segunda-feira, 19 de março de 2012

Bruxelas quer replicar sucesso do queijo Comté em toda a Europa

Sectores tradicionais
18.03.2012 - 23:50 Por Ana Rute Silva, em Franche-Comté
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Produção de queijo Comté criou 7600 empregos numa região desfavorecida
(Foto: Enric Vives-Rubio)
A produção do Comté é apontada pela Comissão Europeia como um modelo a
seguir. Em Portugal, o negócio dos queijos com Denominação de Origem
Protegida vale mais de 13 milhões de euros por ano.
Claude Querry acaricia um gigante queijo de 40 quilos e 60 centímetros
de diâmetro. Na cave do Forte de Saint Antoine, localizado na região
de Franche-Comté, zona leste de França e bem perto da fronteira suíça,
descansam 100 mil Comté. Entre os cerca de 50 queijos que ostentam a
classificação de Denominação de Origem Protegida (DOP) em França este
é o que atinge maior volume de produção - mais de 52 mil toneladas em
2008, o que representa cerca de um quarto dos queijos DOP produzidos
neste país.

As mãos enormes de Querry percorrem a casca dura do Comté. Com um
pequeno instrumento, que se assemelha a um martelo, bate em toda a
superfície, esticando a cabeça para ouvir o som. "É para adivinhar o
que se passa no interior. Temos 50% de hipóteses de saber como está o
queijo por dentro", conta o responsável pela cave da Marcel Petite,
empresa queijeira que vende sete mil toneladas de Comté por ano e
factura 50 milhões de euros. As suas caves na montanha recebem por ano
dez mil visitantes.
Para a Direcção-Geral de Agricultura (DGA) da Comissão Europeia - que
convidou um grupo de jornalistas a visitar a região - a produção do
Comté em França é um exemplo a seguir pelos restantes Estados-membros
que também têm queijos DOP, feitos à medida da tradição, com sabores
únicos e distintivos. A DGA elogia a boa organização entre produtores,
cooperativas e sector privado que promove o desenvolvimento de uma
zona montanhosa, com Invernos longos e difíceis, e capaz de atrair
população e turistas. Estima-se que esta indústria seja responsável
pela criação de 7600 postos de trabalho directos.
O sucesso é partilhado e começa no produtor, o dono das vacas da raça
Montbéliarde que fornecem o leite para a produção do queijo. O
agricultor vende o leite cru a uma cooperativa, que, por sua vez,
produz o queijo e o entrega a uniões de cooperativas ou empresas como
a Marcel Petite, onde é feita a cura. Grande parte da comercialização
é feita pelo sector privado, mas as organizações de agricultores
também vendem em pequenas lojas locais.
Na sua quinta em Hautepierre-le-Châtelet, Pascal Nicod diz que o Comté
"valoriza o leite". A cooperativa a que pertence, e que tem 14
agricultores, paga em média 44 cêntimos por litro, valor estabelecido
com base no preço final do queijo. As suas 35 vacas leiteiras produzem
cerca de 240 mil litros de leite por ano. Contas feitas, tem um
rendimento anual de 105.600 euros, suficiente para sustentar a
família.
"Temos muito apoio numa zona desfavorecida e com um Inverno rigoroso.
Por exemplo, há uma associação local que faz serviços de substituição
de agricultores quando estão de férias ou doentes e não podem cuidar
dos animais", conta.Cooperativas como a de Chapelle des Bois, uma
pequena vila com 250 habitantes, mantêm a economia local em movimento.
Doze produtores entregam anualmente 1,6 milhões de litros de leite
nesta estrutura, 90% servem para a produção do Comté (os restantes
para fabricar Raclete). Os turistas que aproveitam as montanhas para
esquiar no Inverno também aqui param para comprar o famoso queijo.
"O caso do Comté é espantoso porque conseguiram usar um produto como
foco central de desenvolvimento da região. É um território totalmente
aproveitado, sem incêndios, têm a rota do Comté que atrai turistas,
ganhando milhares de euros com as visitas que se fazem às caves", diz
Ana Soeiro, secretária-geral da Qualifica, Associação Nacional de
Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos
Produtos Tradicionais Portugueses.
Ana Soeiro garante que a estratégia de desenvolvimento rural desta
região francesa não tem paralelo com a realidade nacional. "Nem o caso
do Queijo São Jorge, que tem o maior volume de produção, é
comparável", afirma, acrescentando que a "máquina do Ministério da
Agricultura desconsidera estas produções".
Ainda assim, Portugal é o quarto país da Europa com mais queijos DOP,
depois de Itália, França e Espanha, e estima-se que o valor médio de
produção anual ultrapasse os 13 milhões de euros. São 13 queijos (e um
com Indicação Geográfica Protegida, o Mestiço de Tolosa, da região
alentejana), fabricados por 100 produtores. A média de produção anual
situa-se nas 1302 toneladas e cerca de metade do volume é conseguido
pelo Queijo São Jorge.
Ana Soeiro diz que os efeitos destes produtos na gastronomia e no
turismo "nunca foram estudados". A fileira produtiva não está unida
como a do Comté, que conseguiu "repercutir na cadeia a mais-valia do
queijo". Além disso, garante, tem-se assistido ao progressivo abandono
de produtores e a alguma adulteração. "O queijo de Niza, por exemplo,
só é feito por um produtor. Deixam de fazer estes produtos especiais
para fabricar os mais vulgares, mas depois não conseguem competir com
os grandes operadores", aponta.
Para Pedro Pimentel, secretário-geral da Associação Nacional dos
Industriais de Lacticínios, há um trabalho a fazer na sensibilização
dos consumidores. "Ao contrário de outros produtos lácteos, como o
iogurte e o leite, onde temos um consumo per capita acima da média,
cada português consome por ano cerca de 11 quilos de queijo, por
comparação com 25 quilos em França", revela. Há espaço para crescer,
mas a valorização dos produtos protegidos não aumenta sem uma
alteração de hábitos. "Há que fazer a educação do sabor, e orientar o
consumidor para a diversidade. No queijo, é preciso avançar na cadeia
de valor", sustenta.
A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia
http://economia.publico.pt/Noticia/bruxelas-quer-replicar-sucesso-do-queijo-comte-em-toda-a-europa_1538447

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