domingo, 2 de janeiro de 2011

Desflorestação da Amazónia caiu 60% em 5 anos

Desflorestação da Amazónia caiu 60% em 5 anos
A desflorestação da Amazónia diminuiu 60% nos últimos cinco anos,
revela em entrevista exclusiva ao Expresso o cientista brasileiro
Carlos Nobre, um dos pais da Teoria da Savanização da Amazónia. Ele
foi o primeiro a sugerir que o derrube da maior floresta tropical do
planeta poderá levar à sua transformação numa savana.
Virgílio Azevedo (entrevista) e Alberto Frias (fotos) (www.expresso.pt)
9:00 Sábado, 1 de Janeiro de 2011
Carlos Nobre: «As políticas públicas começaram a trazer o Estado de
Direito para o seio da floresta amazónica, que antes era terra de
ninguém»

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A desflorestação é a maior ameaça à Amazónia?
Nas últimas décadas, não há dúvida que o maior efeito perturbador do
equilíbrio natural dos sistemas amazónicos é a desflorestação para
substituição por pastagens e agricultura. Associado a esta mudança dos
usos da terra há também a degradação da floresta, quando esta começa a
perder biomassa devido à extração madeireira, que aumenta a sua
fragmentação.
E uma consequência secundária, mas muito séria, de todo este processo
é o aumento dos incêndios. A floresta tropical húmida, ao contrário da
floresta mediterrânica, não tem fogos naturais, que são um fenómeno
muito raro. Antes eram as descargas elétricas, os relâmpagos, mas hoje
não, é a proximidade da atividade humana que usa o fogo na limpeza e
preparação do terreno agrícola e na renovação dos pastos.
Estes têm sido os fatores de perturbação maiores, e continuarão a
sê-lo pelo menos nos próximos 20 a 30 anos. Passando este período e
até ao final do século, aí sim o aquecimento global passará a ser o
fator principal a afetar a floresta amazónica.
Números
5.500.000
de quilómetros quadrados é a área total coberta pela floresta
amazónica, o equivalente a dez vezes a área da Península Ibérica
Porquê?
Ninguém hoje aposta que vá haver uma ação concertada entre os países
do mundo para que a curva do aumento das emissões globais de gases de
efeito de estufa atinja o máximo nos próximos dez anos. Talvez nos
próximos 20 anos ou mesmo mais. Quando essa curva atingir o máximo, o
aquecimento relacionado ainda vai levar 25 anos para se manifestar,
porque o sistema climático não responde imediatamente aos gases com
efeito de estufa, é um sistema que tem uma inércia muito grande.
Portanto, a temperatura vai continuar a subir à taxa de quase 0,2
graus por década até 2040.
O aquecimento global, ao contrário da desflorestação, vai afetar todas
as áreas, mesmo as que estão longe da ação humana e da fronteira
agrícola. Cerca de 18% da Amazónia já foi desflorestada e talvez até
30% tenha sido alterada com a exploração madeireira. O número não é
pequeno mas não é toda a floresta. No Sudeste Asiático, perto de 65% a
70% da floresta tropical já foi alterada e por isso, a Amazónia ainda
é a região que contém a maior floresta contígua tropical do mundo. Se
os países tropicais conseguissem reduzir a desflorestação a zero, as
emissões globais de CO2 diminuíam apenas entre 10% a 15%.
É um valor importante.
É lógico que é importante. Mas continuam por resolver 85% a 90% das
emissões, o que significa que o fim da desflorestação não é a solução
definitiva para o aquecimento global. Aliás, como acabámos de ver
recentemente com o relativo sucesso da Convenção da Biodiversidade de
Nagóia, no Japão, organizada pela ONU, é muito mais importante para a
conservação da biodiversidade.

«18% da Amazónia já foi desflorestada e talvez até 30% tenha sido
alterada com a exploração madeireira»
"A nossa monitorização florestal é a melhor do mundo"
Hoje conseguimos saber qual é o peso relativo de cada um dos fatores
que afeta a floresta amazónica?
Começamos a saber. Já temos as primeiras quantificações dos limites do
aquecimento global a partir dos quais haveria uma catástrofe ambiental
com o desaparecimento de uma boa parte da floresta amazónica. O
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde trabalho,
começou a fazer há 22 anos a monitorização das alterações da vegetação
da Amazónia e nos últimos 16 anos temos anualmente um mapa da
desflorestação. É a melhor monitorização florestal que existe no
mundo, porque nem a Europa, os EUA ou o Canadá têm uma monitorização
anual das florestas. Agora estamos a estender esse processo a todos os
países amazónicos e a capacitar países africanos a fazerem o mesmo.
E hoje não monitorizamos por satélite apenas a desflorestação total,
mas também a degradação florestal e os incêndios. E estamos a
desenvolver um novo programa ainda mais complexo, que vai monitorizar
as mudanças nos usos da terra, como por exemplo uma região onde a
atividade dominante era a pecuária e passou a ser a produção de soja.
Números
9
países albergam esta floresta no seu território. A maior área vai para
o Brasil (60%), seguido do Peru (13%), Colômbia, Venezuela, Equador,
Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa
Isso significa que há dados suficientes para se tomarem decisões políticas?
A monitorização em si não resolve nada. Mas quando passámos da
monitorização anual para a quinzenal, esta informação tem sido muito
útil, porque permite aos órgãos de fiscalização ambiental impedir as
ilegalidades. Historicamente, 90% das áreas desflorestadas não segue a
legislação corrente no Brasil que exige a solicitação de autorizações
para desflorestar e queimar a floresta derrubada para criar áreas
agrícolas, onde tem de se explicar quais vão ser as zonas de proteção
biológica. E foi muito importante criar uma cultura de cumprimento da
lei.
E essa é uma das razões por que o Brasil está a conseguir diminuir
rapidamente as taxas de desflorestação. O satélite só deteta e
monitoriza, mas criou instrumentos que permitem a ação. É verdade que
ela ainda é muito deficitária, porque é muito caro e ineficiente
deslocar os fiscais e as forças policiais em milhares de quilómetros,
que são as distâncias amazónicas. E porque existe nos meios policiais
brasileiros muita corrupção.
Mas são os principais instrumentos?
Não, os principais elementos da diminuição da desflorestação são as
políticas públicas que começaram a trazer o Estado de Direito para o
seio da floresta. A Amazónia era terra de ninguém e nos últimos anos,
através de um trabalho bem elaborado pela ministra do Ambiente, Marina
Silva, o Brasil criou um programa nacional de controlo e de ano para
ano este programa está a obter cada vez mais sucesso.
Com a regularização fundiária e ações coordenadas da polícia federal
brasileira com o órgão de fiscalização ambiental, o IBAMA, já foram
presas mais de 500 pessoas e demitidos mais de 300 funcionários
públicos corruptos. Por isso mesmo, a desflorestação da Amazónia
diminuiu 60% nos últimos cinco anos.

«A monitorização da floresta em si não resolve nada, mas permite aos
órgãos de fiscalização ambiental impedir as ilegalidades»
"A savanização não é uma ameaça a curto prazo"
A savanização da Amazónia é uma ameaça a curto prazo?
A curto prazo acho que não, mas é um perigo a médio e longo prazo. O
Brasil e os países amazónicos em geral estão um pouco mais otimistas
agora devido ao sucesso da diminuição da desflorestação nos últimos
anos, embora não seja um sucesso total porque as taxas ainda são
altas. Mas o PIB do Brasil vai crescer 7% este ano e a desflorestação
continua baixa, o que significa que é uma tendência mais estrutural e
não conjuntural.
Números
14%
é a descida da desflorestação entre agosto de 2009 e julho de 2010 em
relação aos 12 meses anteriores. É o valor mais baixo dos últimos 22
anos: 6450 km2, uma área um pouco maior que o Algarve
A atual seca na Amazónia é preocupante?
A seca tem a ver com o aquecimento do Atlântico Norte. Mas o que está
a chamar a atenção dos cientistas é que, no curto intervalo de seis
anos (2005-2010), tivemos, em relação aos últimos 100 anos, a terceira
maior seca da Amazónia em 2005, a maior seca em 2010 e o ano mais
chuvoso em 2009.
Estes fenómenos extremos fazem parte da variabilidade natural do
clima, ou são uma consequência do aquecimento do Planeta?
Não podemos responder. Pode ser que o ano que vem volte ao normal, não
haja mais secas nem chuvas excessivas, e tudo passe a ficar muito
dentro do que estamos habituados a ver. Mas no período de seis anos
tivemos dois recordes absolutos de 100 anos, e fenómenos extremos
noutras regiões do Planeta: ondas de calor em 2003 e este ano na
Rússia, chuvas no Paquistão e na China. É lógico que é um período
muito curto para alguém fazer uma generalização, mas essa hipótese
científica não pode ser descartada.
Números
90%
das áreas florestadas não têm seguido, historicamente, a legislação
ambiental do Brasil
Há uma explicação causal próxima para a seca?
Há, porque o oceano Atlântico está mais aquecido ao norte do Equador,
e sabemos que isso provoca a seca em partes da Amazónia. Por isso
mesmo, o ano de 2010 teve alguns furacões fortes. O fenómeno climático
El Niño/La Niña também tem influência, mas há coisas que estão
diferentes, porque o El Niño está habitualmente associado a uma seca
na Amazónia, mas em 2009 este fenómeno ocorreu e foi o ano mais
chuvoso da Amazónia.
Ou seja, aqueles padrões que estudámos na década de 70, 80, 90 do
século passado já não se repetem da mesma forma, parece haver um
elemento caótico no sistema climático que agora é maior. Mas
precisamos de esperar por um período mais alargado do que seis anos
para tirarmos conclusões. Só é possível falar em alterações climáticas
nesta região quando elas atingem um padrão de mudança que possamos
afirmar com mais segurança que não é parte de uma oscilação natural.

«A atual seca na Amazónia, a maior de sempre em 100 anos, tem a ver
com o aquecimento do Atlântico Norte»
"A desflorestação representa apenas 15% das emissões globais de CO2"
Nas negociações climáticas da ONU em dezembro na Cimeira de Cancún, no
México, houve avanços no Programa REDD+ (que define incentivos
financeiros e de mercado para reduzir as emissões de CO2 provenientes
da desflorestação e da degradação florestal). O REDD+ é importante
para a proteção da Amazónia?
Quando falamos de floresta estamos a falar apenas de 10% a 15% das
emissões globais de CO2. Mas se os países tropicais e, em especial, o
Brasil e a Indonésia - os dois maiores responsáveis pela
desflorestação - derem a sua contribuição para a redução das emissões,
ganham uma credibilidade enorme e passam a ser um exemplo para o
mundo, porque os EUA e a China não entram em acordo para diminuir as
emissões.
O REDD+ foi discutido durante anos e bastante testado em pequenos
projetos-piloto em toda a África, Sudeste Asiático e América Latina.
Por outro lado, o Brasil demonstrou na prática que é possível reduzir
a desflorestação. Ou seja, não existe nada que impeça a aplicação
deste programa, que é muito importante para os países pobres do
Sudeste Asiático e de África, para os vizinhos amazónicos do Brasil e
para combater a pobreza crónica que existe em muitas áreas da Amazónia
brasileira.
Números
500
pessoas já foram presas na Amazónia brasileira e mais de 300
funcionários públicos corruptos foram demitidos devido à fiscalização
ambiental e à regularização fundiária
É um bom programa, mas seria um equívoco imaginar que é a solução para
os países tropicais. O REDD+ não dá uma perspetiva de redução
permanente da desflorestação, pode funcionar como um importante efeito
paliativo num momento crítico em que precisamos de reduzir as emissões
de CO2, mas para se tornar um mecanismo de desenvolvimento com
sustentabilidade tem de ser muito aperfeiçoado, porque não substitui
atividades económicas.
O grande problema das florestas tropicais é que só há atividades
económicas sustentáveis através da desflorestação. E o REDD+ não cria
uma nova economia verde, uma economia de base florestal
anti-desflorestação, cria apenas um valor económico para o carbono
mantido na árvore, isto é, que não é libertado para a atmosfera. Mas
se os países que conseguirem benefícios do REDD+ não encontrarem
fórmulas duráveis de desenvolvimento com a floresta em pé, este
programa vai diminuir hoje as emissões mas elas acontecerão de novo no
futuro. Nesse sentido, é uma solução temporária.

«O acordo internacional sobre biodiversidade conseguido na cimeira da
ONU em Nagoya foi mais simbólico do que prático»
A recente Cimeira de Nagoya (Japão) sobre biodiversidade (outubro de
2010) chegou a um acordo de repartição dos benefícios dos ecossistemas
(dos bens e serviços que eles prestam) entre países ricos e países
pobres. É um acordo histórico?
É um resultado mais simbólico do que prático. Temos um exemplo muito
interessante na Amazónia brasileira. Num ritual dos índios do oeste da
Amazónia, no Estado do Acre, junto à fronteira com o Peru, eles fazem
uma espécie de sapo entrar em stresse de modo a deitar uma secreção da
pele que é ingerida como bebida e provoca uma reação fisiológica muito
forte durante umas 48 horas.
Alguém no Rio de Janeiro descobriu esse ritual e ingerir essa bebida
energética tornou-se uma espécie de moda dos aficionados das academias
de ginástica. Havia pessoas que capturavam esse sapo, recolhiam a
secreção, e levavam para vender no Rio de Janeiro e em São Paulo. A
portuguesa Manuela Carneiro da Cunha, uma das mais famosas
antropólogas do Brasil, estudou este fenómeno e contou-me das
dificuldades em criar um mecanismo em que essas academias de ginástica
pagassem às populações indígenas pelo uso do conhecimento dos
indígenas. Os comerciantes não queriam pagar nada porque argumentavam
que eram eles que estavam a extrair a secreção do sapo, não os
indígenas.
Não vai ser fácil repartir benefícios...
Há uma dificuldade conceptual de repartição de benefícios do
conhecimento, e só na hora de aplicar essa repartição iremos ver se a
Convenção da Biodiversidade vai ter efeitos ou não. Os detentores do
conhecimento têm de ser beneficiados porque são eles que mantêm o
ambiente onde o sapo existe, são eles os guardiões da floresta. Claro
que a Convenção de Nagoya ajuda muito o Brasil a cumprir as suas
metas. Há uma lei de 29 de dezembro de 2009 que fixa a meta de redução
da desflorestação da Amazónia em 80% até 2020. Ela está a ser cumprida
e o objetivo é mesmo antecipá-la para 2017.

O PAI DA TEORIA DA SAVANIZAÇÃO
Carlos Nobre é considerado um dos maiores especialistas mundiais em
alterações climáticas e há cerca de 20 anos foi o primeiro cientista
do mundo a formular a hipótese da transformação da Amazónia numa
savana, devido ao derrube continuado da maior floresta tropical do
Planeta.
A teoria da savanização da Amazónia foi proposta em 1991 no "Journal
of Climate", num artigo assinado por Carlos Nobre e pelos seus colegas
na Universidade de Maryland (EUA) Piers Sellers e Jagadish Shukla. Os
três académicos tinham feito antes um estudo sobre o mesmo tema nesta
universidade, publicado na revista "Science" em 1990.
Nos últimos dez anos, estudos feitos por outros cientistas
demonstraram que o aquecimento global também poderia causar a
savanização da floresta amazónica. Este é, aliás, um dos objetivos
atuais do trabalho de investigação de Carlos Nobre: estudar de que
maneira o aquecimento da Terra pode influenciar a floresta tropical.
Um dos autores do relatório do IPCC
O investigador brasileiro foi um dos autores do Quarto Relatório de
Avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
(IPCC) da ONU, publicado em 2007. O IPCC ganhou com Al Gore o Prémio
Nobel da Paz desse ano precisamente por causa do relatório.
Doutorado em meteorologia pelo MIT, Nobre foi premiado com a Medalha
Von Humboldt pela União Geofísica Europeia e condecorado pelo
Presidente Lula da Silva. Tem mais de 120 artigos publicados em
jornais e revistas científicas e é revisor da "Science" e da "Nature",
entre outras publicações de prestígio mundial.
É pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), em São José dos Campos (São Paulo), no Brasil, e chefe do
Centro de Ciência do Sistema Terrestre do mesmo instituto. É também
presidente do Conselho Diretor do Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas e do comité científico do International Geosphere-Biosphere
Programme (IGBP).
Alterações climáticas: liderar rede mundial de cientistas
O IGBP é um programa de investigação que estuda as alterações
climáticas e as interações entre os processos biológicos, químicos e
físicos, e os sistemas humanos. Está baseado numa rede mundial de
cientistas, sendo a sua coordenação feita por um secretariado na Real
Academia das Ciências Sueca.
Em Portugal há um comité nacional presidido por Nelson Lourenço,
reitor da Universidade Atlântica (Barcarena, Oeiras), que recentemente
organizou uma conferência sobre "Mudança Global na Península Ibérica"
em Lisboa, com a participação de investigadores portugueses e
espanhóis.
A influência desta rede científica mundial no Painel
Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU é
significativa: na elaboração do último relatório (2007), participaram
80 membros do IGBP.
"No IGBP temos uma visão integrada e estamos hoje virados para uma
nova área da ciência, a ciência para a sustentabilidade, que liga o
meio natural com o meio humano, que entende a Terra como um grande
organismo biótico, abiótico e sócio-económico-cultural. E este
organismo está a passar por um processo evolutivo em que o Homem não
se separa mais da Natureza", explica Carlos Nobre.
http://aeiou.expresso.pt/desflorestacao-da-amazonia-caiu-60-em-5-anos=f623349

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