quarta-feira, 15 de junho de 2016

Pata Negra de ovelha

OPINIÃO

ANTÓNIO LOPES DIAS 11/06/2016 - 07:30

É importante que os decisores políticos saiam dos seus gabinetes e calcem as botas para ir acompanhar como se trabalha hoje na moderna agricultura nacional.


A propósito da apresentação recente de um estudo promovido pela ANIPLA, que dirijo, ouvi contar uma história sobre uma visita realizada por uma comitiva a uma das edições passadas da Feira Nacional da Agricultura durante a qual, uma deputada, ao ver uma ovelha negra, exclamou; "Agora já entendi a razão de ser do Pata Negra!".

Se a situação não foi exactamente assim na forma, o que fica é que deve ter sido algo muito próximo na substância. E a substância a que me refiro nada tem que ver com simples ignorância, porque essa resolve-se. O problema grave que está subjacente a este episódio reside no enorme afastamento que existe hoje entre as populações urbanas e a realidade agrícola do país. Afastamento esse que é directamente proporcional à distância que existe entre a realidade agrícola actual no nosso país e a realidade de há 20 anos atrás.

Muitas das discussões que hoje em dia são tidas sobre temas ligados ao sector agrícola, resultam de análises feitas no conforto dos gabinetes, com ar condicionado e garrafas de água sempre à mão. Pena não o serem no conforto dos mais modernos tractores que têm cabines com idênticas condições, com a simples diferença de que estão em contacto directo com a terra.

O estudo que a ANIPLA realizou, em conjunto com 27 (!) entidades representantes dos agricultores que desenvolvem a sua actividade em 5 fileiras-chave do nosso país (vinho, tomate de indústria, azeite, milho e pera) a propósito do risco eminente de retirada de 112 substâncias activas e respectivos produtos fitofarmacêuticos, permitiu concluir que se os gabinetes dos nossos representantes políticos se mantiverem apenas na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, mais de 810 milhões de Euros de rendimento agrícola nacional podem estar em risco! Este preocupante valor absoluto esconde a perda de quase 50% no rendimento da fileira do vinho, mais de 50% no azeite e de 80% no tomate de indústria!

Sabendo que o impacto económico será certamente muito maior já que se teria de apurar ainda impactos a outros níveis: a montante e a jusante das fileiras, bem como a nível social, ao nível do desemprego, fixação de comunidades e desenvolvimento dos meios não urbanos e, a nível ambiental, consequência do abandono de terras agrícolas, as quais se tornarão baldios ou floresta, certamente desordenada e pouco rentável, altamente sujeita a incêndios.

Num momento em que tanto ruído se tem criado em torno do glifosato (substância que não foi alvo deste estudo de impacto por não estar listada como sujeita a risco de exclusão pela UE!), numa campanha evidente de desinformação – por ignorância, quero acreditar – que gera desnecessário alarme social, é mais importante do que nunca que os decisores políticos do nosso país saiam dos seus gabinetes e calcem as botas para ir acompanhar, sem câmaras a recolher imagens, como se trabalha hoje na moderna agricultura nacional.

Se o fizerem ficarão a saber, com conhecimento real, que nunca como hoje foi tão seguro consumir produtos agrícolas produzidos na Europa. Se o fizerem ficarão mais capazes para decidir.

Se optarem por continuar a alimentar discussões apenas com base em visões políticas e braços de ferro para demarcar terreno, poderão estar a contribuir para o aumento das importações de produtos agrícolas produzidos noutras paragens sem o rigor fitossanitário que a Europa nos garante. Uma situação indesejável num momento em que decorre mais uma edição da Feira Nacional da Agricultura, onde, com atenção, se pode aprender o que envolve de facto a produção de um bom Pata Negra.

Director Executivo da ANIPLA – Associação Nacional da Indústria para a Protecção das Plantas

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