quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Nasceu um grande vinho do Douro

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Por Pedro Garcias
22.02.2012
Proprietário do maior grupo mundial de moda infantil, Roger Zannier
perdeu-se de amores pelo Douro. Comprou duas quintas, construiu uma
adega de topo e transformou uma velha casa rural num imponente turismo
rural. Fomos conhecer o projecto e provar os primeiros vinhos. Um
deles vai ser um caso sério.
A história, resumida, é mais ou menos assim: Roger Zannier, empresário
têxtil francês, visitou diversas vezes Portugal, onde chegou a ter
negócios no ramo. Numa dessas viagens, guiado por Christian Seely, o
actual director geral da Axa Millésime, proprietária da Quinta do
Noval, conheceu o Douro verdadeiro e, perante o dossel de montanhas e
vinhas em socalco ladeando o rio, terá sentido um arrebatamento
avassalador, caindo de amores pela região. Isso foi há mais de 20
anos.

Algum tempo depois, Roger Zannier comprou a Quinta do Pessegueiro, de
nove hectares, situada no vale do rio Távora, afluente do Douro, mesmo
junto à Quinta do Panascal, da Taylor's. Foi vendendo as uvas à Quinta
do Noval, que lhe engarrafava uma parte como Porto Vintage.
Roger Zannier gostava do Douro e de vinhos, mas o seu negócio era (e
é) a moda infantil. O grupo Zannier é o líder mundial do sector,
facturando anualmente mais de mil milhões de euros. Em 2006, já com 61
anos, o empresário resolveu finalmente dar uma outra dimensão ao seu
sonho duriense, investindo a sério. Nesse ano, comprou a Quinta da
Teixeira, situada na margem esquerda do Douro, mesmo entre as quintas
de Ventozelo e Tecedeiras, contratou o enólogo João Nicolau de Almeida
(filho de João Nicolau de Almeida, da Ramos Pinto), começou a renovar
as vinhas e foi desenhando mentalmente os primeiros esquissos de uma
adega e de uma unidade de agro-turismo.
Hoje, quem passar por Ervedosa do Douro, a caminho de São da
Pesqueira, vislumbra ao longe, no topo da vertente virada a norte do
vale do Douro, um edifício de betão com uma grande superfície
envidraçada. O edifício distingue-se na paisagem, mas não choca, nem
cria grande impacto visual. Quando nos aproximamos, percebe-se que não
é uma obra qualquer, mas a grande surpresa só acontece mesmo quando
transpomos a zona de recepção de uvas e entramos na adega.
Lá dentro, um enorme fosso interior separa e liga dois corpos laterais
que se desdobram em vários pisos. Num dos corpos, em camadas
sucessivas, situam-se a recepção de uvas, a vinificação e a sala de
barricas; no outro, ficam as salas com o produto acabado. Ao meio, no
fosso interior, uma cuba-elevador faz o circuito entre os vários pisos
ligados à vinificação. O arrojado e vanguardista projecto, da autoria
do gabinete português Oito em Ponto, foi pensado para permitir que
todas as operações sejam feitas por gravidade, incluindo as trasfegas
e as remontagens dos vinhos, estas com o auxílio da cuba-elevador.
Em modernidade, sofisticação e funcionalidade, só mesmo a adega da
Quinta de Nápoles, da Niepoort, se compara à adega da Quinta do
Pessegueiro, de Roger Zannier. Uma espécie de "Rolls Royce" com
capacidade para produzir até 200 mil garrafas, entre vinhos tranquilos
e vinho do Porto. É este o limite máximo que Roger Zannier tem no
horizonte, embora nesta fase a produção seja ainda bastante reduzida.
A aposta passa pela produção de vinhos de quinta de alta qualidade,
sem recurso a uvas de terceiros, repetindo o conceito de domaine
francês.

Douro casa adentro
O projecto leva o nome Quinta do Pessegueiro e é, juntamente com o
Château Saint Maur, na Provença, um dos Domaines Roger Zannier (além
de vinhas, o empresário possui um hotel no Camboja e um chalet na
estância de esqui de Megève, em França). O empresário optou pelo nome
da primeira quinta que comprou no Douro, apesar de a adega se situar
mais próxima da Quinta da Teixeira. Em redor da adega, vai ser
plantado um hectare de vinha com castas brancas. A Quinta da Teixeira
fica um pouco mais abaixo, já perto do rio, mesmo em frente à
fantástica Quinta da Romaneira.
A encosta, muito íngreme, é um mosaico de matos mediterrânicos e
vinhas em socalcos. Os acessos são em terra batida e, embora difíceis,
proporcionam de todas as perspectivas panorâmicas deslumbrantes do
vale do Douro. Mas, surpresa das surpresas, nenhuma se compara com os
cenários que nos esperam na casa da quinta e futura unidade de
agro-turismo. A obra, de estilo moderno com ressonâncias clássicas, de
arquitectura senhorial, está quase terminada. Pela sua localização e
pelo desenho dos quartos, salas e varandas, o Douro parece que entra
casa adentro, gerando planos prodigiosos.
Em redor, estendem-se as vinhas, algumas ao alto, outras em socalcos.
Mais em cima, dissimulados por entre a vegetação, escondem-se muretes
seculares de xisto que já suportaram pequenos terraços de vinha ou de
olival. Alguns estão a ser arroteados de novo, num trabalho quase
arqueológico.
Nesta fase, a área de vinha da Quinta do Pessegueiro (somando todas as
propriedades) é de 20 hectares e poderá subir para 30 hectares, não
mais. É uma área relativamente pequena face aos muitos milhões de
euros (entre os oito e os 10 milhões) que Roger Zannier já investiu no
projecto. Mas o empresário costuma dizer que está a construir algo
para os netos, não olhando, por isso, para a sua rentabilidade
imediata.
Por agora, o que o move é fazer vinhos que se batam com os melhores do
mundo. A gama da Quinta do Pessegueiro incluirá um colheita, um
reserva e um reserva especial. A adega só começou a funcionar em 2010,
mas desde 2006 que João Nicolau de Almeida começou a vinificar, numa
adega alugada, algumas uvas das quintas da empresa. Os dois primeiros
vinhos, dois tintos de 2008 e 2009, foram esta semana apresentados
publicamente, em estreia mundial.
Provámo-los na adega, juntamente com as bases da colheita de 2010, e é
notória a existência de um estilo que se afasta do perfil tradicional
dos vinhos do Douro. João Nicolau de Almeida quer recuperar os
conceitos do avô, Fernando Nicolau de Almeida, o homem que criou o
Barca Velha, apostando em vinhos com mais acidez e menos álcool. Dos
dois vinhos agora apresentados, o Quinta do Pessegueiro Reserva 2008
possui 14% de álcool e passou 21 meses em barricas novas. O Quinta do
Pessegueiro Reserva Especial 2009 tem 13% de álcool e fermentou e
estagiou em tonéis novos e usados.
O primeiro, lote de vinhas velhas, Touriga Franca e Touriga Nacional,
é um vinho terroso e vegetal, com boa fruta na boca, excelente
estrutura e madeira ainda bem evidente. Muito bom. O segundo, lote
ainda mais alargado, juntando uvas das duas quintas, algumas de vinhas
velhas, e também uma parte generosa da cada vez mais mal-amada Tinta
Roriz (importante no Barca Velha, por exemplo), é simplesmente um
vinho extraordinário.
Será esta a referência da Quinta do Pessegueiro. O vinho só é
engarrafado em anos excepcionais. Em 2010, por exemplo, não haverá
reserva especial. O 2009 não tem o tempo que é dado aos vinhos
lendários, mas, mesmo assim, promete ser um caso sério. Delicado e
profundo, elegante e complexo, ressuma pureza e frescura balsâmica,
mostrando uma admirável textura, com taninos de grande qualidade e uma
acidez exaltante. Quase não se sente a madeira, tão boa foi a
integração. Exuberante e rico de aroma, o vinho parece que cresce na
boca, revelando um nervo incrível. Irá custar um pouco mais de 50
euros, mas vale-os. Nasceu um novo grande tinto do Douro.
http://fugas.publico.pt/vinhos/300647_nasceu-um-grande-vinho-do-douro?pagina=-1

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