terça-feira, 1 de maio de 2012

BANCO DE TERRAS Que interesses se acoitam por detrás da cortina de fumo lançada sobre a opinião pública e os agricultores?

OPINIÃO


Alfredo Campos


Com a agudização da crise económica que ciclicamente se propaga pelos
chamados países desenvolvidos e que assola Portugal, com dramáticas
consequências para o tecido produtivo, os trabalhadores, a Agricultura
Familiar e a generalidade da população, começámos a ser metralhados
com uma barragem de propaganda dos "comentadores de serviço", dos
partidos do chamado "arco do poder", do BE e do Governo, para quem,
agora, só agora, haveria que ver a Agricultura como sector estratégico
(e, acrescento desde já, para quê, para quem?).

O Banco de Terras, há dezenas de anos reclamado pela Agricultura
Familiar, para dimensionar as explorações e melhorar os parcos
rendimentos, depois de anos e anos a ser anunciado e nunca
concretizado, foi agora, só agora, (re)descoberto pelo actual Governo
e aqueles partidos.


Preparando o terreno para a aparição da Proposta de Lei do Governo,
ainda em 2010, o BE (no papel de lebre) apresenta o Proj Lei 311/XI
para criação do Banco de Terras e o CDS apresenta um Proj de Resolução
para que o Governo promova a utilização sustentável dos solos rurais.
Mais recentemente, em 3.Fev.2012, dão entrada na AR os Proj Lei
157/XII, do PS que "Estabelece o Regime Jurídico da Estruturação
Fundiária" (Banco de Terras incluído) e o Proj Lei 160/XII, do PSD,
para a criação de uma "Bolsa de Terras para Arrendamento Rural".

Mais ou menos expressamente, complementando-se, todos falam de "terras
abandonadas", da disponibilização de terras, de agravamento fiscal, de
terras de domínio público, de domínio privado do Estado e das
Autarquias, de arrendamentos e de vendas e também dos Baldios.

Quanto ao Governo, já na Proposta de Lei do OE/2011, Artº 144º,
pretendia criar um Banco de Terras para a "dinamização do mercado da
terra", recorrendo mesmo a "arrendamento forçado" ou a "expropriação".

Agora, o Governo, numa técnica já conhecida, "suavizou" as ameaças
lançadas no OE e deixou que aparecessem primeiro aqueles projectos
para, só depois, apresentar na AR a sua Proposta de Lei nº 52,
aprovada no Conselho de Ministros de 29.Março.2012.

Proposta aparentemente menos gravosa mas que, ao enfatizar o "total e
absoluto respeito pelo direito de propriedade privada", a integração
de terras "absolutamente voluntária", o "procedimento que garanta
transparência" ou a "igualdade de circunstâncias", levanta as maiores
desconfianças quanto às verdadeiras intenções do Governo.

Por outro lado, as referências às terras do Alqueva ou a preferência
dada a "projecto (no singular) na área da investigação aplicada,
incluindo melhoramento genético", parecem talhadas para candidatos, ou
"candidato" pré-definido, bastando que, para adjudicar terras do
Estado, "o interessado descreve sumariamente a actividade que pretende
desenvolver".

Candidamente, para além das terras do Estado e das voluntariamente
disponibilizadas pelos proprietários, numa abordagem, no mínimo pouco
transparente, contrariando as juras que o texto repisa, a Proposta do
Governo quer a "disponibilização de Baldios" (Artº 7º) e "cedência de
Baldios" (Artº 12º), assim como a "Disponibilização de terras
abandonadas" (Artº 8º) e "Cedência de terras abandonadas" (Artº 13º).
Pouco transparente porque, apesar de dizer que o processo é feito no
"respeito da lei", omite que, quanto aos Baldios, se prepara para
fazer aprovar uma nova lei (contra a opinião dos compartes que
reclamam é que o Estado cumpra a actual Lei) e que os termos do
reconhecimento das "terras abandonadas", serão definidos em "lei
própria", a aprovar.

É uma Proposta de Lei, apresentada à Assembleia da República, tão
pouco transparente que deixa o essencial da sua aplicação para 3 Leis,
2 Portarias e 1 Regulamento a aprovar pelo Governo que, fugindo assim
ao debate, podem conduzir ao abocanhar de Baldios e terras privadas.
Tudo justificado pelo sacro santo mercado, pela economia de escala,
para projectos empresariais de sucesso (antes de existirem, o Governo
já sabe que vão ter sucesso?), pela competitividade, pelas
exportações, pelo equilíbrio da balança agro-florestal, mas em valor.

Dizendo que quer pôr em uso terras que considera abandonadas e
querendo incluir os Baldios no Banco de Terras, como se fossem terras
do Estado, inversamente, salvaguarda grandes propriedades sem uso e os
seus grandes proprietários que vivem do RPU sem nada produzirem.

Nestes projectos e propostas e em declarações de governantes, é
facilmente perceptível o enorme interesse pelas áreas florestais,
chegando a fugir-lhes a boca para a verdade quando a própria Ministra
numa declaração à comunicação social, falava da importância do Banco
para a actividade "florestal e também agrícola".

Daí o enorme apetite sobre os Baldios (em grande parte de vocação
florestal) com o peso económico que têm, mas também para os tirar da
gestão pelos compartes, pelo seu significado e importância como forma
organizacional, social e económica, comunitária, gerida e com o uso
fruto dos seus compartes, tal como a Constituição da República
consagra.

Uma abordagem séria do grave problema da falta de uso da terra, mais
que a constatação do não uso, exige a análise das razões políticas e
económicas de haver terra sem produzir e distinguir aquelas cujos
donos não as podem trabalhar ou não há rendeiros para as arrendar, das
que tendo boas condições, os seus donos não as querem trabalhar e que
na Justificação de Motivos da sua Proposta, o Governo salvaguarda.

As razões principais não estão nas características da maioria das
explorações agrícolas e florestais, na sua estrutura, no nível da sua
mecanização, nos conhecimentos, na vontade e na capacidade de trabalho
dos Agricultores, da Agricultura Familiar.

As principais razões para a débil situação da agricultura e dos
Agricultores, são de ordem política, das políticas nacionais
servilmente submissas às políticas comunitárias, à PAC que só favorece
a agricultura dos países mais ricos, a poderosa agro-indústria e a
grande distribuição multinacionais, particularmente depois da Reforma
da PAC de 1992, assinada com pompa, na Curia, pelo então Governo de
Cavaco Silva, mas debaixo do firme protesto dos Agricultores que
enfrentavam as cargas dum aparatoso dispositivo policial.

Foi a baixa política dos preços à produção, foram as Ajudas
Comunitárias sempre mitigadas pelos sucessivos Governos, foi a
distribuição das Ajudas a beneficiar grandes proprietários, foi o
desligamento das Ajudas e tantas outras decisões políticas, dos
Governos dos últimos 35 anos.

Está à vista de todos o resultado das políticas dos grandes negócios
(ou negociatas), das políticas talhadas para apoiar a exportação de
três ou quatro produtos de grandes empresas, das políticas que
favorecem as grandes cadeias de distribuição.

Mais do que do Banco de Terras, num período, particularmente difícil
para quem vive do seu trabalho, em que a banca nega crédito para
investir, em que o Governo para além agravar a carga fiscal, de
permitir uma escalada dos preços dos factores de produção, de cortar
no PRODER e em tudo o que poderia contribuir para o relançamento da
produção para (em primeiro lugar) alimentar a população com produtos
nacionais, os que produzem, a Agricultura Familiar, os compartes dos
Baldios, muitos empresários agrícolas, aqueles que diariamente são
levados à ruína e à falência por insistirem em trabalhar a terra, o
que precisam é de outras políticas da União Europeia e do Governo de
Portugal.

O que Portugal e os agricultores e consumidores precisam é duma
mudança de política que respeite os seus interesses e necessidades
colectivos.

Alfredo Campos
Membro da Direcção Nacional da CNA

Publicado em 30/04/2012

http://www.agroportal.pt/a/2012/alfcampos.htm

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