sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Aproveitar 'onda positiva' para potenciar o que é nacional

MÊS DAS MARCAS COM HISTÓRIA
por Sónia SimõesHoje

No quarto debate realizado no auditório do DN no âmbito do projecto
Made in Portugal falou-se na resistência de algumas marcas mas também
da necessidade de mudar mentalidades e fazer os portugueses
acreditarem no que é nacional.
Desvendaram-se segredos de sucesso, como a inovação, a qualidade e a
consistência. E contaram-se histórias de outros tempos. Sabia que o
fundador da Licor Beirão pediu dinheiro emprestado para publicidade e
andou de balde na mão a colar cartazes à beira das estradas? Ou que a
farinha 'Branca de Neve', a primeira com fermento, era oferecida a
quem fosse ao teatro? E que há produtos portugueses, especialmente os
manufacturados, que podem morrer porque mais ninguém os sabe fazer?
Estava em Espinho e presidia à Associação Empresarial de Portugal
(AEP) quando foi abordado por um construtor que insistiu em

mostrar-lhe o andar modelo de uma construção recente. Ludgero Marques
acedeu e assim que chegou ao apartamento foi confrontado com a
afirmação: "Isto aqui é tudo material de qualidade, é tudo importado."
A história passou-se há cerca de cinco anos e foi recordada no
auditório do DN pelo vice-presidente da AEP, Paulo Nunes de Almeida.
Do episódio nasceu a consciência de que era preciso valorizar o que
por cá se faz e o projecto Compro o que é nosso.
"Era preciso combater a ideia de que o que é importado é que é bom e o
doutor Ludgero propôs-me promover aquilo que é nosso", explicou Paulo
Nunes de Almeida, um dos oradores no debate sobre "Marcas com
história", realizado a 15 de Dezembro no DN (ver texto secundário). A
seu lado, Catarina Portas, que por paixão aos produtos portugueses se
tornou uma empresária de sucesso, reforçou a ideia. "Há 30 anos as
embalagens dos sabonetes Ach Brito e Confiança eram rotuladas em
francês, porque era a única forma de vender o produto."
Entre um painel de convidados, moderado pelo jornalista António Perez
Metelo, que incluía José Redondo, sócio-gerente da Licor Beirão, e
António Trigueiros de Aragão, o homem por trás das farinhas Branca de
Neve, formou-se consenso em torno da "onda positiva" que nesta altura
envolve os produtos nacionais e da necessidade de potenciar este
ambiente favorável para levar os consumidores portugueses a preferirem
o que é nacional, sobretudo nesta altura em que é necessário apostar
na exportação e diminuir as importações.
Catarina Portas contou como é que uma investigação acabou num negócio
que está a crescer e que é procurado por grandes empresas
estrangeiras. Em 2004 comecei a ver as mercearias desaparecerem e com
elas alguns dos produtos portugueses que conhecia", disse. Doze anos
antes, segundo contou, era ela jornalista na extinta revista Marie
Claire quando fez um trabalho com Miguel Esteves Cardoso, em que ele
elegia vários produtos nacionais. Naquele ano, Catarina decidiu fazer
um levantamento para perceber quais desses produtos ainda estavam no
mercado.
"Com os Gato Fedorento vestidos à Mocidade Portuguesa e Salazar a
vencer o concurso dos Grandes Portugueses, percebi que a minha geração
se interessava em descobrir a geração do Estado Novo e a geração da
Revolução." Um dia, em casa, começou a combinar produtos, daí surgiu a
ideia de os comercializar. "O director da Ach Brito, José Fernandes,
acreditou logo no projecto desde o primeiro momento", lembrou Catarina
Portas, que andou pelo País à procura de possíveis produtos. Hoje,
comercializa dezenas de marcas portuguesas.
Para o dono das Fábricas Lusitana, empresa que detém as marcas Branca
de Neve e Espiga, o segredo em manter uma marca ao longo de décadas,
galgando crises, assenta em quatro pilares: consistência, comunicação,
qualidade e inovação. "De que vale a publicidade se o produto não for
bom?", interrogou o homem que comprou a empresa do bisavô aos
descendentes e que a manteve em Alcains, Castelo Branco, enfrentando
os problemas da interioridade.
Também fora das grandes cidades está o sócio-gerente da Licor Beirão,
José Redondo. O empresário da Lousã cresceu na empresa da família e
aprendeu a lição do pai: publicitar a marca. "Em 1940 o meu pai
investiu o dinheiro todo na fábrica e depois teve coragem de pedir
dinheiro emprestado para fazer publicidade", recordou. Foi ele quem
andou de balde e cola na mão a colar cartazes por todo o País.
Criatividade não falta à empresa. Agora há outdoors com caricaturas do
Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e da chanceler alemã, Angela
Merkl, com a marca Licor Beirão. Mais arrojada é a campanha
recentemente lançada em Espanha, com a cara de Paulo Futre. Se no
mercado nacional José Redondo conhece as suas limitações (40% dos
portugueses ainda não provaram esta bebida), já que comercializa uma
bebida espirituosa, a internacionalização tem de ser cautelosa. "Não
posso tentar vender o Beirão como um licor português tal como a
Colômbia não pode vender um perfume como produto colombiano",
justifica. Ainda assim, os filhos já contribuíram para a expansão do
negócio ao criarem o Caipirão e o Morangão para quem não gosta de
Licor Beirão.
Mais comedido na publicidade é Trigueiros de Aragão. "Apostamos muito
numa relação directa com os consumidores, não há tanta publicidade em
televisão ou outdoors, mas há nas grandes superfícies", refere o
empresário. Mas nem sempre os tempos foram assim. "A farinha Branca de
Neve é mais conhecida porque foi a primeira com fermento em Portugal e
teve uma grande campanha. Chegou a aparecer num filme, pelas mãos da
actriz Laura Alves, e era oferecido um pacote de farinha a cada
espectador que ia ao teatro."
Para Catarina Portas o preocupante é que alguns produtos tipicamente
portugueses vão deixar de existir a curto prazo. Fala, sobretudo, de
manufactura e artesanato. "Quase todos os dias vendo um cobertor de
papa e só há um senhor em Portugal a fazê-lo. Tem mais de 80 anos, sei
que um dia este produto vai deixar de existir", refere. Por isso,
deixa uma recomendação para os mais jovens desempregados que se
queixam em manifestações por não terem trabalho: "Pensem na
manufactura portuguesa." E salienta a falta de empreendedorismo de
muitos portugueses e o facto de outros se limitarem a copiar os
negócios que já existem. A empresária começou por abrir uma loja no
Chiado, depois outra no Porto. Abriu quiosques de Lisboa, ao abandono,
e vende produtos online para o mundo inteiro. Factura aquilo que,
segundo diz, nunca pensou "nem nos meus sonhos mais selvagens". Sonhos
que valem dois milhões de euros.
http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=2212749&page=-1

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