segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A importância do conhecimento na agricultura

Opinião 
 Armando Sevinate Pinto 10/08/2014 - 13:26 


No último texto publicado neste jornal, afirmei a minha convicção de que o investimento produtivo e o conhecimento eram dois pilares nos quais se teria que basear o nosso desenvolvimento agrário. Disse, então, o que pensava sobre o investimento. Referir-me-ei agora ao conhecimento.

 Uma das poucas questões que, no domínio agrícola, não suscita opiniões divergentes, é o reconhecimento do contributo decisivo da fileira do conhecimento (investigação, ensino, formação, divulgação), para o extraordinário progresso alcançado pela agricultura europeia e mundial, ao longo das últimas décadas, depois da última guerra.

A nível europeu, nessa altura, o desafio lançado à fileira do conhecimento e à investigação em particular, foi enorme. Tratava-se de aumentar a produção de uma Europa muito fragilizada e carente de bens alimentares. A segurança alimentar, em termos quantitativos, era um objectivo claro e a Europa estava disposta a proporcionar à investigação agrária todos os meios disponíveis e a aceitar, quase sem limitações, os métodos por esta utilizados.

Seguiu-se um período de grande dinamismo, com a investigação e o ensino a orientarem-se para quatro direcções principais: o controlo dos factores limitantes da produção; o desenvolvimento da mecanização; o desenvolvimento dos fertilizantes químicos e dos produtos fitossanitários e zoossanitários; e o melhoramento das variedades vegetais e das raças animais.

O objectivo comum era o aumento da produtividade física e os resultados foram espectaculares.

Nas décadas de setenta e oitenta, sem abandonar a opção produtivista, a Europa associou-se a novos objectivos, como a luta biológica, a energia, a gestão dos solos e da água e as tecnologias de informação. Só já no fim dos anos oitenta a comunidade científica e técnica começou a dar atenção sistemática e organizada à extensificação, à qualidade, ao ambiente e, ainda, à economia (ao contrário do que aconteceu nos EUA, onde a dimensão económica do progresso técnico e científico foi bastante mais cedo tida em conta).

Muitos erros terão sido cometidos, entre os quais "o descuido" ambiental, cuja factura estamos ainda a pagar, mas também o progressivo afastamento dos homens da ciência relativamente aos homens da terra, com o aumento do seu fascínio pela distante investigação fundamental.

Entretanto, em Portugal, apesar da nossa dimensão, registámos em tempos passados, alguns exemplos notáveis, ainda que pontuais, de desenvolvimento agrário baseado no esforço da nossa investigação, ensino e formação, quer dos diferentes organismos do Estado, quer de organizações e empresas privadas que desenvolveram projectos técnicos e científicos com mérito indiscutível (pomicultura, subericultura, tomate para indústria, vinha, pastagens e forragens, etc.).

Nas últimas décadas, no entanto, assistiu-se a uma evolução negativa da investigação agrária, resultante de três situações distintas e de sinal divergente:

       - Um claro enfraquecimento das condições de investigação* e da acção concreta dos organismos do Estado, muitos dos quais foram até extintos;

       - Um alargamento e maior dinamismo das acções de investigação realizadas pelas universidades e institutos politécnicos;

       - Uma crescente integração da investigação portuguesa* em projectos europeus, financiados pelos sucessivos Programas Quadro, normalmente, em colaboração com organismos de outros Estados-membros.

O resultado da conjugação destas três tendências não tem sido famoso.

De facto, o significativo enfraquecimento da acção concreta desenvolvida pelos organismos do Estado na área agrícola, florestal e agro-industrial, não foi suficientemente compensado pelo seu alargamento nas universidades e politécnicos e pelo aumento da participação de investigadores portugueses em projectos financiados pela União Europeia que, apesar de interessantes e com alguns aspectos positivos, tem-se frequentemente desviado de interesses práticos em termos nacionais.

Assim, e embora se trate evidentemente de um assunto controverso, tal como a minha opinião também o será, considero que é na área do conhecimento, a par com os seus fracos recursos naturais, que a agricultura portuguesa tem hoje as maiores desvantagens comparativas para poder concorrer, em condições mínimas de igualdade, com os seus concorrentes, no mercado interno e externo.

A carência de conhecimento prático, adaptado às nossas necessidades específicas, não é, evidentemente, completamente generalizada. Há, entre nós, excepções pontuais e casos de sucesso e até de excelência, que deveriam ser estudados para melhor se compreender as razões da sua existência.

As carências não derivam exclusivamente da falta de produção científica, mas também de evidentes fragilidades no ensino agrário no seu conjunto (apesar de termos 14 escolas de ensino superior agrário - 6 universidades e 8 politécnicos - o seu excesso e descoordenação são dois dos seus males) e, obviamente, na ineficácia da transmissão do conhecimento, até aos seus utilizadores finais, sempre que ele está disponível na origem. Isso acontece, quer pela insuficiência de estruturas de intermediação, quer por múltiplas outras razões, até culturais, que afastam uma grande parte dos agricultores do conhecimento técnico e científico.

Infelizmente, em matéria de conhecimento técnico/científico incorporado em práticas agrícolas, florestais e agro-industriais, temo-nos vindo a afastar de muitos países da União Europeia, onde se procura, activamente, modernizar, inovar e encontrar os caminhos de uma nova agricultura, competitiva e sustentável. Uma agricultura que dê resposta aos grandes desafios, quer os do nosso tempo, quer aqueles que, não estando ainda completamente presentes, já produzem sinais de grande aproximação (como, por exemplo, as alterações climáticas).

Apesar das dificuldades, podemos e devemos ter um sector agrário multifuncional e muito mais desenvolvido do que o actual. Os portugueses podem e devem, legitimamente, aspirar a um desenvolvimento agrário que contribua, de forma mais significativa, para o nosso abastecimento alimentar, para o reequilíbrio da balança comercial e para o aumento do valor acrescentado do sector, que será, aliás, a única maneira de aumentar o rendimento do conjunto dos agricultores e assegurar a sua permanência na actividade.

Há duas maneiras para que isso possa acontecer:

- Uma primeira, através de investimentos, significativos e continuados, exclusivamente na modernização das unidades produtivas. É um caminho que teria resultados positivos no curto prazo, mas não duráveis e que, a médio prazo, se esgotaria por falta de sustentabilidade;

- Uma segunda, fazendo acompanhar esses investimentos por um grande esforço de aquisição e de transmissão de conhecimentos, articulando o ensino com a investigação e com a formação profissional, atribuindo meios, humanos e materiais, e prioridades bem definidas a estas três frentes, no âmbito de um projecto comum.

Engenheiro Agrónomo (ISA)

*Infra-estruturas, equipamentos e pessoal qualificado, em resultado de condições financeiras disponíveis muito limitadas.

 Nota final: Estava a escrever este texto quando soube, através da imprensa, que, por falta de financiamento público, poderia estar em causa a sobrevivência do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da Universidade de Évora. Parece que, no quadro de uma avaliação encomendada pela FCT, este instituto teria atingido, apenas, a classificação de bom e não de excelência. Fiquei de tal maneira desolado, que a única forma de terminar este texto, é dizendo que, Portugal poderia e deveria, de facto, desenvolver a sua agricultura mas, assim, é muito difícil acreditar que o consigamos fazer.

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