segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O que ganha Portugal com o eucalipto?

SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2012

Texto integral das resposta às questões colocadas pela Jornalista Ana
Clara, da revista online Café Portugal, a Paulo Pimenta de Castro,
presidente da Direção da Acréscimo, a 16 de julho último.

CAFÉ PORTUGAL – O actual Governo propõe uma discussão pública sobre a
proposta de alteração da regulamentação das acções de florestação,
onde se considera o eucalipto uma espécie igual à do pinheiro-bravo.
Como olha para esta proposta?

PPC – Vemos esta proposta do Ministério, como uma iniciativa avulsa,
extemporânea e irresponsável.

Avulsa: A proposta do MAMAOT é uma iniciativa isolada no âmbito do
ciclo de produção florestal. O Ministério evidencia grande preocupação
na florestação e descora a ligação com a subsequente gestão dessas
novas áreas florestadas. Não assegura igualmente o apoio técnico
essencial, nem dá garantia de acesso equilibrado aos mercados por
parte da produção florestal. Apesar, dos nefastos resultados
conhecidos, a Campanha do Trigo, de 1929, pelo menos assegurava estes
aspectos.


Extemporânea: Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as
Florestas (ENF), a actual proposta do MAMAOT aparece
descontextualizada, desenquadrada de um todo estratégico. Segundo o
anunciado, a discussão pública para a ENF está prevista já para
Setembro. Questiona-se a demora deste processo, o qual deveria ter
sido prioritário do Ministério. Contudo, mais se questiona sobre a
"urgência" da actual proposta quanto à florestação com espécies de
rápido crescimento.

Irresponsável: Novas florestações, ou reflorestações, sem garantia de
gestão florestal subsequente, podem perpetuar as consequências
negativas de que hoje são vítimas as florestas em Portugal: propagação
de incêndios e proliferação de pragas e de doenças. Há que cortar este
ciclo vicioso. Do nosso ponto de vista, a actual proposta do MAMAOT
não aparece no sentido do corte, mas no de perpetuar.

CP – Quais os grandes perigos desta abertura à florestação em matéria
do eucalipto?


PPC – Com o objectivo simplista de aumentar o valor bruto das
exportações, o Ministério facilita o aumento da área florestada com
esta espécie, sem assegurar a subsequente gestão desses novos
eucaliptais. Por outro lado, desassocia esta iniciativa da fundamental
consultoria técnica aos proprietários florestais (extensão florestal):
não basta plantar, é necessário saber fazê-lo e depois gerir de uma
forma profissional.

Ora, na actual área de eucalipto em Portugal, a 5.ª a nível mundial,
constatam-se já dezenas de milhares de hectares não geridos ou
sujeitos a uma gestão deficiente. O eucalipto, a seguir ao pinheiro
bravo, é uma árvore com forte risco de incêndio florestal. Ao não
garantir a gestão de novos eucaliptais pode-se estar, indirectamente,
a promover a "indústria do fogo" nas próximas décadas.

Por outro lado, a posterior reconversão dos eucaliptais, no final do
seu ciclo óptimo de exploração, ou seja após o 4.º corte, tem custos
elevadíssimos, o que porventura justifica a actual existência de
muitos eucaliptais abandonados. No caso, é necessário proceder ao
arranque dos cepos, o que pode aportar custos entre os 450 e ou 750
Euros por hectare, envolvendo maquinaria pesada, encargo esse que fica
nas mãos do proprietário florestal. Ou seja, acena-se com ganhos de
rendas ou de produtividades acima da média e oculta-se o custo final
de de reconversão dos eucaliptais.

CP – Quem lucra, na sua opinião, com esta medida? Fala-se sempre na
indústria da celulose. É a este sector que esta medida mais interessa?


PPC – Quem lucra claramente é a indústria de pasta celulósica e de
papel. Isso não é ilegítimo, discutível é o papel do Ministério.
Se o País lucra? É uma avaliação que importa fazer, ou seja, ao valor
bruto das exportações há que deduzir os custos com a depreciação ou
destruição dos recursos naturais associados à produção florestal. Ou
seja, há que calcular o valor líquido dessas exportações.

Reforçamos. Sem garantir a gestão da floresta, a consultoria técnica
aos proprietários (extensão florestal) e um justo funcionamento dos
mercados, temos dúvidas que os ganhos dos proprietários florestais
estejam assegurados, basta analisar do crescente abandono dos
eucaliptais em Portugal, o que parece ser um sinal óbvio da quebra de
expectativas neste negócio.

CP – Alguns especialistas consideram que o eucalipto, apesar de não se
adaptar a todo o território é economicamente competitivo. Concorda?

PPC – Existindo uma adequada gestão florestal em eucaliptais
instalados em regiões propícias à espécie, com solos e pluviosidade
adequados, garantindo para isso um serviço de extensão florestal, que
assegure, por um lado, a transmissão dos resultados da investigação
aplicada e, por outro, a formação profissional dos agentes envolvidos,
técnicos, empreiteiros, proprietários e trabalhadores florestais,
estarão criadas as condições fundamentais para o aumento da
produtividade dos eucaliptais (que não necessariamente da área), e bem
assim para o acréscimo do valor líquido das exportações.

Existem hoje, em Portugal, áreas propícias para este fim, como sejam
as área de Floresta Certificada, ou as áreas integradas em Zonas de
Intervenção Florestal, ambas sujeitas a planos de gestão florestal.
Estas áreas podem garantir o retorno económico de iniciativas de
arborização e rearborização, com qualquer espécie florestal.

CP – A área de eucalipto tem aumentado e a do pinheiro-bravo tem
decrescido. Qual a explicação para este cenário? Vamos assistir à
'eucaliptalização' do país?


PPC – As variações de áreas entre espécies são consequência, das
estratégias das diferentes indústrias florestais, das expectativas de
negócio dos proprietários florestais e dos riscos associados ao
investimento nas diferentes espécies (incêndios, pragas e doenças).

Curiosamente, esta variação de área entre estas duas espécies, apesar
do esforço dos contribuintes, não parece ter a ver com a existência de
apoios financeiros do Estado. Em concreto, o pinheiro bravo recebeu,
desde a adesão à UE e só para novas florestações, 700 milhões de Euros
de apoios públicos, muito embora, neste mesmo período, a sua área
global tenha regredido cerca de 400 mil hectares. Será que os
contribuintes ao invés de apoiarem o pinheiro bravo, apoiaram, contra
sua vontade, a "indústria do fogo". Seria bom que o Ministério
explicasse esta discrepância.

O eucalipto, após a adesão, não tem sido objecto de apoio financeiro
público aos proprietários florestais. Gerou até 1995 grandes
expectativas de negócio, mas com o mercado cada vez mais concentrado
ao nível da indústria (passámos de 4 para 2 empresas de pasta
celulósica), a área de eucaliptal sujeita a abandono tem aumentado. O
impacto tem sido evidente (fogos, pragas e doenças).

CP – Qual deve ser o papel do Estado em matéria de política florestal?

PPC – O papel do Estado tem de ser o de definir uma estratégia
política para as florestas e o sector florestal, assegurando uma
utilização racional dos recursos naturais (o que hoje parece não estar
a acontecer), de acordo com os princípios do desenvolvimento
sustentável, mas também de responsabilidade social, garantindo os
interesses das diversas fileiras silvo-industriais, sejam as
tradicionais, sejam as emergentes, como a da biomassa, quer para a
produção de energia calorífica, quer para energia eléctrica. Deve
ainda acompanhar as relações de mercado nas várias cadeias
silvo-industriais, assegurar os meios necessários à realização do
cadastro rústico, a uma adequação da fiscalidade à actividade
florestal, à redução dos riscos de investimento, à organização da
produção florestal (associativismo), a um serviço de extensão
florestal (assessoria técnica aos produtores), bem como garantir os
meios essenciais à investigação, para, entre outros, promover a
quantificação e qualificação de bens e serviços, obtidos nas
florestais, ainda hoje sem valor de mercado. Estes últimos serão no
futuro fundamentais para a actividade produtiva florestal (p.e:
sequestro de carbono, regularização dos regimes hídricos, protecção
dos solos, paisagem).

CP – Como se pode explicar que um país como Portugal com potencial de
floresta tenha de importar madeira anualmente?


PPC – Esta circunstância é o resultado da incúria dos vários Governos,
nas últimas duas décadas. Curiosamente, o Poder Legislativo tem
assumido as suas obrigações, mas, a Lei de Bases da Política Florestal
(Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto), continua ainda longe de atingir as
expectativas que criou na altura.

CP – Como podemos exportar a nossa floresta? Quais as grandes
urgências que carecemos nesta matéria?


PPC – Garantindo os compromissos assumidos a nível internacional,
concretamente no que respeita aos princípios do desenvolvimento
sustentável, Portugal dispõe de excelentes condições para a produção
de bens e serviços oriundos das florestas, com a subsequente criação
de riqueza, aumento do emprego e do bem estar das populações, com
destaque para o meio rural, bem como do acréscimo do valor líquido nas
exportações. O País regista a este nível, no total dos 27 estados
membros da UE, o maior Valor Acrescentado Bruto da fileira florestal
por hectare de floresta, 310 Euros por hectare.

Ao nível das exportações, no imediato, o País deverá investir
prioritariamente na garantia da gestão activa, profissional e
sustentável, dos actuais povoamentos florestais, ou seja, nas áreas
florestais instaladas e que, por estarem já em crescimento, podem
gerar bens mais rapidamente, como madeira ou cortiça. Deve ainda levar
em conta a actual situação económica em Espanha, destino de ¼ das
exportações do sector florestal português. Não pode também descorar a
aposta na inovação, Portugal ainda exporta muitos produtos de baixo
valor acrescentado.


(Artigo publicado em
http://www.cafeportugal.pt/pages/dossier_artigo.aspx?id=5107)

http://acrescimo-apif.blogspot.pt/2012/07/o-que-ganha-portugal-com-o-eucalipto.html

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