segunda-feira, 18 de maio de 2015

Governo avança com tomada de posse das terras sem dono conhecido



Por Manuel Carvalho

04/05/2015 - 09:34

Terras abandonadas que não sejam alvo de reclamação por parte dos seus proprietários entram ao final de três meses na Bolsa de Terras e passam de vez para a esfera do Estado ao final de 18 anos.
Pedro Cunha

O Ministério da Agricultura e do Mar enviou para a Assembleia da República um projecto de lei que aponta para a transferência das propriedades agrícolas ou florestais sem dono conhecido para o domínio do Estado. A iniciativa do Governo é um desenvolvimento da lei que consagrou a Bolsa de Terras, em 2012, e tem como principal objectivo "dinamizar o uso da terra, em particular pelos jovens agricultores".

Ninguém sabe ao certo a área de propriedades abandonadas e sem dono conhecido – as estimativas do Instituto Nacional de Estatística apontam para 100 mil hectares da superfície agrícola utilizada (SAU) nessas condições. A lei, diz a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, vai servir como um "tira-teimas" sobre a dimensão do abandono de terras em Portugal.

Há décadas que em Portugal se discute o que fazer com amplas áreas do território que estão ao abandono, principalmente terras florestais de regiões sujeitas a fortes processos de desertificação. Os agrónomos, os ambientalistas e os silvicultores têm apontado com frequência os custos desse abandono ao nível da propagação de pragas ou da dimensão dos incêndios. A possibilidade de, como acontece em outros países europeus, o Estado tomar posse desses terrenos, proceder a "práticas silvícolas mínimas", cortar e vender madeira para ressarcir os encargos com a limpeza são discutidos com regularidade.

Nenhum governo foi capaz de arriscar essa iniciativa e Assunção Cristas e a sua equipa demoraram dois anos a conseguir um projecto de lei que está longe de ser tão intrusivo na esfera da propriedade privada. De resto, acredita a ministra, já hoje existe a possibilidade de privados, de gestores das zonas de intervenção florestal (ZIF) ou das próprias autarquias poderem proceder a limpeza de matas ou de terrenos abandonados por terceiros, particularmente em casos em que a segurança da propriedade esteja ameaçada pelo fogo.

Com base nestes pressupostos, a proposta do Governo "é cautelosa e garantística", diz Assunção Cristas. Na melhor das hipóteses, uma terra abandonada e sem dono conhecido será sujeita a várias diligências processuais para permitir que seja reclamada e só ao fim de 18 anos é que a sua matriz poderá ser registada em nome do Estado – o que não quer dizer que entre rapidamente na Bolsa de Terras e possa ser arrendada ao final de alguns meses após a sua identificação. "Só podemos dizer que defendemos a propriedade quando a valorizamos", diz Assunção Cristas, o que, como tese, significa que quem deixa as suas terras ao abandono corre o risco de as ver intervencionadas pelo Estado e ser obrigado a ter de disputar administrativamente a sua posse.

O processo começa com a identificação de terras sem dono conhecido, uma tarefa à escala nacional que envolve departamentos regionais do Ministério da Agricultura, câmaras municipais, juntas de freguesia e uma rede de gestores operacionais (GeOp) da Bolsa de Terras, como associações de agricultores dispersas pelo país.

Depois de identificada uma terra nas condições previstas pela lei, faz-se a publicidade sobre a intervenção nessas terras e concede-se 90 dias aos seus proprietários para reclamarem a sua titularidade – a publicitação faz-se à escala local, em sede nacional e envolve os consulados portugueses no estrangeiro.

Após estes 90 dias, as terras entram na Bolsa de Terras e podem ser arrendadas por um prazo de um ano até ao limite máximo de três anos. No final deste prazo, procede-se a uma nova ronda de publicitação à procura de titulares dos terrenos que provem documentalmente o seu direito de posse. Finda esta fase, e na eventualidade de permanecerem sem dono, as propriedades são inscritas no Sistema de Informação de Bolsa de Terras, condição suficiente para que a sua matriz seja registada em favor do Estado. Mas só no final de um período de 18 anos é que o Estado assume a plena posse – neste período o Estado não as poderá vender ou onerar definitivamente. Se por acaso os legítimos donos aparecerem e comprovarem a propriedade do terreno, têm direito a "receber o montante correspondente às renda e ou a outros proveitos entretanto recebidos pelo Estado, deduzido o valor das despesas e ou benfeitorias necessárias realizadas no prédio".

Para o Governo, o efeito que esta legislação poderá ter na capacidade de oferta da Bolsa de Terras é desconhecida. Na situação actual, e após dois anos em vigor, a bolsa cedeu 2865 hectares e dispõe ainda de quase 12 mil hectares para distribuir. A maioria destes terrenos (7892 hectares) tem aptidão exclusivamente florestal. A incógnita que este processo suscita desde o início junto de agrónomos ou de instituições como a CAP relaciona-se com a qualidade das terras que estão ao abandono – um ponto de vista que se alicerça na constatação de que as terras com aptidão estão florestadas ou agricultadas.

A ministra da Agricultura relativiza estas dúvidas: "O que hoje não dá para a agricultura pode vir a dar amanhã."

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