OPINIAO
Carlos Neves
A crise económica que o país atravessa é também uma crise de valores e
essa realidade é transversal ao sector agrícola. Se faltam valores, há
que apontá-los, promovê-los, trabalhar por eles. Comecemos por
identificá-los e reflectir sobre eles:
O valor da agricultura e dos agricultores na sociedade e nas
organizações agrícolas
A agricultura é uma das actividades menos valorizadas na sociedade
portuguesa. O agricultor está na base da pirâmide social. Valorizamos
pouco as pessoas do sector. Pior é quando isso acontece dentro das
organizações agrícolas: Dirigentes de longa data concentram-se no
objectivo de desenvolver as "suas" organizações e / ou de manter o
lugar que ocupam com os privilégios adquiridos e esquecem as suas
origens, quem os nomeou ou elegeu e esquecem que as organizações foram
criadas para servir as pessoas, os associados, os produtores, e não o
contrário. E este reparo é válido também para os funcionários que
assumem a direcção das organizações com os mesmos erros…
O valor dos produtos agrícolas
Não vale a pena ter palavras bonitas de apoio aos agricultores sem
estar disposto a pagar um preço justo pelo produto do seu trabalho.
Não vale a pena apoiar a instalação de jovens agricultores ou dar bons
subsídios de apoio ao investimento se o futuro da actividade for
perder as poupanças investidas, os empréstimos obtidos e os apoios ao
investimento. Em primeiro lugar, não podemos aceitar preços de venda
ao público abaixo dos custos de produção, só porque os hipermercados
precisam de um isco para atrair clientes; Depois, quando funciona a
cadeia de valor, é preciso que a repartição seja justa de acordo com o
esforço, o investimento e o risco de cada elo da cadeia. Na prática,
sabemos que a margem do comércio e por vezes da agro-indústria é muito
superior à do produtor.
O valor da austeridade
Fala-se muito de austeridade enquanto castigo imposto pela troika em
troca do apoio concedido ao país; Na prática, trata-se de reduzir
gastos para os equilibrar com as receitas e poder pagar as dívidas…
contraídas quando se gastou mais do que se produziu. Por isso a
austeridade, se for sinónimo de simplicidade, frugalidade, corte de
despesas supérfluas e gastos faustosos, negócios ruinosos, é um valor
importante para a agricultura, nomeadamente para os nossos dirigentes
e organizações agrícolas.
O valor da democracia
Diz-se que a democracia é o pior dos sistemas políticos, com excepção
de todos os outros; As ditaduras ou anarquias não são alternativas. A
democracia é um valor a cultivar nas nossas cooperativas e
associações.
O valor da participação
Para que a democracia funcione, precisamos de participação. A
abstenção é um enorme ataque à democracia, é pecar por omissão.
Participar nas assembleias-gerais, nas eleições, nas listas da posição
ou da oposição exige um esforço pessoal, exige deixar o conforto, a
casa, a família, o trabalho, enfim, deixar o seu próprio umbigo para
partilhar com os outros a vida das organizações agrícolas. Tomar uma
posição em público, falar e votar para aprovar ou rejeitar é um
serviço de muito valor.
O valor da transparência
Em democracia, exige-se aos líderes que sejam transparentes e
partilhem a gestão da causa comum. Com excepção de situações pessoais
de terceiros ou segredos de negócio, os números das organizações
agrícolas devem ser partilhados de forma transparente de modo a que os
sócios possam apreciar e reprovar ou apoiar a gestão efectuada de
forma consciente.
Os valores da solidariedade e voluntariado
Em tempo de crise, temos de inventar novas formas de acção, temos de
partilhar o que temos, eventualmente algum do nosso tempo, com quem
mais precisar. Ao longo dos anos, tenho participado em organizações
exclusivamente baseadas no trabalho voluntário e posso dizer que é
gratificante. Além de acções mediáticas como os milhares de
voluntários do banco alimentar ou instituições como bombeiros
voluntários ou cruz vermelha, há muita gente, alguns em organizações
agrícolas que, de forma gratuita, voluntária, abnegada, dão um pouco
de si para construir algo mais positivo por todos. Quando deixamos de
nos concentrar nas nossas dificuldades e limitações, deixamos de ter
pena de nós e fazemos alguma coisa por todos, sentimo-nos bem e o
mundo fica um pouco melhor.
Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP
http://www.agroportal.pt/a/2011/cneves3.htm
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