sábado, 1 de junho de 2013

Mercado biológico à conquista de terreno

30 Maio 2013, 10:39 por Maria Cano/webtexto, Bruno Simão | Fotografia

Os produtos biológicos não ficam confinados às fronteiras da
agricultura. Abarcam sectores como a cosmética ou o vestuário, que têm
vindo a ganhar dimensão nos últimos anos em Portugal. Os negócios
'bio' combatem a crise destacando os conceitos de saúde e ambiente
associados aos produtos que vendem.

Miguel Monteiro | A ideia de lançar os supermercados Brio surgiu num
jantar com um amigo.




Um acidente vascular-cerebral antes dos 40 anos obrigou André de
Saint-Maurice a abrandar o ritmo. Químico de formação, durante o tempo
de convalescença decidiu enveredar por outras experiências e
aventurou-se a fazer um sabonete. Foi desta forma que começou a sua
aventura no mundo biológico.


Pôs mãos à obra, converteu uma parte da casa em laboratório e é lá
que, sozinho, cria géis de banho, shampoos, cremes ou sabonetes que
depois vende semanalmente em mercados de produtos biológicos, em lojas
que abastece e através da sua própria loja "on-line". O negócio foi
ganhando dimensão e a marca Biofunny, como lhe decidiu chamar, chegou
ao Brasil.


Este é um dos muitos negócios que têm começado a surgir no mercado dos
produtos biológicos e que mostram que este é um sector que vai muito
além dos produtos alimentares. Mesmo dentro deste sector , tem havido
uma grande diversificação. Jaime Ferreira, presidente da Direcção da
Agrobio - Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, com 6.300
associados, diz que as apostas mais recentes neste tipo de produtos se
têm verificado na área das plantas aromáticas e medicinais, frutos
vermelhos e vinhos biológicos. Os "consumidores procuram, sobretudo,
alimentos, mais legumes e frutas, de elevada qualidade, considerados
benéficos para a saúde, sem pesticidas e sem outros tipos de resíduos,
mas também com maior qualidade nutritiva".


Foram estas características que levaram Fernanda Rodrigues e Jorge
Cardoso a inovar no sector do vinho. Engenheiros agrónomos, queriam
trabalhar directamente na terra. Compraram uma herdade no Alentejo e
puseram mãos à obra. Mas este não foi um daqueles casos de sucesso à
primeira tentativa. "Nos dois primeiros anos perdemos a produção quase
toda, mas nunca desistimos", diz Fernanda Rodrigues.


Perceberam que este era um nicho de mercado importante a explorar e
mantiveram a aposta. Este ano apresentaram o produto ao mercado
através de duas feiras - a alemã BioFac e a portuguesa Terra Sã.
Afirmam que o vinho Outeiros Altos foi bem recebido e que o resultado
começa a materializar-se: estão na fase dos contactos para começarem a
exportar a primeira produção "a sério".


Os primórdios
A agricultura biológica atravessa uma fase de expansão em Portugal.
Segundo dados da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento
Rural, este tipo de agricultura ocupava 7.183 hectares e tinha 234
produtores em 1994, valores que passaram para quase 220 mil hectares e
2.602 produtores em 2011.


A subida da procura foi acompanhada por um crescimento nos locais de
venda especialmente vocacionados para este tipo de negócio, como é o
caso da BioCoop, uma cooperativa de consumidores que foi pioneira no
mercado.


Criado em 1993, foi o primeiro supermercado biológico a operar no
país. Só mais de uma década depois é que a oferta de lojas
especializadas do sector começou a proliferar. O aparecimento dos
supermercados Brio é um dos casos. Actualmente, existem quatro e o
primeiro nasceu em Campo de Ourique, em 2008.


"Havia uma lacuna muito grande, e ainda continua a haver, na área dos
biológicos, daí ter surgido o Brio", diz Miguel Monteiro, gestor de
rede destes supermercados. Refere que, apesar da dimensão que o sector
ganhou nos últimos anos, ainda sente que falta informação sobre este
mercado. "As pessoas conhecem muito os produtos frescos, frutas e
legumes, e não conhecem o resto", refere Miguel Monteiro,
acrescentando que a isso ainda está associada "a ideia de que, por ser
produto biológico é extremamente caro".


O responsável da Brio reconhece que a chegada da 'troika' e da crise
fizeram estremecer o negócio, mas não desanima. "As coisas estão a
compor-se", diz, referindo que continua a existir mercado por explorar
"não só na da grande Lisboa, mas também na zona do Algarve ou do
grande Porto".


A percepção de Miguel Monteiro confirma-se nas palavras de Catarina
Crisóstomo investigadora sobre agricultura biológica em Portugal. Diz
que, mesmo com a crise, tem havido expansão, ainda que lenta. Porquê?
Porque as pessoas se preocupam cada vez mais com a saúde e com o meio
ambiente e estão a despertar para a realidade 'bio'. Esta espécie de
"movimento contracorrente" verifica-se com mais intensidade em Lisboa,
mas Catarina Crisóstomo ressalva, também, que há algum consumo no
Porto e no Algarve, principalmente por parte de estrangeiros.


Quanto às empresas que operam na área, são pequenas e estão numa fase
inicial. É uma "escala pequena, com modelos de negócio personalizados,
clientes e canais de distribuição próprios", mas ressalva que, quanto
mais tivessem, mais venderiam.


Selo de garantia
Uma questão crucial neste mercado é a da certificação, que funciona
como um selo de garantia para estes produtos. Há normas relativas à
agricultura biológica que se aplicam a todos os estados membros da
União Europeia e há um logótipo da UE para os produtos que estejam
conforme o regulamento.


No entanto, António Mantas, director e responsável pela certificação
da SATIVA, ressalva que o regulamento "não se aplica a produtos não
alimentares transformados, o que faz com que seja aplicável ao linho,
como produto agrícola, mas não seja a uma camisa de linho, porque é
transformado e não é alimentar. O mesmo sucede para cosméticos ou
outros produtos".


Apesar dos muitos projectos que vão surgindo na área do biológico,
este não é ainda um sector organizado. Alfredo Cunhal Sendim, produtor
biológico na Herdade do Freixo do Meio, diz que aqui o Estado já
poderia ter tido o seu papel. "Nunca assumiu o papel estratégico deste
modelo de agricultura", o que leva a uma "lacuna de consciência dos
consumidores" e, logo, a uma falta de mercado, porque as "pessoas
pensam que é algo elitista".


A partir de 2014, poderá haver uma viragem, nomeadamente para a
agricultura biológica. O próximo quadro comunitário apoiará a
agricultura, refere Jaime Ferreira. O apoio passará pela inclusão do
chamado conceito "greening", ou seja, pagamentos ecológicos que visam
apoiar financeiramente práticas e actividades sustentáveis como é o
caso da agricultura biológica.

http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/mercado_biologico_a_conquista_de_terreno.html

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