quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Austeridade verde para um Portugal esbanjador

DEBATE O ESTADO DO AMBIENTE
por Rui Pedro AntunesHoje

António Perez metelo (ao centro) moderou o debate que contou com a
participação de Eugénio Sequeira, Francisco Ferreira, Viriato
Soromenho-Marques e Filipe Duarte Santos. Fotografia © Leonardo
Negrão/Global Imagens
O País deve parar com o crescimento baseado no betão e conseguir
conciliar a austeridade com as políticas ambientais. Os especialistas
presentes no debate organizado pelo DN, que finalizou a Grande
Investigação sobre o tema, e que ontem estiveram no auditório, em
Lisboa, defendem que a crise é uma oportunidade para mudar o paradigma
instalado, mas não deve ser desculpa para desinvestir no setor. Senão,
ainda nos sairá mais caro.

Portugal gasta os recursos que tem e os que não tem. A crise está a
tirar de cena o ambiente, mas pode também ser uma oportunidade para
mudar a postura de "novo rico" que o País tem seguido nos últimos
anos. Para isso é preciso que a classe política tenha vontade de
começar a olhar para o ambiente, o que não tem acontecido. Estas são
algumas das conclusões dos convidados do debate realizado ontem no
Auditório do DN sobre "O Estado do Ambiente" e que fechou a Grande
Investigação, publicada entre domingo e ontem, sobre o tema.
O debate - moderado pelo redator principal do DN, António Perez Metelo
- contou com a presença do fundador da Liga para a Proteção da
Natureza (LPN), Eugénio Sequeira, do especialista em alterações
climáticas Filipe Duarte Santos, do ex-presidente da Quercus Francisco
Ferreira e de Viriato Soromenho-Marques, membro do Conselho Nacional
do Ambiente.
Francisco Ferreira classifica Portugal como "um país esbanjador",
dando como exemplo a elevada pegada ecológica e os desperdícios de
energia. "Temos novas escolas que só funcionam com o ar condicionado
ligado porque as janelas não abrem", exemplifica. O representante da
Quercus acredita que o País deve abandonar o conceito de "crescimento
e de aumento do consumo" e assumir como grande desafio "conjugar a
austeridade com políticas ambientais". Viriato Soromenho-Marques
aponta mesmo uma " austeridade com matriz verde" que aumente a
produção alimentar e a produção de eletricidade com recursos
endógenos.
O fundador da LPN partilha da ideia de que Portugal tem de ser mais
sustentável e alerta: "Nos últimos anos gastámos 'à tripa-forra'.
Temos de parar! Se delapidarmos os recursos, não teremos economia no
futuro." Eugénio Sequeira lamentou que nos últimos anos tenha existido
uma construção desenfreada e uma aposta em betão "que não serve para
nada". Defende, por isso, que o paradigma de desenvolvimento deve ser
alterado, sendo necessário "mudar mentalidades". A crise, defende,
"não é económica, é de ética".
A alteração do paradigma precisa, porém, da vontade da classe política
em tomar medidas na área do ambiente. Viriato Soromenho-Marques não
acredita que a governação esteja à altura. O membro do Conselho
Nacional do Ambiente considera que "a sociedade civil está disposta a
fazer sacrifícios, se for caso disso, mas a classe política é
incompetente e pode levar-nos a uma situação catastrófica". Diz ainda
que, a nível interno, Portugal não tem conseguido "estabelecer uma
verdadeira política de longo prazo que seja capaz de ultrapassar os
ciclos eleitorais, capaz de levar os partidos a um consenso
estratégico". Soromenho-Marques dá como exemplo do desnorte nesta área
o facto de a pasta do Ambiente ter sofrido mutações nas orgânicas dos
últimos governos. "O Ministério do Ambiente teve seis designações em
16 anos. Quando o sistema político não é capaz de dar um nome à coisa,
significa que não se sabe o que é a coisa", comentou.
Embora lembre que Portugal é o quarto país da Europa dos 27 com maior
dependência energética do exterior, Filipe Duarte Santos considera ser
"importante estarmos disponíveis para encontrar soluções e ter
otimismo". O especialista em alterações climáticas lembra, por isso,
que "Portugal é também o quarto País da União Europeia que produz mais
eletricidade a partir de renováveis". Em termos ambientais, Filipe
Duarte Santos considera até que "Portugal está no grupo dos menos
maus".
Mas este é um problema mundial. O especialista em alterações
climáticas considera que a nível global o "desenvolvimento é
insustentável" e, se o paradigma não for alterado, vão suceder-se
"crises financeiras, económicas, sociais e ambientais".
E o relógio é inimigo no ambiente. "O tempo é o recurso mais escasso",
alerta Filipe Duarte Santos. E a crise pode atrasar o processo.
Francisco Ferreira alerta que "com menos dinheiro está-se a retroceder
nas políticas de médio/longo prazo geradoras do chamado emprego
verde". Em Portugal, critica, "desapareceram as deduções do IRS para a
compra de painéis solares e outras medidas do género. Estamos a passar
do 80 para o oito e isso vai custar-nos caro no futuro do ponto de
vista económico e ambiental".
Quanto à nova equipa ministerial, Francisco Ferreira considera que "o
aparelho do novo ministério ainda não está a funcionar". E ainda há a
troika. "As metas troikianas estão-nos a fazer esquecer o ambiente." O
representante da Quercus deixa, no entanto, um conselho à tutela:
"Vale mais o Ministério do Ambiente ter poucas ideias mas boas do que
anunciar várias medidas e esquecer-se do essencial."
Todos os convidados do debate concordaram que o ambiente e a economia
andam de mãos dadas. Até nos problemas. No fim de contas, tudo vai
parar a Bruxelas ou Berlim. Como explicou Viriato Soromenho-Marques:
"A crise da sustentabilidade é fundamentalmente uma crise política. É
a incapacidade de termos lideranças capazes de ver no médio e longo
prazo." E acrescenta: "O mesmo padrão medíocre, incompetente e egoísta
de pensamento encontra-se tanto no ambiente como na gestão da crise
europeia."
http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2320378&page=-1

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