segunda-feira, 29 de julho de 2013

Relançamento de marcas históricas ajuda empresas em tempo de crise

ANA RUTE SILVA

28/07/2013 - 00:00

O renascimento de produtos também é impulsionado pelos próprios
consumidores, nomeadamente através do Facebook e dos serviços de apoio
aos clientes VÍTOR CID

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O regresso do Milo e do Corneto de Limão este ano são dois dos casos
para captar consumidores.

Quando há incerteza e não se sabe como será o dia de amanhã, o passado
é símbolo de estabilidade. É o tempo do "antes é que era bom". Por
isso, cada vez mais se assiste a relançamentos de marcas e produtos
históricos, que trazem recordações positivas, quase sempre
relacionadas com a infância. O consumidor sente-se confortável ao ver
na prateleira algo que já conhece e é estável. E as empresas conseguem
lançar novidades sem terem de investir largas quantias num produto e
marca totalmente novos.

Exemplos não faltam. Os chocolates Regina com sabor a ananás ou as
suas sombrinhas de chocolate regressaram ao mercado depois de o grupo
RAR (dono da Imperial) ter agarrado na falida marca lisboeta, criada
em 1928 no bairro de Alcântara. A estratégia foi trazer de volta os
chocolates de referência e, ao mesmo tempo, associar a Regina a novos
produtos.

Também a marca de gelados Olá, da Unilever Jerónimo Martins, trouxe de
volta, este ano, o Corneto de Limão e, já em 2012, tinha apostado nos
clássicos Roll e Fizz de Limão. Outra empresa deste gigantesco mercado
dos bens de grande consumo, a Nestlé, apostou no "velho" Milo, nos
chocolates Toffee Crisp e na marca portuguesa Rajá, que comprou em
1985.

Ana Paula Cruz, autora do livro Retromarketing, Old is wow!, editado
recentemente pelo IPAM, diz que em Portugal esta tendência surgiu
tarde.

A expressão retromarketing surgiu nos Estados Unidos e no Reino Unido
"já há 10 ou 15 anos" e teve origem na geração de baby-boomers,
nascida depois da II Guerra Mundial e que, agora, tem 50 ou 70 anos.
Tem ainda a sua génese no efeito "fim de século". Com o aproximar do
fim do século XX, as pessoas "tenderam a olhar para trás e fizeram um
balanço do passado".

Teoricamente, o conceito é definido por Stephen Brown, considerado o
"pai doretromarketing", como o "relançamento de uma marca, de um
produto ou serviço proveniente de um período histórico de outrora que
é normalmente, mas nem sempre, reformatado para os standards"
contemporâneos.

Este professor na Universidade de Ulster, Irlanda, diz que o "boom da
nostalgia" não desapareceu". "Antes pelo contrário, a década actual
foi ainda mais orientada para o retro do que os anos 90. Música retro,
filmes retro, comida retro, moda retro, carros retro, jogos de
computador retro - o que quiserem", escreve no prefácio do livro
escrito por Ana Paula Cruz.

Há muitos factores que podem explicar este "regresso" do que é antigo,
um movimento recorrente na moda, por exemplo. Mas numa altura em que a
crise lançou medidas de austeridade pela Europa, há motivos mais
práticos do ponto de vista das empresas: "É muito menos arriscado e
muito mais barato do que lançar produtos, serviços ou marcas
completamente novos. O retro é uma estratégia de marketing
inerentemente conservadora, uma aposta no "testado e provado" em vez
de no "novo e melhorado"", escreve Stephen Brown.

Ao mesmo tempo, o renascimento de produtos também é impulsionado pelos
próprios consumidores, que criam páginas no Facebook a pedir o
regresso das marcas que mais gostam ou inundam as linhas do serviço de
apoio ao cliente. Com o Toffee Crisp foi assim. "Era o produto mais
pedido através do serviço ao consumidor e foram criados grupos de fãs
no Facebook a pedir o regresso", diz Natacha Oliveira, gestora deste
produto na Nestlé.

Num deles, um dos membros disparava: "Queria saber por que é que a
Nestlé retirou o Toffee de Portugal. Tive de voar até ao outro lado do
mundo (Austrália) para poder provar outra vez esta maravilha do mundo
do chocolate. E agora tenho de voltar e ir viver para lá porque têm
Toffee!".

Outro pedido veio de Nuno Markl, que, no seu programa Caderneta de
Cromos, na Rádio Comercial, recordou o chocolate de arroz tufado e
caramelo, fora do mercado nacional há cerca de seis anos. O produto
regressou no final de 2012 de forma discreta, para testar o mercado,
mas foi em 2013 que a empresa anunciou a novidade aos fãs.

António Corte-Real, gestor da Olá, marca de gelados da Unilever
Jerónimo Martins, está habituado aos pedidos dos consumidores. "Temos
noção do valor que isso representa e não poderíamos ser indiferentes
aos pedidos que nos chegam diariamente. E, claro, adjacente a isto
está também a oportunidade e relevância para o próprio negócio da
companhia", afirma.

O Milo, preparado em pó de chocolate e malte, também está de volta 20
anos depois graças aos pedidos dos consumidores. Manteve-se nas
prateleiras na América do Sul e na Ásia, mas deixou de ser uma aposta
da Nestlé em alguns países da Europa. Saiu do mercado nacional "por
questões de escala".

No início de Maio, Portugal foi o primeiro país europeu a receber de
volta o Milo, ausente desde 1993 e que, agora, também deve voltar aos
supermercados de outros países. Este regresso foi pedido por "pessoas
com mais de 30 anos que se recordam de beber Milo na infância, ou por
portugueses que viajam pelo mundo e encontram o produto", diz Jorge
Fonseca, o gestor de produtos chocolatados da Nestlé, que desde 2011
tem vindo a promover este regresso junto da sede da multinacional, na
Suíça.

O primeiro mês de vendas foi positivo. "Atingimos 1% de quota em
volume e 2% em valor", adianta. O regresso traz vantagens à
multinacional. "Une a parte da novidade a um trabalho que já está
feito que é o da ligação afectiva com o consumidor", sublinha,
acrescentando que "parte do trabalho já foi feito e construído há 20
anos".

A empresa aproveitou também esta tendência para usar uma marca
portuguesa num produto de uso frequente, como o chocolate para
culinária. Quando comprou a fábrica de chocolates Rajá em 1984,
começou por produzir produtos com esta marca nacional, nomeadamente
bombons.

A produção acabou por ser transferida para Espanha e, mais uma vez,
questões de escala ditaram o fim da Rajá. Em Junho, regressou às
prateleiras associada a chocolate de culinária e a um formato de 100
gramas que, até então, não existia. Neste caso, toda a imagem foi
renovada."Era uma oportunidade. Não havia um produto com esta
quantidade exacta", sublinha Manuela Andrade, gestora da categoria de
bombons e chocolates de culinária. Com a crise, os portugueses
passaram a cozinhar mais em casa e a venda de produtos para a
confecção de doces e bolos tem vindo a aumentar.

Além disso, a tablete da Rajá pode ser uma novidade mas desperta
recordações. "Demos um novo fôlego à marca tradicional", diz Manuela
Andrade.

O regresso de produtos históricos não resulta apenas devido à relação
emocional que têm com os consumidores. Tem um "efeito contagiante",
diz Ana Paula Cruz, antiga aluna do IPAM. Não interessa apenas a quem
já os consumiu "mas também às novas gerações que não viveram esses
tempos". "Apesar de não terem tido essa experiência, querem ter acesso
ao produto", conclui.

António Corte-Real, da Olá, diz que esta estratégia de relançamento
tem vindo a ser seguida pela empresa desde sempre, "ao longo de mais
de 50 anos". A relação com a marca "atravessa gerações e gerações. O
que agora pode gerar nostalgia nos avós é nostalgia para os netos".

http://www.publico.pt/economia/jornal/relancamento-de-marcas-historicas-ajuda-empresas-em-tempo-de-crise-26882501

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