segunda-feira, 29 de julho de 2013

Agricultura perdeu relevo ou deu um salto qualitativo?

SECTOR PRIMÁRIO


por Rui Marques SimõesHojeComentar

É uma discussão com vozes dissonantes e sem acordo possível: a
agricultura nacional está melhor ou pior do que há um quarto de
século? O estudo "25 anos de Portugal europeu"revela um País onde o
número de agricultores e explorações agrícolas caiu para metade, o
sector primário perdeu relevo e as importações de produtos alimentares
aumentaram. Mas a agricultura nacional também se modernizou, mecanizou
e tornou mais empresarial. E há quem diga que esse pulo era impensável
há um quarto de século.

Nada ficou igual na agricultura portuguesa, no passar de um quarto de
século, entre os anos 80 e a atualidade. Até aqui, todos estão de
acordo; no resto, não."A agricultura portuguesa vive melhor do que em
1986", diz João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores
de Portugal. "Perdeu peso económico, social e político", contraria
João Dinis, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
"Deu-se um enorme salto qualitativo, foi quase um milagre", insiste
Luís Capoulas Santos, ministro que tutelou a pasta entre 1995 e 2002.
No fim, fica a certeza - reforçada pelo estudo "25 anos de Portugal
europeu", da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) - de que o
País foi deixando o mundo rural e de que o sector primário se
modernizou... mas perdeu relevo na economia .

"O peso do sector primário na riqueza gerada no País dividiu-se por
cinco" (pesava 10% do valor acrescentado bruto em 1986... e só 2% em
2008)", concluiu o estudo. "A agricultura tinha grandes limitações
estruturais enquanto outros sectores tinham obrigação de crescer",
lembra Capoulas Santos.

João Dinis insiste na tese da perda de importância do sector e
explica-a com a queda para metade do número de agricultores e
explorações agrícolas. "As políticas da PAC [Política Agrícola Comum]
e as de matriz nacional arruinaram a agricultura familiar e o mundo
rural. 95% do financiamento comunitário foi parar ao bolso de 5% dos
agricultores. Os fundos foram mal distribuídos e utilizados com
critérios errados", acusa o líder da CNA.

No entanto, o que, por uns, é visto como um sinal de retrocesso -
abandono da agricultura familiar e crescimento das grandes explorações
- é, para outros, uma prova de evolução. João Machado diz que "é
evidente que a agricultura evoluiu muito em Portugal desde 1986:
modernizou-se, mecanizou-se, tornou-se mais produtiva, mais
profissional, no fundo, mais empresarial e menos familiar e de
subsistência". E , graças a isso, "a produção agrícola aumentou
substancialmente, mesmo existindo menos explorações e menos mão de
obra". Capoulas Santos propõe uma viagem no tempo: "Fazer o que fez
neste quarto de século é notável. A agricultura portuguesa era quase
medieval e agora compete com os restantes países da União Europeia".

O antigo ministro da Agricultura fala de "um enorme salto qualitativo
em termos estruturais". Esse pulo viu-se no investimento e
modernização de explorações agrícolas, máquinas, caminhos rurais ou
estruturas de rega. Ao todo, no período analisado pelo estudo
(1986-2010), foram gastos 21 mil milhões de euros nestes equipamentos
(11 mil milhões vindos dos fundos comunitários).

Porém, isso não bastou para evitar o "atraso na produtividade e na
rendibilidade [nacionais] face ao padrão europeu", diz o trabalho
coordenado por Augusto Mateus. Aí, são lembrados os problemas
estruturais (do baixo investimento ao menor nível de instrução e idade
avançada dos agricultores) e as dificuldades de integração do País na
UE, devido a fatores como a abertura do mercado único e a propagação
de empresas de grandes distribuição, abastecidas à escala
internacional. O diagnóstico é similar ao de João Dinis, que culpa a
agricultura super intensiva, a aposta nas importações ("pensou-se que
era mais barato importar do que produziu cá") e a "ditadura comercial
dos supermercados" pelo declínio nacional.

O dirigente da CNA diz que Portugal aumentou a sua dependência
alimentar do estrangeiro. E o estudo também dá força à tese. "A taxa
de penetração das importações de bens alimentares aumentou: em 2007,
mais de 50% do consumo em Portugal era importado, contra 35% em 1986".
Também aqui há visões contraditórias. Capoulas Santos alega que "o
nosso grau de autoprovisionamento é de 81%" (dizem dados de 2010, do
INE). A cobertura das exportações pelas importações é baixa porque "a
produção agrícola em Portugal é sobretudo direcionada para o mercado
interno". E desdramatiza: "Num país com poucos solos férteis, uma
população envelhecida e com pouca formação, e que mesmo assim auto
provisiona mais de 80% é preciso ser mauzinho para dar um ar
catastrofista disto." Afinal, o País pode ter mudado no último quarto
de século... mas o desacordo, não.

http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=3347209&page=-1

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