sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Crescei e multiplicai-vos


Nove olivicultores de Trás-os-Montes juntaram-se na marca YEP para promover azeites genuinamente portugueses. Se a ideia crescer por outras regiões DOP, estaremos perante uma pequena revolução no mundo do azeite. Oxalá!

Edgardo Pacheco
05 de agosto de 2017 às 13:00

Comecemos a provocar. Alguém imagina a sua vida civilizada à mesa a provar, dia sim, dia sim senhor, o mesmo vinho, o mesmo peixe ou carne, o mesmo queijo, o mesmo enchido, um só vegetal, uma única variedade de fruta e um único tipo de pão? A resposta é um rotundo não e levará muita gente a interrogar-se sobre o estado de saúde de quem fez a pergunta, certo? Certo.

Agora vamos ao que nos interessa. Alguém imagina a sua vida civilizada à mesa a provar, dia sim, dia sim senhor, uma única marca de azeite? E mais em concreto. Alguém imagina ser possível, para uma salada de atum, para um peixe cozido, para uma carne assada, para um linguine de camarão, para uns legumes grelhados ou para uma mousse de chocolate usar sempre o mesmo azeite? O mesmo perfil de azeite? De uma única região e feito sempre com as mesmas variedades de azeitona? Ah, pois é, aqui a resposta já não é linear, certo? Certo. Se calhar, muita gente baixará a cabeça e assobiará para o lado. 

E aqui é que começa a grande contradição. Sim, sabemos todos que os vinhos se adequam em função daquilo que comemos, porque, lá está, a riqueza das nossas castas e a matriz das nossas regiões vitivinícolas força-nos a isso. Mas, caramba, o que fazemos nós com as nossas seis Denominações de Origem Protegida (DOP) de azeite? O que fazemos com as nossas dezenas de variedades de azeitona cultivadas em Portugal? Muito pouco. E, caros leitores, digo-vos uma coisa: nem fazem ideia do que perdem.

É evidente que tudo isto tem razões longínquas no tempo, mas as determinantes são estas: primeiro, as empresas que criam azeites DOP têm uma estrutura empresarial tão limitada que as impede de promover os seus azeites junto dos consumidores; segundo, o Estado não se interessa minimamente pelo assunto; e, terceiro, este estado de coisas - a falta de promoção dos azeites DOP - até calha bem aos dois embaladores nacionais que dominam cerca de 65% do mercado e aos investidores que plantaram dezenas de milhares de hectares de olival no Alentejo com variedades estrangeiras.

Ora, quando neste cenário nove olivicultores decidem juntar-se para, debaixo de uma única marca, promover seis azeites transmontanos de grande categoria, isso, caros leitores, é razão suficiente para acreditarmos que, provavelmente, estamos a assistir a um virar de página na promoção e no conhecimento de azeites genuinamente portugueses - os azeites DOP. Temos orgulho na nossa Touriga Nacional, no Alvarinho, na Baga ou no Arinto? Pois vamos ter agora orgulho na Cobrançosa, na Verdeal ou da Madural. 

O agrupamento dos nove olivicultores chama-se YEP, uma sigla inglesa que resume Young Evoo Producers, sendo que Evoo é a designação inglesa para azeite virgem extra. Donde, os YEP são jovens produtores de azeite virgem extra, no caso transmontanos.

Os aventureiros são Francisco Mendonça e Moura e Bernardo Eiró pela marca 2 à Tua, Edgar Morais pelo azeite Caixeiro, os irmãos Francisco e António Pavão com Casa Santo Amaro, a mesma relação familiar de Conceição e António Manso na marca Casa de Valpereiro, Pilar Abreu e Lima pelo Magna Olea e Francisco Rocha Pires com o azeite Mont'Alverne.

Sabemos que os azeites transmontanos têm uma identidade vincada, perceptível pelos aromas e sabores marcadamente verdes, frescos, amargos e picantes. Mas o que é curioso neste sortido YEP é que, por via do conceito de micro terroir, estamos perante azeites diferenciados. Embora inseridos na categoria "verde médio", temos aqui algumas marcas que se apresentam com notas maduras e outras com aromas e sabores bastante mais verdes. Ou seja, há azeites adequados a uns peixes cozidos (Mont'Alverne e 2 à Tua), azeites indicados para saladas compostas (Caixeiro), azeites para peças de carne acabadas de sair do forno (Casa de Santo Amaro e Casa Valpereiro) e um azeite que faz um figuraço com chocolate, o Magna Olea. 

Como é evidente, esta é a minha interpretação dos azeites. Se o leitor leva a sério este universo, se aprecia a mais saudável das gorduras criadas pelo Homem, pode, da próxima vez que for às compras, substituir a tal marca que usa há anos por uma ou outra da selecção YEP e fazer as suas próprias experiências em casa. Se gostar, repete. Caso contrário, passa à frente. É como no vinho. 

Seja como for, em nome do seu bom gosto e do bom gosto dos amigos que frequentam a sua mesa, experimente, prove e comente novos azeites à mesa. Nessa matéria, a infidelidade educa-nos. E, se hoje falamos de azeites YEP transmontanos, é bem possível, e desejável, que daqui a um ano se fale de YEP do Alentejo, das Beiras ou do Ribatejo. Isso, sim, seria uma revolução e tanto. 

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