terça-feira, 27 de março de 2018

“Ministério do Ambiente acha que é dono da água”

ENTREVISTA EDUARDO OLIVEIRA E SOUSA

Em Alqueva está "a prova do que é o poder do regadio na Península Ibérica", afirma o líder da CAP, que acusa a tutela do Ambiente de demorar na avaliação dos pedidos de licenciamento feitos pelos agricultores. Mesmo em tempo de seca.

 


Eduardo Oliveira e Sousa está actualmente a fazer um ano à frente da presidência da Confederação dos Agricultores de Portugal, pela Associação dos Produtores Florestais do Concelho de Coruche e Limítrofes (APFC). Com 63 anos, o engenheiro agrónomo substituiu, em Março de 2017, João Machado, que foi presidente da CAP durante 18 anos. Oliveira e Sousa foi fundador da Federação Nacional de Regantes de Portugal e vogal durante uma década do Conselho Nacional da Água (até 2007) - e defende hoje o desenvolvimento de "alquevazinhos" no território nacional como melhor forma de combater a desertificação do interior. A começar no Alto Tejo, mas olhando também para Guarda, Trás-os-Montes e Alto Alentejo, afirma.

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O Plano Nacional de Regadio (PNR), que vai custar 540 milhões e irrigar 90 mil hectares (49 mil no Alqueva) é ambicioso o suficiente?
Não. Fiquei muito satisfeito ao ouvir o primeiro-ministro falar da criação de uns laboratórios de observação para potenciar determinadas produções agrícolas, no interior do país. Dou muito boas vindas ao movimento da sociedade de dinamização do interior — a agricultura tem ali uma palavra a dizer extraordinária. Porque uma vez entrando a agricultura, tudo o resto pode vir atrás. Se não entrar a agricultura, aquilo vai ser sempre uma área deserta.

O PNR iria ajudar na matriz de combate à desertificação?
Sim, isso é que é um plano nacional de regadio. Um PNR é fazer uma rede pelo país fora, ir à procura dos locais onde o regadio possa ser potenciado para fixar aí uma economia diferente da que lá se pratica. E essa economia, no dia em que der frutos, vai diminuir o impacto da floresta, e vai ter menos fogos florestais. É por aí que o PNR deve ser ambicioso. Neste momento temos um conjunto de obras que têm que ser feitas para complementar o enorme esforço financeiro em Alqueva, cuja principal virtude é demonstrativa. Está ali a prova do que é o poder do regadio na Península Ibérica. A agricultura que permitiu chegar ao século XX já não existe. Hoje em dia a agricultura significa economia, não significa subsistência. Noutras regiões do país, o que temos que fazer são "alquevazinhos" — algumas barragens, com o mesmo modelo, de fins múltiplos. E a primeira é a barragem do Alvito, no Alto Tejo. E precisamos de olhar para as regiões da Guarda, de Trás-os-Montes, do Alto Alentejo.

O Ministério do Ambiente transformou-se numa entidade que acha que é dona da água e isso é perverso. A água é uma coisa que ninguém lhe pode negar.
Mas o regadio implica não só levar a água onde é necessária, como ser disponibilizada a preços competitivos do ponto de vista económico. Está a ser? No passado já houve queixas de que o preço era muito elevado.
O preço da água é uma matéria que não vou entrar aqui em muito pormenor porque é muito complexa. Porque mete o Ministério do Ambiente ao barulho, que não é pró-activo em relação ao regadio. O Ministério do Ambiente transformou-se numa entidade que acha que é dona da água e isso é perverso. A água é uma coisa que ninguém lhe pode negar. Mas o preço da água está associada aos custos pela gestão, e o mais difícil de controlar é o preço da energia, que em Portugal é absurdamente cara. Além disso, a factura ainda é mais cara, porque 50% do que lá vem não é energia. Mas o regadio não é só o regadio público. É muito importante serem criados incentivos ao crescimento do regadio privado. Neste momento isso está incluído no PDR [Plano de Desenvolvimento Rural], no investimento às explorações agrícolas — é perfeitamente insuficiente. Hoje há uma dificuldade enorme em licenciar tudo o que tem a ver com água por causa do Ministério do Ambiente. A APA [Agência Portuguesa do Ambiente] dificulta o mais possível os novos regadios, novas barragens. No âmbito da seca, uma das razões por que o dinheiro não chegou aos agricultores é a interferência do Ministério do Ambiente no processo de licenciamento dos furos de emergência para dar de beber aos animais — que tiveram uma dotação de 15 milhões, dos quais devem estar pagos 20 ou 40 mil euros, é uma ridicularia.


No âmbito da seca, uma das razões por que o dinheiro não chegou aos agricultores é a interferência do Ministério do Ambiente no processo de licenciamento dos furos de emergência para dar de beber aos animais
Que interferência do Ambiente?
Porque as pessoas dizem que precisam, o Ministério da Agricultura disponibiliza o dinheiro, mas é preciso uma licença do Ministério do Ambiente. Que, só para receber o papel, sem olhar, cobra logo 126 euros — que já não voltam para trás.

"Se a PAC se mantiver como está, não vem mal ao mundo"
"Se na Política Agrícola Comum começar a ser difícil fechar as negociações — e o ministro [Capoulas Santos] está consciente disso e nós estamos de acordo — pelo menos que se mantenha como está". E, "se a PAC se mantiver como está, não haverá daí mal ao mundo", defende Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP — Agricultores de Portugal.
Após 2020, "o grande ponto de interrogação é a questão do orçamento, não só o da PAC como o da própria União Europeia", à conta, também, da saída do Reino Unido. "No âmbito da PAC, se vier a verificar-se algum corte", este "pode ser minimizado". Como? Se acontecer o mesmo que na "revisão anterior — com grande empenho do relator [do Parlamento Europeu] da altura, que era o nosso actual ministro da Agricultura" — de "haver outra vez convergência entre os países, entre os que tem menores e os que têm maiores valores das ajudas".
Se assim acontecer, "Portugal até pode ficar bem no retrato", acredita Oliveira e Sousa. Mas alerta: "não venham, por favor, repercutir algum reforço da contribuição portuguesa para o orçamento da União através de carga fiscal interna". E mantenha-se de fora "o co-financimento do primeiro pilar, das ajudas directas", que até agora "é 100% da união — e nós queremos que continue a ser assim". Quanto à ideia, já sugerida por Bruxelas, de dar maior protagonismo a cada Estado-membro na definição da política agrícola e na escolha apoios comunitários a co-financiar por fundos nacionais, os receios são alguns. "Na teoria, a medida até podia não ser muito má, se fôssemos um país tipo Suíça, todos a trabalhar, conscientes da importância de cada um. Aqui sabemos como é", diz.

Pela PAC, cujo orçamento é autónomo dentro da União, Portugal teve uma dotação a sete anos (2014-2020), a preços correntes, de 4,43 mil milhões de euros no primeiro pilar (ajudas directas aos agricultores, financiada em 100% por fundos comunitários) e de 4,05 mil milhões de euros no segundo pilar (dos quais 500 milhões sem co-finaciamento adicional no início do programa, por estar então sob ajuda financeira), que apoia o investimento na agricultura e florestas (comparticipado em 15% por fundos nacionais), através do Plano de Desenvolvimento Rural (PDR 2020).

O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, afirmou no início deste mês que a dotação do PDR, referindo-se aos 4000 milhões de euros, tem agora uma taxa de execução de 41%, tendo recebido 48.243 candidaturas.

Em entrevista, Oliveira e Sousa não fala de números, mas critica o andamento do PDR. "Em termos de resumo" sobre "as dotações das medidas [do programa]", de "transição de concursos de projectos aprovados, não contratados e pedidos de pagamento", contra-argumenta, "o desastre é total". "A administração do PDR é um dos graves problema à ultrapassagem deste momento que a economia agrícola atravessa". Porque, relembra, "é o principal instrumento de apoio ao investimento". "Se o sector já deu provas que tem capacidade, e que é dinâmico nas exportações, como é que as pessoas não têm os projectos de investimento resolvidos rapidamente?", questiona. O que é que a correr mal? "As dotações são insuficientes, a avaliação dos projectos é demorada, os critérios de avaliação não são os mais adequados", assim como a "pontuação em termos de valores que os projectos têm" — "isto é o espelho do PDR", garante.

Para o presidente da CAP, que há um ano substituiu João Machado, o ministro "tem que se debruçar sobre o problema". "Porque, senão, corremos o risco de chegar ao fim do período e ter dinheiro para devolver a Bruxelas", alerta.

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