segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Só de pão podia viver o homem

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18 de Fevereiro, 2012por Joana Ludovice de Andrade
Água, farinha e sal. A receita é tão simples quanto antiga. A
diferença está na escolha dos cereais ou de frutos secos para fazer a
farinha, ou em outros ingredientes ao gosto da região ou do próprio
padeiro. Há pão que leva cerveja ou leite.
A adição ou não de fermento também dá forma e sabores diferentes. O
primeiro pão fermentado foi descoberto por acaso, quando uma massa sem
fermento ou levedura foi deixada ao ar e os microrganismos presentes
fizeram o resto.
O pão, como o conhecemos hoje, remonta a quatro mil anos antes de
Cristo. Os egípcios usavam este alimento em trocas e como salário dos
camponeses, e os gregos começaram a confeccioná-lo na mesma época. Em
Roma, o seu aparecimento foi mais tardio, tendo surgido 800 a.C., no
entanto, foram os romanos que criaram a primeira escola de padeiros.
Rico em hidratos de carbono, é um alimento base da dieta de quase
todos os povos, e para todos tem um valor económico, cultural e
religioso. Na Bíblia, existem pelo menos 250 referências ao pão.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, deve comer-se entre 50 e 60
quilos de pão por ano, sendo o Uruguai dos países que mais se
aproximam deste valor, enquanto cada marroquino come o dobro. Aliás,
Marrocos está no top dos países que mais consomem pão.
Em Portugal, estima-se que o número esteja um pouco acima do
recomendado, mas o consumo tem diminuído e as escolhas do próprio pão
têm sido mais saudáveis.
Os pães integrais ou mistos são cada vez mais apreciados, os açúcares
são menos refinados e o produto final tem mais fibra. Um truque para
se comer um pão mais saudável é pedi-lo bem cozido – facilita a
digestão.
Embora a importância deste alimento seja reconhecida, as padarias de
bairro são cada vez menos e o hábito de ir ao pão de manhã é raro, em
especial nos dias de trabalho. Actualmente, é comprado nos
supermercados por ser mais prático e rápido.
Porém, a inverter a tendência cresce um novo conceito de padarias, com
imensas variedades de pão, que podem ser compradas e levadas para casa
ou consumidas no local.
O SOL foi conhecer o local onde três fazedores de pão amassam a
farinha com água e outros ingredientes – da recente
padaria/restaurante, à panificação que vende há décadas para hotéis,
passando por uma padaria de bairro.
Traga a manteiga; o SOL acompanha com este pão.
Pão nosso de cada dia
Em Portugal, há mais de cem variedades de pão – da broa de milho do
Norte ao pão de testa do Sul. Fresco, quente, torrado, com manteiga ou
compota, pode ser comido sozinho ou usado em migas, bacalhau ou sopa.
Minho e Douro Litoral: broa de milho, roseta e broa d'Avintes
Trás-os-Montes e Alto Douro: pão de bicos, sêmea e pada
Beira Alta: molete, trigamilha e pão de quartos
Beira Baixa e Beira Litoral: regueifa doce, gémeos e padas de Ul
Ribatejo: caralhotas, passarinhos e pão de coroa
Estremadura: sovado, pão de Mafra e bico de pato
Alentejo: pão das pites, regueifa de Arronches e cacete de Estremoz
Algarve: cabeça tendida e quartos dobrado
Açores: bolo lêvedo, rosquilha e pão de água
Madeira: bolo do caco, brindeiros e pão de batata
Fonte: Museu do Pão, em Seia
Um pão com isco
Pão tradicional, €4/quilo, na Tartine (Rua Serpa Pinto, 15 A – Lisboa)

Tartine significa uma fatia de pão com alguma coisa por cima. E a
partir de agora é também um novo conceito de padaria que abriu no
Chiado, em Lisboa. O nome é francês e o padeiro também, o conceito
ganhou forma em Nova Iorque, mas o sonho e a paixão, esses, são
seguramente portugueses – pertencem a Isabel e Frederico Bernardino.
No número 15 A da rua Serpa Pinto é impossível ignorar o cheiro a pão
e a bolos acabados de fazer: palmiers em miniatura, pastéis de nata,
folhados com doce de ovos e o seu sugestivo nome, Chiado. No entanto,
o protagonista é mesmo o pão, seja na hora de o levar para casa, seja
quando se come uma sopa ou uma salada, em que a própria tigela é um
pão especial.
O segredo da qualidade pode até ser revelado: o sabor, provado e mais
do que aprovado, que vem das mãos do tímido francês deve-se à
utilização de um fermento natural, o isco.
Trata-se de uma espécie de massa que fica a levedar e de onde se vai
retirando pedaços para fermentar os pães. Este fermento é depois
alimentado com mais farinha, podendo, a partir da mesma base, durar
centenas de anos.
Frederico Bernardino conta que conseguiu comprar nos Estados Unidos um
isco que dizem ser «do tempo dos colonos». No entanto, o padeiro não
quis usar esse; preferiu o seu. É que Gilles Galois pode ser tímido,
mas também é orgulhoso.
Para servir com chá
Pão de especiarias, €1,35, na Espigasol (Rua Professor Dias Amado,
lojas 1 B e C – Lisboa)

Difícil é escolher uma das 28 variedades de pão que todos os dias
enchem a prateleira da Espigasol, situada em Telheiras, há 26 anos.
Todas caseiras e feitas ali, graças a José Augusto, padeiro desde o
início da primeira loja em Lisboa. Há pães pequenos para sanduíches,
grandes para fatiar e os típicos de diversas zonas do país, como o
açoriano ou a broa d'Avintes. Considerada um dos orgulhos do padeiro,
a broa é feita com isco e leva flocos de batata.
Outra das especialidades é o pão de especiarias com canela,
noz-moscada, erva-doce e leite – é um dos pães mais apreciados pelos
fãs de chá, uma vez que ambos os aromas se complementam, com a
vantagem de ser um pão que dura bastante tempo.
Há quem venha todos os dias da Ajuda só para comprar o pão ali, mesmo
que não seja por uma especialidade e sim pelas tão vulgares carcaças.
José Augusto garante que os clientes voltam pela qualidade e pelo
espírito da própria padaria. Isto porque sempre que há sobras estas
são entregues a instituições de caridade ligadas à Câmara Municipal de
Lisboa.
O segredo de Salazar
Forma especial, fatiada, €2,90, na Panificação do Chiado (Calçada do
Sacramento, 26-32 – Lisboa)

O truque para um bom pequeno-almoço em Lisboa pode bem ser a forma
especial, um pão feito exclusivamente para Salazar, cuja receita foi
dada à Panificação do Chiado por D. Maria, empregada do antigo
presidente do Conselho de Ministros.
Quando morreu, a receita foi escondida nos livros, onde esteve
esquecida durante anos, até ser recuperada para delícia dos clientes
que vêm de longe, de propósito, para comprar a especialidade. No
entanto, os hotéis são dos que mais encomendam este pão.
Doce, fofo e amarelado por dentro, a forma assemelha-se no sabor a um
pão-de-leite. A massa é feita por um pasteleiro e não por um padeiro,
porque as suas características são mais de bolo do que de um pão.
E se a Panificação, quase centenária, não dá as receitas das suas
vianinhas e dos seus saborosíssimos pães de sementes, muito menos
desvenda o segredo do pão de Salazar. Que tem muito da D. Maria, mas
também das mãos de Manuel Morgado. O pasteleiro, ainda mal a cidade
dorme, já está a amassar o pequeno-almoço de muita gente.
joana.andrade@sol.pt
Tags: Vida
http://sol.sapo.pt/inicio/Vida/Interior.aspx?content_id=41859

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