domingo, 20 de dezembro de 2015

Opinião – E se mandar plantar batatas não fosse insulto?!


Joaquim Amândio Santos

Decidi hoje ostentar o arrojo de arbitrar o conflito entre a dependência das novas tecnologias e o crescente desconhecimento dessa prática ancestral conhecido por fazer agricultura ou, grosso modo, reservar algum do nosso tempo e do necessário suor físico para semear, tratar e colher alimentos para nosso consumo.

Tudo isto, reconheço, por, mesmo passado mito tempo desde a introdução do Farmville e outros jogos afins similares, continuar a sentir uma crescente irritação pessoal com esse fenómeno universal de adesão maciça ao jogo, que desafia os inúmeros utilizadores da mais notória rede social, a imaginarem uma belas galochas e uma jardineira de ganga a condizer e a arregaçarem mangas digitais na construção de casinhas virtuais, muros e cancelas iguais e, logo após, dedicarem entusiasmo célere e crescente na plantação clicada no ecrã do computador de morangos, moranguinhos, flores e florzinhas, couves e outros vegetais e, imagine-se só, vir mesmo a possuir uma quinta toda artilhada, onde pululam vacas sorridentes, asnos ou cavalos teoricamente "relinchantes", edifícios para todos os gostos e uma panóplia inesgotável de artefactos que transformam estes viciados da agricultura virtual no vírus mais perigoso do mundo interno do Facebook, disparando em todas as direcções, invadindo as páginas dos seus contactos com pedidos desesperados para subir nos diferentes níveis e pontuações do jogo!

Ponto de ordem à mesa. Não sou um daqueles pseudo-intelectuais que tenta demonstrar superioridade afastada sobre quem se dedica de corpo e alma a jogos de computador, nem coisa que o pareça.

A questão prende-se mais com a minha firma convicção de que a nossa crescente dependência do chamado mundo virtual computorizado, aliada à voraz recolha de habitantes para a órbita das cidades, está a despovoar o mundo rural de forma tão gritante que, em países como o nosso, a desertificação e o abandono dessas áreas já é quase um facto consumado, sem volta a dar, arrastando atrás de si questões fundamentais que ultrapassam já o preocupante modelo de desenvolvimento com assimetrias crescentes, tornando-se mesmo uma questão futura, a curto prazo, de sobrevivência de todos e cada um, face à crescente míngua de alimentos e ao crescente aumento de preço dos mesmos.

Continua belo um passeio pelas estradas de Portugal, fora das auto-estradas, desde Montesinho, no pico transmontano, até Vila Real de Santo António, onde o Guadiana encontra o oceano.

Belo sim, mas pungentemente chocante quando observamos o crescente espaço de cultivo abandonado, entregue às ervas daninhas, justaposto ao casario decrépito e sem pulsar, fruto da ausência humana cada vez mais vincada.

Dizem que a modernidade obriga a tal, que questões de "lana-caprina" como a agricultura são resquícios de um passado boçal e bucólico e vai daí, se revele facilmente aplaudível toda a actuação do espectro político português, ao longo dos últimos 30 anos, negociando e cedendo na PAC – Política Agrícola Comum da União Europeia que, literalmente, passou uma borracha por cima da produção nacional agrícola, com honrosas excepções que o são não por causa dessa política mas apesar dela!

Juntem a tudo isto, as sucessivas gerações contemporâneas que nascendo nas cidades, pouco ou nada sabem, desse fenómeno que dá origem ao que comem e que dá pelo nome de agricultura e estamos no limiar de uma época onde a total dependência externa alimentar será uma realidade.

Ou não, pois habituados à chamada "comida de plástico" que nos servem nas cadeias de "fast food", apresenta-se como dolorosamente lógica a fé que levará ao estômago o mesmo que o computador já nos oferece no amor, na amizade ou outras formas de relacionamento humano: um farto e rotundo NADA.

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