segunda-feira, 2 de abril de 2012

“Estamos a comercializar muito as chegas de bois!”

Nuno Sousa é o novo rosto da Associação Nacional de Criadores de Gado
de Raça Barrosã. O longo consulado de Domingos Pereira terminou com a
entrada deste jovem barrosão, natural da aldeia de Pereira, freguesia
de Salto, concelho de Montalegre. O agora presidente promete
revitalizar a associação que estava moribunda em atividade. As ideias
já estão terreno e os apoios também com especial enfoque no contributo
da Câmara Municipal de Montalegre.

Nuno Sousa
Como surge como presidente da Associação Nacional de Gado da Raça Barrosã?
Resulta de um convite. A associação, de há uns anos a esta parte, tem
estado parada. Existia mas não funcionava, não tinha funcionários, não
desempenhava nenhuma tarefa. A ideia surge para dinamizar a associação
e tentar fazer alguma coisa com a raça barrosã, em colaboração com a
AMIBA (Associação de Criadores de Bovinos de Raça Barrosã), que é a
que tem o livro genológico da raça. Decidimos, falamos com a anterior
direção e novos elementos, jovens criadores de gado barrosão, e com a
parceria da AMIBA e o Dr. José Leite, o secretário técnico da raça
barrosã, tentámos fazer alguma coisa da associação, dinamizá-la, pô-la
a trabalhar.

Como é constituída a equipa que lidera?
Inicialmente, tendo em conta que a Associação Nacional de Criadores de
Gado da Raça Barrosã tinha sede em Salto e, normalmente, os sócios
pertenciam à zona de Salto, onde existe o solar da raça, a associação
e a maioria dos órgãos gerais eram da freguesia de Salto. Havia um ou
outro elemento fora, mas pouca gente. Depois de tomar posse, decidimos
colocar nos órgãos pessoas do concelho todo. Como a nossa função,
nesta altura, tem mais a ver com sanidade e a maioria dos nossos
sócios já não são de Salto, decidimos inserir nos órgãos sociais
pessoas de todo o lado. Fizemos uma eleição recentemente para fazer
essa alteração.
O que já foi feito?
Em termos sanitários, já fizemos a sanidade. Já temos, nesta altura, a
trabalhar na associação sete pessoas, a maioria deles já eram
funcionários da cooperativa. Temos dois elementos novos, portanto
criámos emprego. Temos tido várias reuniões com as federações a nível
nacional para vermos que tipo de projetos podemos fazer ou que tipos
de apoios é que nos conseguem dar para desenvolvermos atividades e,
desta forma, desenvolvermos o concelho em termos de agricultura.
Qual é a opinião das pessoas?
O feedback foi muito bom porque Montalegre é um concelho que tem
muitos produtores e agricultura. É um concelho apetecível para as
confederações, porque ganham projeção estando representadas no
concelho de Montalegre. Elas, nomeadamente a CONFAGRI (Confederação
Nacional das Cooperativas Agrícolas de Portugal), com a qual chegamos
a acordo recentemente, propuseram-nos uma série de projetos, quer em
termos de formação, quer no âmbito do PRODER (Programa de
Desenvolvimento Rural), para desenvolvermos aqui e, dessa forma,
arranjarmos alguns apoios para conseguir sustentar os encargos.
Como fazem para pagar aos técnicos?
A sanidade financia-nos parte dos técnicos porque, dos sete que temos,
quatro trabalham todos os dias na sanidade e esses vencimentos são
pagos com dinheiros da sanidade. Depois temos um projeto de formação,
iniciamos um curso de bovinicultura, no qual também conseguimos alguns
apoios, quer em termos de formadores, quer em termos de coordenação
para pagar aos técnicos da associação. Também temos um projeto de
agrogestão, que nos consegue financiar um técnico, que visa dar apoio
à exploração agrícola em termos de contabilidade e gestão. Temos meia
dúzia de explorações, às quais vamos periodicamente, fornecemos um
programa de informática de contabilidade e gestão da exploração e
damos formação ao agricultor para ele conseguir fazer uma melhor
gestão da sua propriedade.
O que pretendem?
A nossa ideia é criar um serviço e servir os agricultores da melhor
maneira para o concelho ganhar com isso. Sabemos que, no nosso
concelho, a agricultura é o sustento. Não há volta a dar, não vale a
pena inventar. Somos um concelho agrícola, temos ótimas condições para
criar gado, temos que apostar no que temos de melhor e apoiar a
agricultura. Gostava de agradecer à autarquia o apoio que está a dar
aos agricultores. Todo ele é bem-vindo porque, nesta altura de crise,
todo o dinheiro que é dado ao agricultor é bem recebido. Temos que
apostar naquilo que temos de bom. A agricultura e a nossa paisagem
devem muito aos agricultores. São eles que conseguem conservar os
montes, os campos cultivados, tudo aquilo que vemos ao redor.
A OPP (Organização de Produtores Pecuários) já não existe no concelho
de Montalegre. Ao invés, há três associações que trabalham em
separado. Porque não existe consenso?
Por mim estou disposto a abdicar do meu cargo de presidente para
resolver essa situação. O nosso concelho, em termos pecuários, é dos
maiores do país. No entanto, chegamos a um ponto em que estamos
dependentes de outros concelhos vizinhos, com muito menos gado que
nós, e que nesta altura mandam na sanidade de Montalegre, quer a gente
queira, quer não. Podemos estar no terreno e dizer que fazemos a
sanidade, mas quem manda são as OPP de Vieira do Minho, Cabeceiras de
Basto e Valpaços.
Como é a vossa realidade?
Quem faz a sanidade, em termos práticos, somos nós. Em termos
teóricos, os papéis, o plano sanitário… é tudo a OPP de Vieira do
Minho. Chegámos a um acordo no qual eles nos facilitam essa situação,
de nos permitir fazer a sanidade com a nossa equipa, mas sob a
responsabilidade deles. No nosso caso é Vieira do Minho, nos outros
casos é Cabeceiras, Valpaços…
Esta situação faz sentido?
Não faz sentido. Contudo, ter uma organização em Montalegre não é
fácil. Tentámos com a Cooperativa Agrícola. Na altura tinha ainda a
patente da sanidade e esbarrou porque não houve desenvolvimento
daquilo que propusemos. Os agricultores devem ter orgulho naquilo que
são e têm. O que eu acho é que nós, como maior concelho em termos de
pecuária da zona, não faz sentido estarmos dependentes de outros.
Em que aspetos o concelho de Montalegre sai prejudicado?
Há reuniões, em termos das OPP a nível nacional, onde não somos
representados. Dá uma fraca imagem do concelho. Quando há reuniões a
nível nacional vai a OPP de Vieira do Minho e as outras… e Montalegre
não tem lá nada! Isso é mau mesmo para defender os próprios interesses
dos nossos agricultores. Quando vão às reuniões da sanidade vão
defender a realidade deles, não a nossa. Eles conhecem a realidade
deles.
Em que é que a nossa realidade é diferente?
A nossa realidade é totalmente diferente da realidade de Vieira do
Minho porque a nossa região possui características totalmente
distintas. De momento não estou a ver nada que possa dizer que nos
possa vir a prejudicar nestas reuniões, mas a verdade é que é nessas
reuniões que surgem as dúvidas. No fundo, é com os temas que lá são
apresentados que conseguimos ver se o que está a ser decidido é bom ou
não para o nosso concelho. Nessas reuniões são decididas as questões
em termos de sanidade e há certas situações que podem ser até
adaptáveis à região de Vieira do Minho e não à nossa.
Quantos sócios tem a associação?
Temos à volta de 600 explorações. É um número que tem vindo a aumentar
no último ano. Nos últimos tempos existiu o caso da Cooperativa, que
tendo em conta a situação de ter perdido a OPP e passado para a Mútua,
houve muitos agricultores que deixaram de se identificar com a
Cooperativa. Repartiram-se entre a ATBAT (Associação de Agricultores
Terras de Barroso e Alto Tâmega) e a nossa associação. Em termos de
números aumentaram cerca de 100 explorações para cada lado. Nós talvez
tenhamos a maioria. Se não temos andamos lá perto.
Como é gerido o vosso dinheiro?
Temos um orçamento que é financiado pela sanidade, pela formação e
alguns projetos. Tendo em conta a situação do país e a dificuldade das
pessoas, tentamos viver, em termos de finanças, levando o menos
possível ao agricultor. Tentamos sempre conseguir outras fontes de
financiamento. É a melhor solução para a associação e para o
agricultor.
Os vossos preços são iguais aos praticados pelas outras associações?
Os preços, em termos de sanidade, são os preços que a Câmara Municipal
de Montalegre financia. Noutro tipo de serviços, normalmente, andamos
com os preços mais ou menos como os outros. Quer queiramos quer não,
existe concorrência. Isso por um lado é bom no sentido de também
ajudar o agricultor, que tem escolha, [mas] os valores são reduzidos.
"O aumento do subsídio à cabeça era uma das situações que levaria ao
aumento da produção"
Quantos bois de raça barrosã tem o concelho de Montalegre?
Em relação ao número de bois parece-me que não há assim tão poucos.
Com disponibilidade para virem a eventos, como é o caso do Campeonato
de Chegas de Bois, é que não há muitos. Uns porque não gostam, outros
porque não querem que o boi tenha problemas, outros porque têm medo do
boi vir e depois lhe acontecer alguma coisa… há muitos motivos.
Sinceramente o número exato não sei. Mas é capaz de andar para cima
dos 30 animais.
Como é que se pode inverter esta tendência?
Os produtores têm diminuído, mas o número efetivo tem-se mantido. Uma
das coisas que faz com que a raça se mantenha, para além das pessoas
gostarem, é um subsídio que existe das agroambientais. Nesta altura
não há candidaturas novas e daí não ajudar nada ao desenvolvimento das
raças. Uma solução seria a abertura dessas candidaturas, outra seria o
aumento do valor desse subsídio por animal. Os produtores estão a
receber por volta de 90 euros por cada um. É uma questão a associação
poderá vir a debater e ver que tipo de mecanismos pode criar para
contribuir para o aumento do número efetivo.
Não lhe parece que receber 90 euros é inconcebível?
Por aquilo que eu sei, a medida vai continuar no próximo quadro
comunitário. Os valores são muito reduzidos. De facto 90 euros não é
significativo. No entanto, para o desenvolvimento da raça, o preço por
quilo ao produtor é, a nível nacional, dos mais bem pagos. Porém,
parece-me que não espelha a diferença de qualidade entre a raça
barrosã e as restantes. A raça barrosã tem, e está mais do que
comprovada, uma qualidade muito boa. O aumento do subsídio à cabeça
era uma das situações que levaria ao aumento da produção. Estou
recetivo a falar com eles, em termos regionais. Em termos de concelho
também poderíamos ver se haveria alguma possibilidade.
A verdade é que, independentemente dos concursos pecuários em Ferral,
Salto, Venda Nova e Montalegre, os primeiros prémios vão todos para o
Minho. Acredita que esta realidade é irreversível?
Temos de ver a diferença entre um produtor do Minho e um produtor de
Montalegre. Nós aqui temos um efetivo médio de 15 animais por
exploração e esse não pode dar a atenção, nem ter os custos com
animal, como fazem os produtores que têm duas ou três vacas. Há quem
viva todo ano para um concurso e que trata o animal como se fosse a
melhor coisa do mundo. Os nossos produtores estão mais virados para a
produção e não para os concursos.
As chegas de bois estão em crise. Cada vez menos gente assiste e os
jovens estão divorciados desta tradição. Como observa estes dados?
Eu gosto muito de ver uma chega de bois. Uma boa chega, para mim, é um
bom momento. De facto, acho que estamos a comercializar muito as
chegas de bois. Antigamente não envolvia estes valores em termos de
prémios e era mais um orgulho para o agricultor ter um boi vencedor.
Também é uma realidade que um boi custa muito dinheiro e manter um
bom, durante um ano, para fazer meia dúzia de chegas, não é fácil para
o produtor. No entanto, acho que é quase como o futebol. Estamos a dar
muita importância à parte dos prémios. Eu não estou muito dentro da
organização das chegas, mas muitas vezes não jogam "limpo"… é o que
tenho ouvido dizer! Daí às vezes as pessoas retirarem os bois do
concurso. Acho mal perdermos essa tradição porque é uma coisa bonita
que qualquer barrosão gosta de ver. Há que apostar ao incentivo nesse
tipo de eventos. A Câmara acho que já o faz e é preciso tentar ver
outro tipo de mecanismo para conseguirmos ter isso e aumentar
relativamente ao campeonato e, eventualmente, fazer outros campeonatos
sem ser gado barrosão.
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