quinta-feira, 11 de setembro de 2014

FSC e PEFC não monitorizam a eliminação de resíduos em florestas certificadas

Desde há um ano que a Acréscimo tem vindo a solicitar a visita a locais de eliminação de resíduos industriais em solos de florestas certificadas. Tal ainda não foi autorizado.

Subsequentemente, a Acréscimo desenvolveu contatos com entidades certificadoras, com o FSC (Forest Stewarship Council) e com o PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification), para averiguar do acompanhamento destas entidades gestoras de sistemas de certificação florestal à eliminação de resíduos em solos florestais. Do PEFC não houve qualquer esclarecimento. Do FSC houve resposta a nível internacional que contraria contudo as justificações dadas a nível nacional. Apesar de presentes em Portugal há mais de uma década, a monitorização à eliminação de resíduos em áreas de florestas certificadas não tem feito parte da agenda nas auditoriais realizadas no âmbito do FSC e do PEFC.

Para além de outras consequências para o ambiente, a aplicação de resíduos nos solos pode aportar consequências para a saúde pública.

A possibilidade de eliminar resíduos nos solos está enquadrada pela Diretiva 86/278/CEE, do Conselho, de 12 de junho (Diretiva Lamas), transposta ultimamente para o regime jurídico português através do Decreto-lei n.º 276/2009, de 2 de outubro.

No âmbito da aplicação da Diretiva Lamas, Portugal tem a obrigação de apresentar relatórios trienais de monitorização, conforme o disposto no Art.º 5.º da Diretiva 91/692/CEE, do Conselho, de 23 de dezembro. Desconhecem os eventuais relatórios produzidos após 2009.

Em Portugal, o Ministério do Ambiente fiscaliza a gestão dos resíduos, muito embora vários relatórios ponham seriamente em causa a eficiência do seu desempenho. Já o Ministério da Agricultura sustenta que as quantidades de resíduos aplicados nos solos são suportados de acordo com o preceituado em manual que não abrange as culturas florestais (Manual de Fertilização das Culturas do INIAV). Quanto à fiscalização, pelo Ministério da Agricultura, da eliminação de resíduos nos solos como fertilizante orgânico, a sua eficiência está por demonstrar publicamente, designadamente no que respeita às florestas e às operações realizadas a grandes players silvo-industriais, como o Grupo Portucel Soporcel e o Grupo Altri.

Apesar do disposto na legislação poder ser discutível, sobretudo na sua aplicação a culturas florestais, tendo em conta a ausência de estudos científicos independentes realizados nos ecossistemas nacionais (solos e clima diferenciados), a efetividade das ações de fiscalização desenvolvidas pelos Ministérios do Ambiente e da Agricultura, é ainda mais discutível. Desconhecem-se relatório de progresso neste domínio. Na fiscalização, está em causa não só o acompanhamento dos procedimentos de aplicação dos resíduos nos solos, mas sobretudo a monitorização subsequente sobre os potenciais impactos nos ecossistemas, mas sobretudo para as populações rurais, por exemplo nos odores emitidos, ou na qualidade das águas de abastecimento humano. As florestas ocupam geralmente áreas declivosas, de solos pobres, mais sujeitas a fenómenos de escoamento de componentes dos solos, ou adicionados aos solos, com capacidade para contaminar química e biologicamente os recursos aquíferos.

Nas áreas florestais certificadas, os requisitos inerentes à sua certificação afirmam assegurar como mínimo o cumprimento dos dispositivos legais. A adesão a tais requisitos é voluntária, no pressuposto de gerar mais valias nos mercados. Todavia, apesar da emissão para os consumidores dos benefícios da aquisição de produtos de base florestal certificados, o facto é que, quer o FSC quer o PEFC não têm dado garantias quanto à monitorização dos potenciais impactos associados à aplicação de resíduos nas florestas que certificam, sobretudo nas florestas geridas ou detidas por grupos industriais, eles próprios produtores desses resíduos. Sistematicamente, ou ignoram a situação, no caso do PEFC, ou manifestam grandes fragilidades na sua atuação, como é o caso do FSC. Estas atitudes geram fortes dúvidas sobre o seu comprometimento quanto aos objetivos e às normas que os próprios sistemas de certificação definiram.

Colocada a questão, apesar da sua presença em Portugal à longos anos, só este ano (2014), após intervenção da Acréscimo, o FSC argumenta ter dado início ao acompanhamento, em sede de auditoria externa, à aplicação de resíduos em solos de florestas certificadas. Todavia, só este acompanhamento é manifestamente insuficiente. A obrigação destes certificadores é de exigir a monitorização contínua destas aplicações e logo a partir do momento em que sustentam os certificados às entidades que admitem a aplicação destes resíduos nos solos que gerem (lamas de depuração, cinzas e suas misturas).

Documentação produzida para a Comissão Europeia sustenta várias preocupações sobre a aplicação destes resíduos em culturas agroflorestais, seja ao nível dos teores de azoto e de fósforo nos solos, seja nos de cádmio e zinco, noutros contaminantes inorgânicos e nos contaminantes orgânicos, nos gases de efeito estufa e nos odores.

Para estarem em consonância com os objetivos e as garantias que dizem sustentar perante a Sociedade, quer o FSC quer o PEFC têm de garantir a existência de instrumentos de monitorização contínua em áreas de floresta certificada sujeitas à aplicação de resíduos urbanos e industriais. As suas ações devem ter por suporte o conhecimento científico produzido por entidades independentes, que tenham por base os ecossistemas nacionais. Isso hoje não acontece.

Para se ter uma ordem de grandeza, o governo português prevê para 2020 a produção de 750.000 toneladas anuais de lamas de depuração, mais 330.000 toneladas anuais do que as apontadas em 2010, com a aplicação de 50% em solos agroflorestais. Outros Estados Membros são mais restritivos quanto a aplicação destes resíduos em culturas agroflorestais, como a Áustria, a Bélgica, a Eslovénia, a Estónia, a Finlândia, a Grécia, a Polónia e a Suècia, ou não consideram sequer a aplicação destes resíduos nos solos, como na Holanda. Em Portugal, a pressão para a aplicação destes resíduos nos solos agroflorestais têm vindo a aumentar significativamente. As estimativas de produção de lamas de depuração em 1995 eram de 145.855 toneladas, com a aplicação de 60% em culturas agroflorestais, sendo que em 2005 a estimativa apontou para as 401.017 toneladas de lamas de depuração, com 56% aplicadas em culturas agroflorestais. As regiões do Norte, Lisboa e Vale do Tejo e do Centro assumem especial destaque neste domínio.

Com o anunciado aumento da capacidade industrial no setor da pasta e papel em Portugal, responsável por mais de 60% da área de floresta certificada no país, a pressão sobre o FSC e o PEFC está definitivamente assegurada.

Lisboa, 9 de setembro de 2014

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