domingo, 18 de agosto de 2013

O consenso e o lince de Milfontes

Um exemplo do que deveria ser rapidamente consensualizado é o que
fazer quanto à orgânica das pastas da Agricultura e Florestas,
Ambiente e Energia. Devem estar separadas, sim ou não?

A famigerada (mas bem-intencionada) tentativa de consenso entre os
principais actores políticos levanta a questão da necessidade
imperiosa de acordos sectoriais, prolongados no tempo, estendendo-se
por várias legislaturas, de modo que o país deixe de se autoconsumir
com consecutivas reformas e contra-reformas, criando um clima de
instabilidade que é avesso ao investimento.

A estabilidade que faz falta, entenda-se, nada tem a ver com a
perpetuação de pessoas ou partidos no poder, mas no seguimento por
muito tempo de estruturas, quadros legislativos, estratégias
nacionais, que estão naturalmente acima dos interesses pessoais ou
partidários.

Veja-se o exemplo da Itália, que desde o pós-guerra teve dezenas de
governos, muitos a durarem meses, mas que manteve sempre intocáveis as
estruturas do Estado, ou seja, o governo até podia cair, mas na
direcção-geral ninguém tocava, situação que criou um clima de
segurança económica que permitiu aos italianos chegarem a oitava
potência industrial do mundo.

E é isto que faz falta em Portugal, faz falta que de uma vez por todas
se definam áreas em que todos estejamos de acordo, como a justiça, a
educação, a fiscalidade, as estruturas do Estado. Veja- -se a (má)
lição que cada governo dá sempre que entra, alterando o que o anterior
tentou construir, tentando sempre dar o seu cunho próprio, alterando
orgânicas, fazendo voar institutos entre os ministérios, criando um
clima de instabilidade que só desajuda.

Ora um exemplo do que deveria ser rapidamente consensualizado é o que
fazer quanto à orgânica das pastas da Agricultura e Florestas,
Ambiente e Energia. Devem estar separadas, sim ou não?

Há argumentos válidos para todos os lados, há quem considere que sendo
a Agricultura uma área de futuro e sendo o Ambiente muitas vezes um
entrave a uma cultura de desenvolvimento, tendo as duas pastas
concentradas quem decide faz melhor o equilíbrio entre os legítimos
interesses de produzir mais e os também legítimos interesses de
preservar o meio ambiente.

Há também quem considere que o Ambiente é em si o nosso futuro, o que
significa que não só tem de haver uma preocupação crescente com o meio
ambiente como este vai ser mesmo o negócio do futuro, justificando a
sua junção à Energia.

E há ainda quem considere que o Ambiente é uma área transversal a
todas as outras, devendo por isso existir nos vários sectores de
actividade, não devendo assim ser um ministério.

Todas as visões são sérias e válidas, existem pessoas inteligentes a
defender com argumentos sólidos todas as versões apresentadas, mas é
óbvio que de uma vez por todas o país tem de deixar de assistir a
tantas mudanças, com as pastas a juntarem-se e a separarem-se tantas
vezes, escolhendo de uma vez por todas um modelo.

Veja-se o que aconteceu nesta legislatura, com o Ambiente a juntar-se
à Agricultura, o que levou a que o Instituto de Conservação da
Natureza e Biodiversidade (que pertencia ao Ambiente) se fundisse com
a Autoridade Florestal Nacional (que pertencia à Agricultura), sendo
assim criado o ICNF. Ora com esta presente remodelação tudo mudou,
dois anos depois de este governo entrar em funções a Agricultura e o
Ambiente foram de novo separados, sobejando o ICNF que responde agora
perante? duas secretarias de Estado, que pertencem a dois ministérios
distintos. Isto tem lógica, faz sentido? Alguém pensou nisto?

Bem sabemos que nas organizações existem muitas vezes estruturas
matriciais de reporting, que muitas vezes reportamos a uma pessoa por
um assunto e a outra por outro, mas convém que todos tenhamos também
claro quem é o nosso chefe, o que defendemos, para onde vamos, como
vamos. Passe o exagero, mas quando agora a ministra da Agricultura
mandar o ICNF plantar eucaliptos e o ministro do Ambiente os proibir,
o que vai o ICNF fazer? Planta os eucaliptos e arranja uma guerra com
o ministro do Ambiente? Proíbe a plantação e arranja uma outra guerra?
Assobia para o lado?

O curioso é que Agricultura e Ambiente, após décadas de posições
antagónicas, até estavam a dar os primeiros passos no sentido de uma
visão conjunta do que deve ser a produção respeitando os princípios
básicos da conservação do meio ambiente.

Veja-se o exemplo do lince-ibérico que, libertado a centenas de
quilómetros da nossa fronteira, veio encontrar o seu lar numa reserva
de caça junto a Vila Nova de Milfontes. Pois nem os ambientalistas
exigiram que a reserva acabasse nem os caçadores exigiram a captura do
lince, os caçadores caçam e o lince vive feliz e contente. Foi
possível uma visão conjunta do Ambiente (lince) com a Agricultura
(zona de caça), tudo sob a tutela do mesmo organismo, o tal ICNF.

Do exposto, as reformas são sempre bem-vindas, é preciso reformar o
que está mal, mas reformar o que está mal carece de um outro consenso,
consenso que esperamos que agora, com todos os holofotes virados para
cima destes políticos, aconteça finalmente.

Muitas vezes, para reformar mal ou reformar sem consenso é melhor
deixar tudo como está, pelo menos há estabilidade, e a estabilidade é
um valor em si mesmo, pois cria um contexto que ajuda a que acreditem
em nós, que somos um país seguro em que se pode confiar, onde vale a
pena investir, onde as regras não são mudadas a meio do jogo.

Este clima de reforma constante pode ajudar a ganhar votos, aliás foi
assim que o PRI - Partido Revolucionário Institucional se manteve no
poder durante 71 anos no México, de certa forma institucionalizando um
clima de revolução permanente, seja lá isso o que for, convencendo as
pessoas de que era possível reformar sem fim, como se uma reforma não
fosse um meio para atingir um fim, mas o fim em si mesmo.

Ora o nosso benchmark não deveria ser o México, deveríamos olhar para
outras latitudes onde os partidos se entendem no que é essencial,
podem discutir mas têm um quadro estável durante anos a fio, alterando
quando tiverem de alterar mas sempre em consenso nas áreas- -chave, o
tal consenso que permite que exista agora um lince em Milfontes,
consenso que tanta falta nos faz.

Engenheiro agrónomo e gestor de empresas

http://www.ionline.pt/iOpiniao/consenso-lince-milfontes

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