sexta-feira, 19 de junho de 2015

A ópera de dois músicos na produção biológica de goji fresco


15.06.20150

A Quinta dos Mochos também têm viveiros de goji. A planta que aguenta temperaturas entre -18ºC e 50ºC e gosta de terrenos arejados. Não sobrevive com água em excesso

Um cantor lírico e uma violetista iniciaram um projeto pioneiro. A Quinta dos Mochos, com certificação biológica, prepara-se para abrir portas à investigação científica e já caminha para uma plataforma de produtores. Acompanhe as histórias de produtores e produtos inovadores que estão a surgir e a evolução dos distinguidos no Prémio Intermarché Produção Nacional 2014, que este ano volta a ser um projeto do Expresso e da SIC Notícias.

Raquel Pinto
RAQUEL PINTO

Teatro Nacional São Carlos, Gulbenkian, Orquestra Metropolitana. Palcos pisados por João Moura, cantor lírico de profissão, 40 anos, que nos últimos dez anos viveu intensamente a ópera. Hoje, define-se como um "agricantor".

Corria o ano de 2012, numa fase "muito boa da carreira", quis o destino que a temporada de Cosí fan tutte, de Mozart, fosse cancelada para o ano seguinte por causa dos cortes na cultura. Sem emprego e com três filhos viu-se obrigado a procurar outras opões.

A mulher Joana, 36 anos, toca viola de arco e ensina no Conservatório Regional de Setúbal. Já viviam a sul da capital, numa "quintinha" arrendada no Poceirão, contagiado pelo desejo dela. "A menina da cidade, que sempre viveu em Campo de Ourique, era apaixonada pela natureza", revela João Moura. A si, o campo não lhe era desconhecido. Cresceu entre as vinhas do avô em Rio de Moinhos, Penafiel. A música, surgida por hábito familiar em serões de domingo, levou-o ao coro da igreja e tornou-se numa adrenalina. Fez o curso na Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo no Porto, passou por Barcelona dois anos, regressou e, em 2006, mudou-se em definitivo para Lisboa.


Investimento de 160 mil euros 
A desilusão com o meio artístico inundou durante algum tempo João Moura  que, entretanto, tinha iniciado um doutoramento em Artes Formativas. Sabia que voltar a dar aulas não o iria preencher. Foi quando olhou para o que tinham à frente – os animais, a horta e os pomares - e questionou se esta poderia ser a alternativa. "A agricultura surgiu como opção porque dependia praticamente de mim, dos meus braços, das minhas mãos. Não estou dependente de alguém que decida que precisa de um músico", justifica.

Investigaram como poderiam ter uma exploração moderna, com produtos diferentes, e fazer do modo biológico um sustento. Viram a produção de cogumelos em tronco e perceberam que necessitavam de outro espaço, ao mesmo tempo que surgiu a ideia de plantar goji, o fruto originário das montanhas do Tibete, que tem sido apresentado como um milagroso antienvelhecimento, pelo poder antioxidante e aminoácidos.

Foram ver terrenos e renderam-se a uma antiga suinicultura soterrada por silvas. "Adorei aquele caminho no desconhecido quando lá fomos a primeira vez". Deram-lhe o nome de Quinta dos Mochos. Fica a uma hora de Lisboa, em Pegões, no Montijo, num projeto agrícola de quase 160 mil euros, financiado por fundos comunitários em 60%. Receberam 40 mil euros de prémio jovem agricultor. A exploração tem 8 hectares, mais 2000 metros de área coberta de antigas pocilgas. Além de exploração, é ali que vivem, têm o escritório, os armazéns, a loja e pensam implementar turismo rural.

Goji fresco dura entre 10 a 15 dias 
São pioneiros na produção certificada biológica de goji fresco em solo nacional. Ao todo têm 12000 plantas. No final deste mês contam ter mais 8000 colocadas. Também desidratam o goji, aliás uma condição imposta para a viabilidade do projeto, já que esta era a única forma como se apresentava no mercado português. As ideias entre o casal fervilham. O desafio a uma panificadora resultou numa broa de milho com goji que pode ser adquirida no site da quinta ou mercearias, fazendo já parte do cardápio de alguns restaurantes da zona que alinharam com a mais recente "maluqueira" como descreve João Moura, bem disposto.  

"Já estamos com muitas encomendas de goji fresco. Começamos a partir da próxima semana", garante. O fruto tem despertado interesse e até visitas ao espaço. O goji fresco dura 10 a 15 dias mantido no frio. A apanha dura de junho a setembro, sendo a parte mais cara da produção. São precisas cerca de dez pessoas por hectare, todos o os dias, durante três meses, a apanhar baga a baga. "É um arbustro que dá todos os dias".

Este ano, a produção ainda vai ser limitada. João Moura garante que isso não é problema. Vão agora iniciar um teste de mercado através da parceria com um produtor no sul de Espanha, que diz ser o maior de goji fresco na Europa, para a representação exclusiva da fruta deles em Portugal.

Já criaram três postos de trabalho na quinta e ali está prestes a arrancar um projeto de investigação científica em parceria com a faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e uma consultora agrícola. "Temos todo o interesse em fazer a análise às suas propriedades, perceber como é que a planta reage aqui na Europa e qual é  a melhor forma de a produzirmos", explica, tendo em mente aplicações na cosmética e farmacêutica.

O empresário e empreendedor quer estar na linha da frente e acredita que o futuro passa pela organização de produtores. A caminho já está a ser concertada uma plataforma. Ainda não tem nome, mas são já dez os interessados em avançar. Se a união resultar, estima-se uma área de 70 hectares, que daqui a quatro anos poderá atingir as 1000 toneladas anuais.

Entretanto, João Moura vai cantando na Quinta dos Mochos, feliz da vida.

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