terça-feira, 11 de junho de 2013

Dia de Portugal: Presidente da República dá destaque à agricultura no seu discurso na Sessão Solene das Comemorações

Falando nas cerimónias do 10 de Junho em Elvas, o Presidente da
República deu um especial destaque à agricultura portuguesa,
referindo-se à evolução que a mesma teve desde a adesão de Portugal às
Comunidades, pelo que resolvemos transcrever a parte dessa mesma
intervenção que aborda o sector agrícola.

"...

Portugueses,

Nesta região ladeada pelo Guadiana, um poeta cantou a epopeia da
planície e um amador da etnografia foi pioneiro ao registar, através
dos campos, o quotidiano da atividade agrícola.

O Dia de Portugal, celebrado este ano no Alentejo, constitui uma
oportunidade ímpar para desfazer equívocos sobre a evolução recente da
nossa agricultura e reconhecer a sua importância estratégica.

A agricultura constitui um domínio crucial para a sustentabilidade da
soberania económica, para o desenvolvimento harmonioso do território e
para a qualidade de vida das populações.

Ainda não atingimos todos os objetivos, temos vários desafios a
vencer, mas o que foi feito no mundo rural, e que muitos cidadãos
desconhecem, representa um exemplo notável e uma grande lição,
sobretudo numa altura em que devemos fazer uma aposta inequívoca no
crescimento da economia, com vista a combater o desemprego e a
alcançar mais justiça social.

Há quem sustente que a adesão de Portugal às Comunidades implicou a
destruição do mundo rural e a perda irreversível da nossa capacidade
produtiva no setor primário. Este retrato é completamente desfasado da
realidade.

Quando aderimos às Comunidades, em 1986, o número de agricultores era
muito superior ao atual. Tínhamos, na altura, cerca de 600 mil
agricultores, enquanto hoje possuímos menos de metade. De igual modo,
o número de explorações agrícolas registou uma quebra significativa,
de cerca de 53 por cento.

Quem observar apenas estes números poderá concluir que, nos últimos
trinta anos, a agricultura em Portugal sofreu um grave retrocesso.

Não é verdade. Importa ter presente toda a realidade, e não apenas uma
parte dela, quando procedemos a uma avaliação global e objetiva das
transformações ocorridas no setor primário.

De facto, mais do que um processo de declínio da nossa agricultura,
assistimos e ainda estamos a assistir, isso sim, a uma reconversão
profunda do mundo rural. Reconversão que, sublinhe-se, era não só
inevitável como desejável e que veio a revelar-se, afinal,
extremamente positiva.

A agricultura era um setor que ocupava uma parcela significativa da
nossa mão-de-obra, mais por efeito da persistência de um modelo
socioeconómico herdado do passado do que por uma opção profissional
deliberada. Não se era agricultor, estava-se na agricultura. E
estava-se na agricultura com vista a assegurar o sustento do
dia-a-dia, muitas vezes no limiar da pobreza e da mera subsistência.

Àqueles que possuem uma visão saudosista de um passado que,
verdadeiramente, nunca existiu, basta perguntar: se nessa altura se
vivia bem no mundo rural, por que motivo tantos e tantos Portugueses
fugiam dos campos, em busca de uma vida melhor?

Há cerca de 30 anos, tínhamos um setor agrícola profundamente
estagnado e descapitalizado, padecendo de fortes limitações
estruturais.

Conseguimos, com sucesso, operar uma transformação estrutural da nossa
agricultura. As explorações agrícolas, em média, duplicaram de
dimensão e a reconversão técnica e produtiva que aí ocorreu permitiu
obter resultados notáveis, que devemos conhecer antes de formularmos
juízos apressados, que ignoram os factos e os números.

Na sua rigorosa objetividade, as estatísticas não enganam. A
produtividade da terra cresceu 22 por cento e a produtividade do
trabalho agrícola aumentou 180 por cento.

Há 20 anos, 80 mil produtores de leite obtinham 1 milhão de toneladas
por ano; atualmente, 7.800 produtores – ou seja menos de um décimo
daqueles que existiam há 20 anos – conseguem produzir 2 milhões de
toneladas. A produção global no setor do leite duplicou e a
produtividade por agricultor aumentou mais de 20 vezes.

No setor do tomate para a indústria, a produção global aumentou duas
vezes e meia e a produção por agricultor cresceu 26 vezes.

Na olivicultura, aquilo que há 20 anos se produzia em 300 mil hectares
consegue hoje ser obtido em apenas 10 por cento da área, ou seja, 30
mil hectares.

As grandes transformações não se cingiram a estes setores. De um modo
geral, a atividade agroindustrial e florestal foi alvo de um intenso
processo de modernização.

Afirmámo-nos como um país exportador em vários domínios: frutas,
hortícolas, vinhos, produtos lácteos, concentrado de tomate, produtos
de origem florestal. No passado, apenas exportávamos pasta de papel,
cortiça, vinho do Porto e pouco mais.

O setor florestal, por seu turno, tem crescido sistematicamente nos
últimos anos, com as exportações a atingirem em 2012 o valor recorde
de 3600 milhões de euros.

Nada disto seria possível sem uma forte renovação do setor primário, a
base em que assenta o desenvolvimento de parcelas muito vastas do
nosso País.

A melhoria das condições de produção agrícola, quer em quantidade,
quer em qualidade, teve um reflexo direto na alimentação dos
Portugueses. Por vezes, não nos apercebemos do seu alcance. Mas é
preciso dizer, sobretudo às novas gerações, a evolução notável que se
registou nas últimas décadas.

A forma como hoje nos alimentamos é muito diferente da que existia no
passado e melhorou substancialmente: o consumo médio per capita da
população aumentou 63 por cento nos produtos hortícolas, 41 por cento
na carne e 24 por cento no leite, sendo que o aumento do consumo
desses bens não implicou um acréscimo de idêntica proporção do défice
alimentar face ao exterior. Pelo contrário, recentemente assistimos
mesmo a uma redução desse défice, graças a um aumento significativo
das exportações, que em 2012 se cifrou em 416 milhões de euros.

Em síntese, não só conseguimos aumentar a produtividade da nossa
agricultura, não só conseguimos afirmar a nossa capacidade exportadora
em diversos domínios, como melhorámos de forma substancial a qualidade
e a diversidade da alimentação dos Portugueses. Mais do que isso:
fizemo-lo em condições que garantem um nível elevado de
autossuficiência alimentar, situado nos 81 por cento.

Os benefícios não se centraram, por conseguinte, apenas nos produtores
agrícolas e estenderam-se ao conjunto da população no seu todo.

E não se pode esquecer o papel da agricultura na mobilização de
atividades como o turismo, o artesanato, a produção industrial ou o
comércio, contribuindo para a qualidade de vida nos centros urbanos de
média dimensão situados no espaço rural.

Para esta transformação, a Política Agrícola Comum deu um contributo
fundamental, mas a verdade é que o grande mérito cabe aos nossos
agricultores.

Neste Dia de Portugal, presto a minha homenagem a todos os nossos
agricultores que, pelo seu esforço, pelo seu mérito, pelo seu espírito
de iniciativa, souberam adaptar-se às exigências de um mercado
altamente competitivo, concorrendo com países de grande dimensão,
dotados de mais maquinaria e tecnologia, com solos mais férteis e com
condições climatéricas mais favoráveis à exploração da terra.

Os nossos agricultores bateram-se sem temor com os seus congéneres
europeus, investiram na modernização das suas explorações e souberam
fazer uma aposta certa em produtos de qualidade.

Os números, uma vez mais, são expressivos: dos 872 produtos europeus
reconhecidos como de qualidade especial, 120 são portugueses, ou seja,
14 por cento dos produtos de qualidade na Europa são de origem
portuguesa.

Além disso, a agricultura biológica tem tido um crescimento muito
significativo, ocupando já cerca de 210 mil hectares e 2.800
produtores, facto a que não é alheia a preocupação crescente dos
consumidores com a segurança e com a qualidade alimentar.

Portugueses,

A evolução da nossa agricultura constitui um bom exemplo da
necessidade de abandonarmos ideias feitas e preconceitos, de
ultrapassarmos a tendência para o derrotismo e para o pessimismo.

Na verdade, encontra-se ainda enraizada em muitos espíritos a ideia –
objetivamente errada – de que a agricultura portuguesa se encontra em
declínio e que a nossa adesão às Comunidades implicou a destruição do
mundo rural.

É um facto que o mundo rural do passado desapareceu. Simplesmente, não
devemos lamentar essa extinção. Pelo contrário, ninguém de bom senso
pode alimentar sentimentos de nostalgia por um tempo em que a
atividade agrícola registava níveis baixíssimos de produtividade,
ocupava uma parcela significativa da população mas não lhe dava em
troca qualidade de vida, fazia com que muitos portugueses, mais de
meio milhão, praticassem uma agricultura obsoleta que, por vezes, os
colocava no limite da subsistência.

Ao atraso do mundo rural estava associado o atraso das suas
populações, que viviam em condições precárias, com níveis de
analfabetismo muito elevados.

Não é preciso recuar muitos anos para reviver situações de miséria que
persistiam em pleno século XX, e que, pela pena de autores como Alves
Redol ou Manuel da Fonseca, a literatura neorrealista captou em
páginas que ilustram o modo como se vivia – ou, antes, sobrevivia –
nos campos de Portugal.

Em trinta anos, conseguimos mudar práticas ancestrais que obrigaram
sucessivas gerações de Portugueses a viver desigualdades iníquas,
absentismo dos proprietários, dramas de fome e de miséria, precárias
condições de higiene e de saúde, analfabetismo transmitido de pais
para filhos, migrações sazonais internas ou, no limite, o êxodo rural
para as cidades ou para o estrangeiro. A paisagem social dos nossos
campos mudou – e muito.

Estamos no Alentejo e quero salientar o enorme esforço que os
agricultores desta região têm feito para alterar a estrutura e a
orientação das suas produções, numa adaptação, nem sempre fácil, às
condições do mercado e ao enquadramento europeu.

Os resultados desse esforço são já visíveis, com novas vinhas,
modernos olivais, novos pomares e também muitos povoamentos florestais
jovens. A obra de regadio do Alqueva tem proporcionado condições
ímpares para a renovação do tecido produtivo numa vasta região e há
ainda um enorme potencial que devemos aproveitar.

Deve reconhecer-se que, na agricultura portuguesa dos nossos dias,
persistem ainda limitações estruturais. A propriedade continua muito
fracionada, a qualidade dos solos aráveis nem sempre é a melhor, as
características do clima são por vezes adversas.

Do mesmo modo, importa reconhecer que, em alguns setores e regiões,
não foi possível acompanhar as exigências de competitividade e de
inovação e que, sobretudo entre os pequenos produtores, muitos foram
afetados no processo de reconversão da nossa agricultura.

A sustentabilidade a prazo da agricultura requer um rejuvenescimento
do seu tecido empresarial. Devemos ter presente que cerca de 48 por
cento – ou seja, quase metade – das nossas explorações são dirigidas
por agricultores com mais de 65 anos.

Entre as questões a merecer a atenção dos decisores políticos, destaco
o futuro dos jovens agricultores. Geralmente dotados de qualificações
superiores, com ambição e vontade de aplicarem os seus conhecimentos
no trabalho da terra, os jovens que querem dedicar-se à agricultura
enfrentam dificuldades significativas. Por um lado, têm especiais
dificuldades no acesso à terra em boas condições e, por outro lado,
têm de suportar encargos elevados no início da sua atividade.

É certo que muitos jovens estão a procurar a atividade agrícola. No
último ano, mais de 2.000 projetos de instalação de jovens
agricultores terão sido aprovados. Trata-se de um sinal muito
encorajador, que abre novas perspetivas à agricultura portuguesa.

Temos de valorizar o espaço rural e apoiar os jovens que querem
colocar o seu dinamismo e as suas qualificações ao serviço da
agricultura. Já muito fizemos, mas podemos – e devemos – fazer mais e
melhor.

..."

Pode aceder ao discurso na íntegra no sítio da Presidência da República.

Fonte: Presidência da República

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2013/06/10e.htm

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