sábado, 21 de setembro de 2013

Ditadura dos prazos de validade é responsável por desperdício de alimentos

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Cerca de 1,3 mil milhões de toneladas de comida são desperdiçadas por
ano no mundo. Causas e impactos há muitos mas "pouca atenção" se dá ao
que costuma pesar na decisão de deitar alimentos para o lixo: o prazo
de validade

Um terço de toda a comida produzida no mundo para consumo humano acaba
por ser desperdiçado. Trocada por números, a conclusão da Organização
para a Comida e Segurança Alimentar (FAO, na sigla inglesa) mostra que
1,3 mil milhões de toneladas de alimentos comestíveis são
desperdiçados. Parte da culpa, diz a ONU, está na "preocupação
exagerada com as datas de validade" dos produtos - justificada no caso
de carnes, peixes e iogurtes, mas desnecessária quando se trata de
bens como margarina, óleos, azeite ou bolachas, que permanecem
"impecáveis muito depois do prazo indicado", assegurou António
Cabrera, especialista em engenharia alimentar. Só em Portugal,
desperdiça-se cerca de um milhão de toneladas de comida por ano.

Em 63 páginas do seu mais recente relatório, a FAO destacou a emissão
de gases poluentes ou a quantidade de água esbanjada como os maiores
impactos resultantes do desperdício de comida no planeta. O documento
refere a produção agrícola, o tratamento dos bens pós-colheita ou a
sua posterior distribuição como as principais causas do desperdício
alimentar registado no planeta.

Menções a datas e prazos de validade, aliás, apenas surgem num par de
frases: "Os consumidores podem demonstrar um planeamento insuficiente
das suas compras ou uma preocupação exagerada com as datas de
validade." Só aqui o relatório, intitulado "A Pegada do Desperdício de
Comida: Impactos nos Recursos Naturais", sublinhou o exagero de
preocupação das pessoas face aos prazos de validade.

Mas haverá razões para tanta suposta inquietação? Ou é possível comer
um produto para lá do prazo indicado? Não e sim, respondeu ao i
António Cabrera. "O produto é testado física, química e
microbiologicamente para assegurar que mantém todas as suas
propriedades desde o momento em que sai da máquina até ao último dia
da validade" indicada, garantiu o professor de Engenharia Alimentar,
para sustentar a fiabilidade das datas que, por lei, devem constar nas
embalagens de todos os produtos alimentares comercializados. Também a
Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garantiu que
a definição dos prazos "obedece a rigorosos padrões de garantia da
segurança dos produtos", pois "o objectivo de quem produz, embala e
vende é o de que os produtos oferecidos não coloquem em risco quem os
consome".

E consumir certos bens para lá da data--limite e recomendada também
não equivale necessariamente a riscos para a saúde. "Produtos como
margarina, óleo ou azeite estão impecáveis muito depois do prazo de
validade indicado", lembrou o docente da Universidade Lusófona de
Lisboa quando enumerou exemplos de produtos "estáveis" e "sem perigo
para a saúde" que podem ser consumidos para lá da fronteira definida
pelo produtor - bolachas e cereais são outros exemplos. Aqui, o
consumidor "não estará é a utilizar o produto com as qualidade que
tinha dentro do prazo de validade."

FALTA DE ATENÇÃO O relatório da FAO tocou no excesso de preocupação
mas, para António Cabrera, "tanto os portugueses como os europeus"
reflectem antes "uma falta de atenção e precaução" face às datas de
validade e consumo indicados em todos os produtos que compram.

O professor universitário argumentou que "os consumidores não estão
muito preparados para ler rótulos e conservar alimentos", razão,
defendeu, que influencia depois se a viagem do produto acaba no lixo
ou no prato. A preocupação só costuma aparecer quando o produto já
está em casa, pronto a ser confeccionado? "Claramente, pois muitas
vezes as pessoas compram produtos já muito perto do fim do seu prazo
de validade", criticou o docente, antes de sublinhar "a importância"
da criação de campanhas para "sensibilizar as pessoas a aprenderem a
ler rótulos".

O primeiro estudo realizado em Portugal sobre desperdício alimentar -
apresentado em Dezembro de 2012 - , calculou num milhão de toneladas a
quantidade de comida perdida, por ano, no país. E "a verdade",
sublinhou o especialista, "é que cada vez mais consumidores pedem que
os produtos tenham um prazo de validade mais alargado".

Mas a culpa não é restrita aos consumidores e também toca no lado dos
comerciantes. "O que acontece nas grandes superfícies é que, por
norma, a cerca de duas semanas do fim do prazo de validade, retiram os
produtos das prateleiras", conta António Cabrera. Apesar de "muitas
vezes" esses bens "acabarem no Banco Alimentar", grande parte é
encaminhada para o lixo e há um agravamento do desperdício. A APED,
porém, defendeu "que o vasto conjunto de empresas já adoptaram
práticas de encaminhamento de produtos que não podem ser apresentados
para venda ao consumidor".

ATÉ E PREFERENCIALMENTE ANTES Os maiores cuidados devem surgir com os
"produtos frescos" como peixes, carnes e iogurtes. Já o leite,
aconselhou o especialista, "desde que não esteja já transformado em
queijo", pode ser consumido depois de terminado o prazo de validade.
"Basta fervê-lo antes de beber e não vai acontecer mal nenhum",
garante. Dentro desta distinção está igualmente a que é feita, na lei,
quanto aos dois tipos possíveis de indicação das datas de validade. No
caso de bens perecíveis - sujeitos a decomposição ou deterioração -, a
data de validade dos produtos é precedida da designação "consumir
até". Nestes casos, os produtos "só podem ser comercializados até à
data indicada", explicou ao i o chefe do gabinete técnico da
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Já quando surge
"consumir preferencialmente antes de", Valdemar Silva diz que "não
existe proibição na sua comercialização após a data indicada", embora
aí a responsabilidade pela "segurança dos produtos" passe para a
entidade que os comercializa. Em 2012, a ASAE instaurou 19 processos
de contra-ordenação pelo "ilícito de comercialização com data-limite
de consumo ultrapassada" e apreendeu produtos "no valor de 4320
euros".

EXEMPLOS GREGO E INGLÊS A 22 de Agosto, uma lei na Grécia passou a
autorizar a venda de produtos alimentares, no máximo, até uma semana
fora da data preferencial de consumo - isto no caso de indicarem o dia
e o mês na embalagem; a permissão aumenta para 30 dias depois caso no
rótulo apenas se discrimine o mês e o ano.

Uma decisão semelhante em Portugal "seria um pouco complicada de se
tomar". António Cabrera realçou que "o importante é a parte da
segurança alimentar", e uma medida destas exigiria "uma análise
exaustiva de todos os géneros alimentícios, por pessoas credenciadas,
para verificar os [produtos] que efectivamente poderiam ser
utilizados". A ASAE e a APED, sem competências na "produção de
legislação", preferiram não comentar a eventual aplicação de uma
medida deste tipo. Se na Grécia a medida se deveu mais à crise da
dívida que o país atravessa, no Reino Unido o caso é distinto. "Come
ou congela no prazo de validade" é o nome da campanha adoptada para
"cortar com o desperdício desnecessário de comida", que já espalhou
vários cartazes e criou anúncios de rádio e televisão para
sensibilizar a população. Para António Cabrera, é isto que falta em
Portugal.

http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/ditadura-dos-prazos-validade-responsavel-desperdicio-alimentos

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