terça-feira, 29 de agosto de 2017

Há vindima na cidade. Lisboa quer produzir o melhor vinho do mundo


Corvos de Lisboa é o nome do vinho que nasce em plena capital, ao lado do aeroporto. Foram apanhadas 15 toneladas de uvas

Enquanto milhares de pessoas vão chegando e partindo de Lisboa, ali tão perto do aeroporto cerca de 20 madrugaram para uma vindima em plena capital. Alheios ao barulho de uma Segunda Circular movimentada, mesmo numa manhã de agosto, e dos aviões que vão aterrando e levantando voo, todos mantêm um ritmo e uma destreza de quem sabe bem o que faz. São dois hectares de vinhas e tentar acabar num só dia é o objetivo. Num local onde não há muito tempo dominava a sujidade, agora poderá ser a fonte de um vinho de qualidade e há quem acredite mesmo com potencial para ser o "melhor do mundo".

Vinhas em plena capital pode ter causado alguma estranheza inicialmente, mas diz quem sabe que "as uvas estão muito bonitas". "As uvas estão boas. Vai ser um bom vinho. Devíamos provar", brinca Joaquim Ferreira. Diz ser um homem do campo que considera "gira" a ideia de fazer as vindimas numa cidade. No entanto, as preocupações e responsabilidades são as mesmas. Era carpinteiro, mas a falta de trabalho levou-o à Casa Santos Lima há três anos. Desde então que se dedica a esta atividade e com gosto. "Faz-se bem, mas quando está calor custa um bocadinho", admite ao DN. O ritmo é elevado e pausas, só para comer. Não o preocupa as horas de trabalho e mostra-se bem-disposto quando diz que, se começar a faltar luz, pode ser que a que chega do aeroporto ajude a acabar o trabalho. Olha para as uvas e considera que sim, que se pode estar perante mais um vinho com qualidade a nível mundial: "Pelo menos tem boas uvas para isso."

Às 06.30 estes 20 trabalhadores saíram de Merceana, Alenquer, rumo a Lisboa, e começaram o trabalho por volta das 08.00. Nos dois hectares estão plantadas três castas: Arinto, Tinta Roriz e Touriga Nacional. Vinho tinto, branco e, "se a qualidade se justificar, mais cedo ou mais tarde, um reserva". É satisfeito por ver as suas expectativas superadas que José Luís Santos Lima Oliveira da Silva, administrado da Casa Santos Lima, assiste à primeira vindima neste terreno em plena Lisboa. A tendência é que nos próximos anos a qualidade seja ainda melhor, mas o administrador da Casa Santos Lima garantiu que "neste ano já vai ser muito bom", apesar da seca que se atravessa.


A vinha nasceu por um desafio lançado pela Câmara Municipal de Lisboa e, sendo a primeira vindima, o vereador José Sá Fernandes não faltou ao momento e até aproveitou para mostrar como também sabe como é apanhar as uvas. Foi ele quem lançou a ideia de "melhor vinho do mundo" que deixou Oliveira da Silva a sorrir. "A Casa Santos Lima tem produzido vinhos de qualidade, a bons preços e coloca--os no topo dos ranking s internacionais. Esperamos que este vinho venha a ajudar a reforçar essa posição", salientou. Se o vinho de Lisboa, neste caso mesmo da cidade e não apenas da região, estiver entre os melhores, então "será uma boa recompensa pelo trabalho feito", segundo o responsável.

Enquanto Sá Fernandes apanha descontraído as uvas, é concentradas no trabalho que Maria Adelaide (56 anos) e Elena Munteanu (32) vão cumprindo a função. "Estar na cidade é diferente. Nós somos lá do campo. Mas acho que o vinho pode ser bom. As uvas são bonitas", realçou Maria Adelaide, que já apanha uvas desde os 12 anos. Confessa não beber vinho, mas tal não lhe retira o gosto pelo que faz. Já Elena, mais tímida, veio da Roménia para Portugal há 13 anos e nos últimos três dedica-se às vindimas. "Gosto de trabalhar ao ar livre", diz, enquanto elogia as uvas: "Estão bonitas."

Aqui e ali veem-se alguns cachos menos bonitos. A culpa é dos pardais, que não se fazem rogados a uma uva de qualidade. Porém, há muitas para apanhar e poderão ultrapassar as 15 toneladas. "É absolutamente extraordinário apanhar um cacho de uvas em Lisboa", frisou Sá Fernandes. "É o aproveitamento de um terreno que não tinha aproveitamento nenhum", acrescentou. Esta vinha acaba por ser a recuperação de uma tradição que se foi perdendo com a expansão urbana na capital. Para o vereador da CML, "não faz sentido nenhum" não existir uma vinha em Lisboa.

Mais do que produzir vinho, este projeto tem também o seu lado pedagógico. "Crianças e idosos têm a oportunidade de aprender a poda", ainda que neste ano tenha acabado por não se realizar na melhor altura, neste aspeto. Ali se realizam visitas e será mais uma forma de promover a região, que Sá Fernandes não quer que se concentre em Lisboa, mas que também se estenda a Alenquer, Cadaval e não só.

As condições do terreno, "que retém a humidade", dispensa "a rega gota a gota", como explicou Oliveira da Silva, e a exposição solar são dois fatores que potenciam este vinho lisboeta. E não há aviões, carros ou poluição que perturbem. Para Sá Fernandes, não restam dúvidas de que, estando perante "as melhores castas" e as condições da vinha - usando uma expressão mais popular -, "sai uma pomada de primeira categoria". E esta pode ser apenas a primeira, pois Sá Fernandes não afasta a possibilidade de surgirem mais vinhas na cidade.

Atualmente, já milhões de garrafas têm no rótulo a cidade de Lisboa, mas a partir de 2018, quando se vir o nome Corvos de Lisboa, será um vinho que nasceu mesmo em plena capital.

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