terça-feira, 17 de maio de 2016

Fazer uma formação de 29 horas para poder matar ervas daninhas



CARLOS SANTOS / GLOBAL IMAGENS

Novas regras, aplicadas desde 1 de maio, obrigam agricultores a ter um certificado para comprar e aplicar herbicidas. Já há 184 mil profissionais agrícolas credenciados

Frequentar um curso com 29 horas de formação - um primeiro módulo de quatro horas a que se seguirão outras 25 até 2018 - passou a ser obrigatório para que os agricultores possam comprar e aplicar herbicidas nas suas culturas. Desde o dia 1 que só com o certificado na mão e fazendo prova de que estão inscritos no curso para concluir até final do mês podem ter acesso ao cartão de aplicador passado pelos serviços do Ministério da Agricultura.

Não admira que nesta altura os agricultores "corram" atrás das novas regras que os habilitam a comprar e aplicar herbicidas, como o glifosato, o pesticida potencialmente cancerígeno mais utilizado quer pelas autarquias para matar ervas daninhas quer nos terrenos de cultivo, como os de arroz, mas que continua à venda nos supermercados. É que sem o cartão de aplicador os estabelecimentos não poderão vender os produtos, pelo que já são 184 938 os profissionais certificados em todo o país, segundo o Ministério da Agricultura, mas, ainda de acordo com a tutela, nem todos pagaram o mesmo preço pelo curso. Houve juntas de freguesia que cobraram apenas 15 euros, mas alguns centros formação terão chegado aos 400.

Os dados do ministério reportam a 31 de março, quando 150 417 agricultores já tinham frequentado o curso, através de 1719 ações, e outros 34 251 se encontravam inscritos em formações básicas de quatro horas, que deverão estar concluídas até 31 deste mês. O facto de estarem a frequentar os cursos já lhes permite ter acesso ao certificado, mas ainda haverá perto de 120 mil profissionais - num universo de 300 mil agricultores - que não frequentam as formações, segundo a estimativa da tutela, estando impossibilitados de comprar fitofármacos. "Se não exibem o certificado de aplicador, os estabelecimentos comerciais ficam impedidos de vender qualquer produto. Muita gente vai ter surpresas com multas", avisa José Manuel Lopes, técnico da Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal (AADS).

Esta entidade já formou mais de 1300 profissionais, à ordem de 50 euros por pessoa num primeiro módulo de quatro horas, contemplando a atribuição do cartão de aplicador, que custa cinco euros se for adquirido nos serviços do Ministério da Agricultura, podendo a requisição ser feita apenas perante a exibição do certificado que comprova a frequência do curso.

Joaquim Cassuete, proprietário de três hectares de vinha em Palmela, foi um dos agricultores que já frequentaram o curso. Assume que ainda mantinha práticas utilizadas pelo pai e pelo avô quando aplicava pesticidas, sem grandes cuidados ao nível do manuseamento. "Usava óculos e raramente a máscara e luvas. Vestia calças de ganga e camisa que iam para lavar", admite. Hoje tem à mão o novo kit com proteção total. Do fato aos ósculos, da máscara às luvas e até um saco próprio para as embalagens vazias que, após a lavagem, são encaminhadas para reciclagem. Mostra ainda a ficha onde a compra dos produtos fica registada com nome comercial, autorização de venda, nome do vendedor, data e local, dose ou concentração, quantidade de calda, área protegida, cultura ou espécie florestal, além da praga ou doença.

"Dantes, as embalagens eram queimadas, até aparecerem os ecopontos", recorda Joaquim Cassuete, enquanto Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal, recorre a um célebre anúncio televisivo onde a família Prudêncio aconselhava a queimar e enterrar as embalagens dos fitofármacos. "Isso era há cerca de 30 anos. Hoje a família Prudêncio estaria a cometer um crime ambiental, porque a investigação está sempre a avançar e muda regras", sublinha o dirigente, avisando que, contra os equívocos ainda instalados, "a formação é apenas para aplicadores profissionais", apesar de qualquer pessoa a poder fazer.

É uma questão polémica a imiscuir-se no processo, tendo o Ministério da Agricultura conhecimento de que foram muitas as pessoas detentoras de pequenos terrenos que fizeram o curso sem necessidade, impulsionadas por centros de formação profissional. A tutela revela que o cartão de aplicador apenas deve ser solicitado a proprietários com uma área superior a 500 metros quadrados. Abaixo já não é considerado profissional, desde que seja para autoconsumo.

Também por isto o ministro Capoulas Santos avançou com uma moratória no final do ano, já que desde 26 de novembro os agricultores tinham ficado impedidos de aplicar ou adquirir pesticidas se não tivessem a certificação.

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