece muitas vezes.

Apesar de tudo, nesta altura começamos a estar mais conscientes acerca
do que correu mal. E já conhecemos mais sobre boas práticas. Pensa que
estas contrariedades que atravessamos agora podem constituir um
estímulo e uma oportunidade para agirmos e virmos a ter uma floresta
mais bem gerida?
Já é habitual apelar-se a cerrar fileiras e a fazer das fraquezas
forças para superar os maus momentos. Quem quiser permanecer no sector
não tem outra possibilidade, embora me pareça que os tempos que correm
são dos mais delicados de sempre. São tempos especialmente difíceis em
que tudo e todos atravessam enormes dificuldades. Apesar disso, penso
que existe uma fresta por onde podemos passar. Não temos é espaço para
falhas. Temos todos de ser muito profissionais e muito dedicados.
Temos de saber aproveitar todos os recursos. E por parte do Estado
espera-se que se torne mais consistente, mais ágil, e sobretudo mais
responsável.


http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2660

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