sexta-feira, 31 de maio de 2013

O professor, o agricultor e o pescador a quem os fundos mudaram a vida

PROJETOS


por Pedro Sousa Tavares, Roberto Dores e Luís GodinhoOntem1 comentário


João Revez aumentou os seus rendimentos a dar formaçãoFotografia ©
Luis Pardal/Global Imagens

Novas Oportunidades, Programa de Desenvolvimento Rural e Instrumento
Financeiro de Orientação de Pescas são programas a que recorreram os
portugueses

João Revez, Diogo Ferreira e Carlos Aldeia têm em comum os apoios
comunitários que lhes provocaram enormes mudanças nas suas vidas. O DN
conta a história de três portugueses, de distintas profissões, que
recorreram aos fundos da União Europeia.

O professor de Matemática, há dez anos, virou-se para a formação
profissional e com o estímulo do programa Novas Oportunidades chegou a
conseguir um rendimento da ordem dos 2400 euros brutos. O agricultor
apresentou uma candidatura ao Programa de De-senvolvimento Rural para
produzir uvas sem grainha e avançou com um investimento de 500 mil
euros, apoiado em cerca de 60% por fundos comunitários. O pescador de
Sesimbra aderiu ao programa de abate de barcos e mandou demolir o seu
Só Pesca pensando que ia receber 130 mil euros, mas depois dos
impostos só teve direito a 35 mil.

Uma vida "confortável" a dar formação

Quando acabou o curso de professor de Matemática, na Universidade da
Beira Interior, João Revez, de 37 anos, ainda tentou a sua sorte nas
escolas públicas, percorrendo "de mala às costas vários pontos do
País, do Alentejo a Lisboa e a Palmela". Há dez anos, decidiu
voltar-se para a formação profissional. E não se arrependeu.

Com os fundos comunitários a circularem para a formação profissional,
não demorou a conseguir uma vida "relativamente confortável" a dar
formação. Primeiro em Santiago do Cacém, mais tarde em Beja, perto da
sua terra natal de Serpa, onde se mantém até hoje.

"Vivi essa fase de expansão", conta. "O boom de formação atingiu
níveis bastante significativos, especialmente em 2006/07, com o
estímulo do programa Novas Oportunidades", especifica.

Com um horário completo de 35 horas semanais e um valor à hora de 17
euros praticado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional
(IEFP), João Revez consegui um rendimento da ordem dos 2400 euros
brutos mensais, perto de 2000 líquidos.

Entretanto, as coisas começaram a piorar. Primeiro, pelo lado dos
descontos: a taxa de retenção na fonte IRSD para os recibos verdes
começou a subir até aos atuais 25%, o que somado à Segurança Social
reduziu bastante o rendimento", admite.

Depois da carga fiscal, veio com o novo Governo o corte nas ações de
formação. Além de reduzir drasticamente o número de centros, o novo
Executivo praticamente congelou as admissões de novos alunos para o
Novas Oportunidades, enquanto reformulava os centros existentes, num
processo ainda em curso. O trabalho também começou a escassear.

"Neste momento, recebemos 14,40 euros brutos à hora, mas se
conseguíssemos um volume de formação de 35 horas semanais continuaria
a ter alguma rentabilidade", admite. "Mas é difícil, e as alterações
que fizeram à legislação fizeram que a experiência de quem andou a dar
formação não contasse."

Agora, assume, procura ele próprio outras oportunidades, numa nova
área profissional.

A agricultura "está-nos no sangue"

Diogo Silvestre Ferreira, 27 anos, está a iniciar um projeto de vida
ligado à agricultura. Será a quarta geração da família a produzir uva
de mesa: "O meu bisavô começou com as uvas na zona de Torres Vedras, o
meu avô mudou-se para o Alentejo e o meu pai continuou nesta
atividade. É uma coisa que nos está no sangue."

Concluído o curso de Agronomia no Instituto Politécnico de Beja, Diogo
começou a trabalhar com o pai em Vale da Rosa, próximo de Ferreira do
Alentejo, de onde saem uvas sem grainha para todo o mundo. Passados
dois anos, chegou a altura de se lançar por conta própria: "Fui criado
neste meio, é uma tradição familiar que me acompanha desde pequeno e
decidi investir."

Começou por arrendar uma propriedade ao pai, a Herdade do Azinhal,
apresentou uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural
(Proder) para instalação como jovem agricultor e avançou com um
investimento de 500 mil euros, apoiado em cerca de 60% por fundos
comunitários.

"Sem esta ajuda não teria avançado com um projeto tão grande pois os
encargos com juros seriam muito elevados", refere Diogo, garantindo
que dentro de dois anos os seis hectares de estufas agora plantados de
uvas permitirão criar cerca de 30 postos de trabalho - um pouco mais
na altura das vindimas: "Quando começar a produzir vou precisar de
muita mão de obra, o que acaba por ser bom para a região e para o
País."

O negócio está também desenhado com uma forte componente de
exportação, à semelhança do que sucede com o pai. A aposta será nas
uvas sem grainha, designadamente na variedade crim-son - "é a que sei
trabalhar melhor" -, adaptada às condições climáticas do Alentejo.
"Tínhamos o problema da falta de água, mas com a construção de Alqueva
isso ficou resolvido e agora há que produzir."

"Estou motivado e acredito que as coisas vão correr bem", diz,
reconhecendo que apesar de a agricultura ser um sector com "muito
potencial", o começo está longe de ser fácil para a maioria dos
jovens: "É complicado obter empréstimos junto da banca porque os juros
estão bastante altos e são exigidas garantias difíceis de obter por
quem está a começar."

Entre os Silvestre Ferreira, a ligação à agricultura vai continuar. À
semelhança do que sucedeu com Diogo, também o irmão, Henrique, avançou
com uma candidatura à instalação de jovem agricultor, já aprovada pelo
Proder. Será um investimento numa área de 33 hectares de melão, meloa
e melancia para criar riqueza e aproveitar a terra.

Abateu o barco por 130 mil mas só recebeu 35 mil

Quando há sete anos abateu o barco não chorou, mas hoje não consegue
suster as lágrimas ao recordar o dia em que o seu Só Pesca foi
desmantelado para sempre.

"Gostava dele como de um familiar", desabafa Carlos Aldeia, um
pescador de Sesimbra, que aos 67 anos entrou na reforma e resolveu
candidatar-se a fundos comunitários de apoio ao abate da frota
pesqueira, para pôr fim à vida da embarcação, já com 41 anos e largas
milhas percorridas ao longo da costa portuguesa.

"Ninguém me comprava aquilo", justifica, depois de ainda ter pensado
em passar o negócio do mar ao filho e afilhados. Mas os tempos
difíceis em que o sector mergulhou, levando os mais novos a seguirem
outros rumos, tornaram o projeto inviável. Juntamente com o sócio,
avançou para o inevitável. "O que a União Europa queria era as
licenças. E eu tinha logo cinco", refere, reportando-se aos títulos
para utilizar várias artes de pesca, como as redes de profundidade,
pescada ou transmalho e gaiolas de rede.

A candidatura do abate veio aprovada. Contudo, a desilusão havia de
ser grande. Carlos Aldeia e o sócio, que tinham comprado o barco por
110 contos nos anos 70, receberam 133 mil euros de compensação, mas
foram logo surpreendidos com a retenção de 30 mil por parte da
Direção-Geral das Pescas, devido ao tempo de utilização do barco.
Sobre os restantes cem mil, as Finanças cobraram 36% e ainda foi
preciso destinar 15 mil euros para IRS e mais 7500 euros quando desfez
a empresa.

"O abate do barco deu 17 500 euros para cada sócio", revela, apontado
para o mar de Sesimbra, onde começou a trabalhar aos oito anos, sendo
por lá que continua a ganhar a vida, num complemento à reforma. Hoje,
com 75 anos, "Aldeia", como é conhecido pelos camaradas de Viana do
Castelo à Fuzeta, diz apenas que vai continuar a pescar até que as
forças lhe permitam.

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