sábado, 12 de outubro de 2013

Assembleia da República: PCP questiona Governo sobre a «produção agrícola em Alqueva dependente de trabalho clandestino e de exploração»

O Grupo Parlamentar do PCP entregou na Assembleia da República uma
Pergunta em que solicita ao Governo que lhe sejam prestados
esclarecimentos sobre a «produção agrícola em Alqueva dependente de
trabalho clandestino e de exploração», Pergunta que se passa a
transcrever.

Destinatários: Ministra da Agricultura e Mar

PERGUNTA:

Em Novembro de 2012 o grupo parlamentar do PCP, dirigiu perguntas aos
ministérios com responsabilidade nas áreas do emprego, da segurança
social e da administração interna, alertando para indícios de
exploração laboral de trabalhadores imigrantes no trabalho de apanha
de azeitona no distrito de Beja. Situação a que se juntavam as más
condições de habitabilidade a que estavam sujeitos alguns grupos de
imigrantes, com pessoas amontoadas em instalações sem condições
mínimas de segurança, privacidade e conforto. Afirmava na altura o PCP
que "estamos perante uma realidade inadmissível uma vez que é
inaceitável que numa das mais importantes áreas agrícolas do país,
precisamente aquela que tem maiores condições para se modernizar e
para se desenvolver, se possa recorrer a formas de exploração do
trabalho de há vários séculos atrás."
As respostas dos diferentes ministérios limitaram-se a descrever
genericamente as actividades desenvolvidas por cada estrutura nesta
matéria, com excepção da administração interna cuja resposta foi mais
pormenorizada, confirmando casos de falta de condições de
habitabilidade, nomeadamente por sobrelotação das habitações.

No início de Agosto deste ano o PCP apresentava as conclusões da
iniciativa Situação social: Conhecer mais, Intervir melhor, realizada
no distrito de Beja, em que se denunciava que havia "já relatos de
atrasos no pagamento de salários em algumas explorações de grande
dimensão. Como [havia um]recurso generalizado a imigrantes, quantas
vezes, contratados através de empresas de trabalho temporário. Nestas
empresas, [afirmou o SEF] as situações de irregularidade são mais
difíceis de aferir e a tendência para incumprimentos é maior do que na
contratação directa."

É conhecido o peso que tem na região o trabalho dos imigrantes, assim
como são do conhecimento geral, as condições em que muitas vezes vivem
e a sua disponibilidade para trabalhar por valores abaixo do
legalmente estipulado. Em Maio deste ano o distrito de Beja tinha
cerca de 17 000 desempregados. Como o PCP já outras vezes afirmou, o
maior investimento público de sempre na região e outros importantes
investimentos públicos, não têm, como poderiam, deveriam e se espera
que o façam, alavancado a economia regional, nem contribuído para a
resolução do grave problema do desemprego. Isto porque associado ao
desenvolvimento da produção não foram desenvolvidos os mecanismos para
uma justa e correcta distribuição da riqueza produzida. A começar pelo
salário que é o melhor mecanismo de distribuição da riqueza, ao
remunerar devidamente a componente trabalho na cadeia de produção. Mas
as políticas seguidas há anos em Portugal e intensificadas pela
troica, neste processo assumido de empobrecimento da generalidade dos
portugueses, tem feito o caminho inverso: baixar salário; precarizar o
emprego; e abrir a porta ao aumento da exploração nomeadamente através
de empresas de contratação, em que o trabalhador é esmagado por um
empregador que não se preocupa com o cumprimento da legislação laboral
(já de si cada vez menos protectora do trabalhador) e uma empresa de
trabalho temporário de difícil fiscalização. Este é o modelo que não
serve a região nem as suas populações. Podem as grandes casas
exportadoras (de azeite e de vinho) terem os maiores sucessos nos seus
negócios, se eles são baseados na exploração da mão-de-obra, de pouco
servem o interesse nacional.

Em 24 de Maio de 2013 realizou-se em Lisboa Seminário Internacional
"Investir no Potencial Agrícola do Alqueva: oportunidade única a nível
europeu", com o objectivo de atrair investidores estrangeiros para a
agricultura de Alqueva. Neste seminário a Ministra da Agricultura
"Questionada sobre as dificuldades em atrair mão-de-obra portuguesa
para os campos do Alqueva, Assunção Cristas reconheceu que "o trabalho
na agricultura é difícil", mas acrescentou que é preciso "sinalizar
estas oportunidades e entusiasmar e reconhecer socialmente o valor
deste trabalho"". Mas foi o banqueiro Ricardo Salgado, presidente do
BES, que mais claramente acabou por abordar a questão da mão-de-obra
agrícola: "Se os portugueses não querem trabalhar e preferem estar no
subsídio de desemprego, há imigrantes que trabalham, alegremente, na
agricultura e esse é um factor positivo". O seminário organizado pela
EDIA e pelo BES foi esclarecedor quanto ao modelo defendido pela banca
e apoiado pelo governo.

É precisamente este modelo assente na exploração dos trabalhadores que
é denunciado pela acção da ACT, noticiada sexta-feira no seu sítio
electrónico e já divulgada pelo jornal Público. Numa acção conjunta da
ACT e do SEF, realizada a 17 e 19 de Setembro último, no Baixo
Alentejo, "visando a prevenção do trabalho não declarado e dissimulado
e o tráfico de seres humanos" foi " verificado um crescendo de
práticas irregulares naquele domínio". Foi encontrada, em duas
explorações visitadas, uma realidade de trabalhadores de nacionalidade
romena, todos clandestinos, tendo sido detectados inclusivamente um
trabalhador menor de 16 anos. Refere a ACT que os valores pagos pelas
empresas agrícolas às entidades empregadoras é de 35,00€ + IVA por
trabalhador e por dia de trabalho, sublinhando "que sendo o ordenado
mínimo em vigor para a agricultura de 500,00€ mensais, os 35,00€ que
as empresas proprietárias pagam aos prestadores de serviço por dia de
trabalho por trabalhador, não é suficiente para cumprir com os
encargos que o empregador tem com cada um dos trabalhadores -
ordenado, férias, subsídio de férias, subsídio de natal e compensações
proporcionais à duração do contrato, encargos com a segurança social,
seguro de acidentes de trabalho, exames médicos, deslocações de e para
o local de trabalho." É fácil ver que fica a perder neste enredo.
A própria ACT é muito clara, quanto aos efeitos da desregulação das
relações laborais, ao afirmar que os "fenómenos de incumprimento e de
ilegalidade têm vindo a evoluir no sentido de uma cada vez maior
desregulação".
Estas situações podem atingir dimensões alarmantes uma vez que,
segundo se depreende do comunicado da ACT, nos dois dias que se
efectuaram visitas foram encontradas irregularidades.

Posto isto, e com base nos termos regimentais aplicáveis, vimos por
este meio, perguntar ao Governo, através do Ministério da Agricultura
e do Mar, o seguinte:

1. Quando a senhora ministra propagandeia os sucessos da agricultura,
nomeadamente, o sucesso de Alqueva, enquadra a realidade descrita na
definição de sucesso?

2. Não entende o ministério que para se considerar o Alqueva como um
sucesso, para além da componente de produção e de criação de riqueza
deveremos ter em conta as variáveis desenvolvimento regional e coesão
social e territorial?

3. Entende o ministério que no projecto de Alqueva a componente de
desenvolvimento deve avançar a par da componente da produção?

4. Não entende o ministério que o processo de desvalorização do
trabalho, expresso na diminuição do seu valor e na desregulação das
relações laborais, vai em sentido contrário ao das palavras da senhora
ministra, quando diz que é preciso "reconhecer socialmente o valor
deste trabalho"?

5. Qual a estratégia do ministério para que mais produção de riqueza
no âmbito do projecto de Alqueva, tenha associado uma melhor
distribuição dessa riqueza o que obrigatoriamente se repercutira no
estimulo da economia regional?

6. Entende o ministério que é justo que um banqueiro se refira deste
modo aos trabalhadores portugueses, quando estes estão a passar por
imensos sacrifícios precisamente porque o governo está empenha em
salvar a banca acima de tudo?

7. Tem o ministério conhecimento se se prevêem acções inspectivas por
parte da ACT e do SEF de natureza semelhante no decorrer da campanha
da azeitona que está prestes a iniciar-se? Se não estão previstas irá
o ministério solicitá-las?

Palácio de São Bento, quinta-feira, 9 de Outubro de 2013

Deputado(a)s

JOÃO RAMOS (PCP)

Fonte: Grupo Parlamentar do PCP

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