sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Xavier Viegas admite: fogos de dia 15 podem ter sido causados por linhas elétricas


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"Eu não sei que reflexão houve, que apuramento de dados há para que sejam tomadas decisões tão profundas sobre esta matéria"

Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, tem estado sob fogo cerrado da EDP, que rejeita as conclusões do relatório sobre os incêndios de Pedrógão - a equipa da Universidade de Coimbra concluiu que os dois principais focos de incêndio, em junho, foram provocados pelo contacto entre linhas de média tensão e árvores que não deviam estar próximas dessas linhas. Agora, em entrevista ao DN e à TSF, Xavier Viegas admite que "no dia 15, com o vendaval que tivemos, pode ter acontecido isso mesmo" em diferentes pontos do país. Este especialista diz compreender que "não é fácil manter estes não sei se centenas se milhares de quilómetros de linhas elétricas por todo o país", mas afirma que devia haver um maior investimento, por parte da EDP, na limpeza e no cuidado das zonas de floresta atravessadas por essas linhas elétricas: "Receio que não tenha sido feito o investimento necessário."

Numa conversa que decorreu no laboratório de aerodinâmica do departamento de engenharia mecânica da Universidade de Coimbra, este académico com mais de 30 anos de experiência no estudo de prevenção e combate aos fogos florestais diz temer agora uma velha característica do poder político - o impulso de legislar sob pressão. Em dia de Conselho de Ministros dedicado à floresta e ao combate aos incêndios florestais, Xavier Viegas confessa um receio. Teme que o executivo não tenha tido tempo suficiente para estudar os diversos relatórios e que esteja a mergulhar pouco preparado em temas sensíveis. É por isso que deixa um alerta: "Fala-se agora em criar um novo sistema. A minha preocupação e o meu apelo aos responsáveis é que tenham cuidado. Que, ao fazerem a reforma, não deitem fora aquilo que é bom, aquilo que é válido e saudável no sistema - naturalmente tem de haver aperfeiçoamentos -, mas que não se vá atrás de ideias originais que possam surgir agora e que até poderão ser oportunistas. Eu tenho muito receio de que haja alguma precipitação." Xavier Viegas clarifica: "O anúncio de que no Conselho de Ministros deste sábado já vão ser tomadas decisões... Eu não sei que reflexão houve, que apuramento de dados há para que sejam tomadas decisões tão profundas sobre esta matéria num espaço de tempo tão curto."

Xavier Viegas recorda o trabalho de campo para o relatório sobre os incêndios de Pedrógão e conta que o que viu apenas serviu para reforçar uma convicção, a de que estamos perante uma longa acumulação de erros e omissões do poder político. "É uma questão sistémica há dezenas de anos. Fui a todos os lugares onde houve perda de vidas. E o que encontrámos? Um país que está à margem do país que é imaginado em Lisboa. Estamos a uma pequena distância do mar e de vias principais e encontramos aldeias que não têm saneamento, casas que não têm água corrente. Como é que pessoas com rendimentos tão baixos e que vivem do que cultivam, como é que é possível esperar que estas pessoas façam o trabalho de limpar as florestas?" Foi esse país real que ardeu em junho e voltou a arder no domingo, deixando feridas profundas, um rasto de destruição de campos, casas e empresas, e uma lista de vítimas que ainda ontem aumentou - 44 mortos nos incêndios de dia 15 e outros 64 em Pedrógão. Este engenheiro mecânico não hesita na palavra. "Há aqui uma falha na governação do país, na distribuição relativa da riqueza. Nós queremos o nosso espaço rural e florestal cuidado. Queremos que tenha pessoas para não ser um matagal, mas temos de lhes dar condições. É um problema transversal a muitos governos."


Quanto às responsabilidades - operacionais e políticas -, Xavier Viegas considera que estão devidamente apontadas no seu relatório, apesar de não haver nomes. "É manifesto que houve falhas devidas a erros humanos, de pessoas que por falta de experiência ou de conhecimento terão tomado decisões menos apropriadas. Mas não vamos ao ponto de apontar nomes." E as demissões? Da ministra e dos comandos da proteção civil. Deveriam ter acontecido mais cedo? Xavier Viegas diz que não. "Achei mau todo este processo, porque demissões a meio de um processo quente, de uma guerra como lhe chamaram, podem causar ainda mais complicação. Esperaria que estas decisões fossem tomadas no final de todo o processo." Não foi o que aconteceu e o processo, mesmo já em final da época de incêndios, "veio criar algumas fragilidades ao sistema".

Com Arsénio Reis

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