domingo, 20 de março de 2016

«No Verão acaba dinheiro para pagar agricultores»

18-03-2016 
 

 
«Vamos chegar ao Verão e deixará de haver dinheiro no PDR para pagar aos agricultores». A afirmação é de José Diogo Albuquerque, ex-secretário de Estado da Agricultura do ministério liderado pela ex-ministra Assunção Cristas.

A afirmação vem na sequência de declarações do actual ministro da Agricultura Capoulas Santos, feitas ao Público e onde justifica o afastamento da equipa que geria os fundos comunitários da Agricultura.

Sobre a execução do PDR, José Diogo Albuquerque, ex-SEA, diz que nos dois últimos anos se atingiu um recorde em execução, com a execução de dois programas em simultâneo, o anterior quadro, o Proder, e o novo, o PDR. O facto de haver milhares de projectos para analisar resulta da estratégia de ter as medidas abertas em contínuo, permitindo aos agricultores que quisessem, poder começar a investir. Com as medidas fechadas essa possibilidade desaparece.

José Diogo Albuquerque, funcionário da CE, releva o trabalho da Autoridade de Gestão liderada por Patrícia Cotrim que foi recentemente exonerada. Diz que a decisão é da responsabilidade e legitimidade do Ministro. «Entendo que o despedimento dos elementos da Autoridade de Gestão possa ser uma decisão de gestão política. Pode também ter outras razões, porque quer gente da geração do tempo dele, é legítimo e é uma opção que pode tomar. Mas, se a justifica por fraca gestão, tal como está escrito no artigo do jornal o Público, considero uma justificação tecnicamente incorreta».

José Diogo Albuquerque é perentório. Diz que «muito pelo contrário. Se é pela questão técnica, aquela Autoridade de Gestão deveria receber um louvor. Basta recapitular a execução». Refere que a Autoridade de Gestão fez duas coisas fundamentais. A primeira foi quando chegou, em Julho de 2014, garantiu a execução do programa anterior, o Proder. E terminou-a seis meses antes do terminus que era o fim de 2015. Diz que «foram poucos países da União Europeia (UE) que conseguiram isso, pois o PRODER tinha começado atrasado e lentamente. Conseguiu acabar o programa antecipadamente e "esfolar o gato", ou seja, acabou o programa na parte mais difícil que é quando aparecem os esqueletos dos projectos. Sublinha que num programa de fundos comunitários, o fim é o mais difícil. E isto porque quando os programas estão a acabar é preciso ir verificar o último pedido de apoio a cada exploração, no caso do PRODER eram 37 mil projectos. Além de obrigar a uma logística grande, aqui é quando aparecem as questões de licenciamento, e outras.

O antigo governante sublinha que o Proder acabou mais cedo. Tinha o ano de 2015 e acabou em Junho em vez de acabar em Dezembro, com a maior execução de fundos comunitários de sempre. Em 2014 e 2015 foram pagos 1500 milhões de euros. «E fez-se isso ao mesmo tempo que arrancámos com um programa novo, e contando com as mesmas pessoas. Esta é a diferença que há entre as decisões que tomámos na altura e a óptica do Governo socialista», refere.

«A área socialista, na altura, achava que se devia criar uma Autoridade de Gestão específica para o novo quadro, em simultâneo com a Autoridade de Gestão do Proder, i.e. duplicar estruturas. Nós considerámos que não», adianta. «Considerámos que o mesmo corpo técnico que estava a executar o Proder tinha experiência mais adequada para implementar um novo programa».

Execução recorde em 2015

A partir daqui o ex-governante assinala as incorrecções técnicas que detectou nas declarações do ministro. 2014 foi o ano zero do PDR, «embora não seja totalmente correcta a afirmação porque os primeiros programas a serem aprovados pela Comissão Europeia, foram apenas em Dezembro de 2014, dos quais, note-se, Portugal foi um dos quatro primeiros. Logo este é um ano que não conta, mas ainda assim Portugal conseguiu excepcionalmente pagar algumas medidas o que resultou numa execução de dois por cento e não de zero como é incorrectamente afirmado.

E acrescenta: «Em 2015 Portugal atingiu 14 por cento na execução do PDR. Ora 14 por cento é uma das melhores execuções da União Europeia e numa alegoria simples é o mesmo que dizer que uma bebé com 1 ano tem 75 cm de altura, algo que é óptimo. Não se pode esperar que tenha 1,80 metros! O Proder no seu início tinha menos de metade da execução do PDR. Logo, a meu ver foi uma execução brilhante. Começa com um primeiro ano de 2015 em alta, com 14 por cento, e penso que deverá já estar no top 10 da UE, acima da média da UE. Situação muito inversa do arranque do Proder que foi o último programa da UE a ser aprovado, e com uma execução muito abaixo da média. O Proder só conseguiu alcançar esta meta, a média da UE, em 2012».

Questionado sobre as razões que levaram Capoulas Santos a fazer afirmações negativas sobre a equipa que acompanhava os programas agrícolas, disse que «todos estes episódios de críticas por parte do Ministro Capoulas Santos, veem, a meu ver, desviar as atenções daquilo que será verdadeiramente preocupante em 2016: a alocação de Orçamento de Estado para assegurar a execução do PDR e pagamentos aos agricultores. É que este ano o orçamento para o PDR é menos de metade daquilo que deveria ser. Estão lá 65 milhões de euros. Nós tínhamos previsto 100 milhões de euros, o que tem sido o orçamento de referência dos programas. Ainda íamos aumentar para 140 milhões de euros para conseguir responder também ao aumento das candidaturas às medidas agro-ambientais.

A verdade é que se só estivessem 100 milhões, isso já seria preocupante, mas se só lá estão 65 milhões, isso é muito preocupante. Capoulas Santos já baixou a fasquia ao propor para 2016 um nível de apoio do programa mais baixo que os anos anteriores (propõe 600 milhões de euros enquanto 2015 foi de 700 milhões e 2014 de 800 milhões de euros). Mas mesmo para este nível mais fraco de execução os 65 milhões de euros não chegarão, seriam necessários uns 95 milhões de euros. Tenho notado por parte do sector a preocupação de chegarem ao Verão e deixar de haver pagamentos ao investimento e isso, com este Orçamento de Estado, tão aquém, parece-me uma realidade. Com um Orçamento de Estado destes, o ministro Capoulas Santos começa o ano a "correr atrás do prejuízo", terá que inevitavelmente procurar transferências de outras fontes ou programas, para evitar uma falha nos pagamentos, coisa a que os agricultores se desabituaram nos últimos anos».

Questionado sobre o tema das candidaturas disse que houve ali uma opção do Governo que foi de abrir as medidas todas em contínuo ao invés de através de concursos espaçados no tempo como tinha o Proder, funcionando a conta-gotas. Neste modelo, e aproveitando as regras comunitárias, permite-se que todas as candidaturas vão entrando e os agricultores possam fazer logo investimentos, sem ter que esperar que aquela candidatura seja previamente aprovada, sendo o financiamento público depois retractivo até à primeira despesa feita depois de entrada a candidatura. «É permitido que o agricultor avance com a candidatura, e mesmo que esta seja só aprovada passados seis meses, pode começar logo a investir à sua responsabilidade, repito, independentemente da candidatura ser aprovada daqui a 1 mês ou 1 ano. Ou seja, o agricultor pode ir avançando com o projecto, pode ir investindo por sua conta. Mas para isso, têm de estar as candidaturas abertas».

Outra vantagem de ter as candidaturas abertas, prende-se com o andamento do programa. Em Novembro último estariam no PDR cerca de 11.800 candidaturas submetidas e cerca de cinco mil analisadas. «A meu ver é uma vantagem, não um retrocesso. No caso do PRODER se se comparar Novembro de 2008, que foi o primeiro ano deste programa, comparado com Novembro de 2015 que foi praticamente o 1.º ano do PDR, no Proder estavam 2700 candidaturas submetidas, já no primeiro ano do PDR estavam 11.800. Isso mostra a adesão do PDR.

Conclui lançando um alerta: «Se este Governo para as candidaturas e deixa de receber candidaturas vai acontecer que iremos chegar a 2018, altura em que existe uma revisão feita pela Comissão Europeia, que se chama Reserva de Eficiência que vai verificar a performance da execução dos programas. E, se Portugal estiver abaixo dos objectivos é-lhes cortado seis por cento do Programa, que é à volta de 215 milhões de euros. Há um perigo em travar as candidaturas agora».

O Proder fechou com 37 mil candidaturas, mas teve 60 mil candidaturas submetidas, sendo que uma parte foram candidaturas reprovadas e outra desistidas. «O que é preciso é deixar correr o programa em vez de parar». «O PDR é como o Titanic. Se se trava agora a velocidade, pode se fazer uma travagem irreversível, o que resultará em sub-execuções e menos dinheiro para o sector e para a economia. O sector tem estado a crescer, a investir, o programa tem estado a executar e aquilo que se deve fazer é executar o mais possível. Se se travar essa execução por falta de Orçamento de Estado, e por hesitações, voltaremos aos tempos iniciais do Proder».

Questionado sobre as razões e o impacto do Ministério das Finanças ter cortado dinheiro à Agricultura, frisou: «O que se sente do sector é estupefação e incompreensão. Não se estava à que, com um ministro de peso na agricultura, aparecesse um orçamento tão fraco. Direi mesmo que é o pior dos últimos seis anos. Se a razão, foi repetir para o orçamento de 2016 o mesmo de 2015, então isso foi um erro crasso, porque o ano de 2015 foi um ano à parte, em que houve um envelope de 500 milhões de euros de dinheiros comunitários, que não tinha que ter cofinanciamento nacional). Já neste ano de 2016 teríamos de ter voltado ao mesmo valor dos anos anteriores que era, no mínimo, 100 milhões de euros. Isso era, aliás, o que estava previsto no Documento de Estratégia Orçamental.

Depois ainda seria necessário um aumento para fazer face à forte adesão as medidas Agro-ambientais. Estava previsto aumentar os 100 milhões para 140 milhões de euros. Um OE tão baixo para o PDR é pode ser um problema. Os agricultores ficam na dúvida, hesitam se devem investir ou não investir. Essas hesitações têm um impacto direto no programa e, consequentemente, na economia. Esta Autoridade de Gestão estava a conseguir manter a confiança. Os pagamentos estavam a ser feitos de uma forma regular, os processos estavam a andar, a análise das candidaturas estava a aumentar gradualmente, como é normal. A máquina estava a andar de uma forma progressiva. Estas hesitações vão levar a uma travagem deste ciclo positivo. E, claro, terá um impacto directo nas respostas em termos de exportações e no défice da balança comercial. Nunca mais se ouviu falar em autossuficiência em valor». Concluiu afirmando que o PDR é um importante motor da nossa agricultura porque os fundos comunitários estão por detrás do investimento na nossa agricultura.

Esta nova realidade é tanto mais grave quando falamos de um Governo PS que assumiu estar na altura, e haver condições, para acabar a austeridade, logo, se há dinheiro para tudo o resto, uma redução da orçamentação para a agricultura representa uma clara falta de prioridade por parte deste Governo para um sector que tanto contribuiu para a economia nacional nos últimos anos.

Fonte: OJE

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