sexta-feira, 2 de março de 2018

Tenho de cortar as minhas árvores?


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Pois a Autoridade Tributária, o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (uf!) resolveram incomodar os cidadãos com um PDF a decretar que é obrigatório "limpar o mato e cortar árvores: 50 metros à volta das casas", bem como "cortar todas as árvores e arbustos a menos de cinco metros das casas". Quem não o fizer até 15 de março poderá pagar coimas de 140 a cinco mil euros. "E este ano as coimas são a dobrar", avisa o folheto da campanha Portugal sem Fogos Depende de Todos.

O facto de no verão passado terem morrido mais de cem pessoas por causa dos incêndios florestais leva-me a aceitar medidas draconianas para, rapidamente, reduzir a uma escala razoável este perigo mortal. Por isso, não tenho vontade de secundar protestos de autarquias e produtores florestais.

O pior, porém, é o PDF: mandam as autoridades cortar todas as árvores 50 metros à volta da minha casa... Todas? Só algumas? Então porque é que o texto também diz que tenho de cortar árvores a menos de cinco metros?... Se cortar as mais distantes não corto, também, as mais próximas?... Porque fazem esta distinção? Que confusão!...

"O melhor é ir ler a lei", pensei. Fui ver. O último decreto saiu há, apenas, 13 dias. É o 10/2018 e "clarifica os critérios aplicáveis à gestão de combustível no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios". Portanto, havia dúvidas suficientes para, agora, "clarificar".

No entanto, os seis artigos que se seguem parecem gozar connosco, são incompreensíveis, cheios de informação por consolidar e pedregulhos para o leitor: "O anexo ao decreto-lei n.º 124/2006, de 28 de junho, alterado pelos decretos-leis n.os 15/2009, de 14 de janeiro, 17/2009, de 14 de janeiro, 114/2011, de 30 de novembro, e 83/2014, de 23 de maio, e pela lei n.º 76/2017, de 17 de agosto, passa a ter a redação do anexo ao presente decreto-lei"...

Jesus!, como é possível no século XXI, com o facilidade do copy and paste, ainda se fazer este tipo de redação de leis, sem incorporar, no texto novo, as partes não alteradas dos articulados antigos?...

Fui ver o tal anexo. Diz que "a distância entre as copas das árvores deve ser no mínimo de dez metros nos povoamentos de pinheiro bravo e eucalipto" e de quatro metros para as outras espécies. Mais adiante explica que "as copas das árvores e dos arbustos devem estar distanciadas no mínimo cinco metros da edificação, evitando-se ainda a sua projeção sobre a cobertura do edifício". Parece razoável...

Mas de onde veio a ideia de que era preciso cortar todo o arvoredo a 50 metros à volta da casa? De onde veio o apelo a esta razia?

Fui ver o texto legal original que recebeu não sei quantas "clarificações" e "alterações": o decreto-lei 124/2006. Fiquei a saber que os 50 metros em causa são apenas a zona de responsabilidade de certos proprietários, que terão de cortar árvores nas distâncias, bem mais modestas, atrás descritas e, também, desbastar copas, reduzir arbustos e cortar matos. Parece-me aceitável.

Porém, como reportaram os jornais, graças ao zelo estúpido da Autoridade Tributária, do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (uf!), milhares de pessoas, com medo das coimas "a dobrar", esventram os seus quintais, perdem sombras, transformam em deserto pequenos oásis de verde, de fresco e de descanso...

A tradicional falta de clareza e o português opaco e aselha das nossas autoridades estão a provocar, novamente, um desastre ecológico. Que crime!...

... ou fui eu que percebi mal e tenho mesmo de cortar as minhas árvores?

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