sábado, 18 de abril de 2015

Cereais: radiografia de um setor que perde terreno no país


 15 Abril 2015, quarta-feira  Ana Clara Cerealicultura

Em entrevista ao Agronegócios, José Palha, presidente da Associação Nacional Produtores Cereais, Oleaginosas e Proteaginosas (ANPOC), alerta para a necessidade de alavancar um setor que, na última década, «tem vindo gradualmente a perder área». Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) dão conta que, entre 2008 e 2013, a área dos cereais de qualidade (trigo mole, trigo duro e cevada dística) decresceu 51%, passando de 131.000 hectares (ha) para 63.000 ha. Solos pobres, produção e rendimento baixos são os principais problemas. Atenuam o problema as ajudas Agro Ambientais, no âmbito do 2.º pilar da Política Agrícola Comum (PAC), salienta o responsável.
cereais 
«Segundo o INE de 2008 a 2013 a área dos cereais de qualidade (trigo mole, trigo duro e cevada dística) decresceu 51% de cerca de 131.000 ha para 63.000 ha, muito devido à volatilidade dos preços, e ao clima, cada vez mais o clima é instável, e para os cereais de sequeiro este fator é de vital importância, veja-se como exemplo este ano, um outono chuvoso e um inverno muito seco», começa por relembrar José Palha.
Para o responsável, o principal problema do setor e, nomeadamente, do sequeiro, é «sem dúvida as baixas rentabilidades destas culturas, os solos nacionais são na sua maioria fracos, as produções por hectare são baixas, logo o rendimento também, as ajudas Agroambientais no âmbito do 2.º pilar da PAC têm, de certa forma, ajudado um pouco a minorar esta situação, mas no atual quadro a situação é pouco satisfatória neste campo».
Para José Palha, a questão do sequeiro reveste-se de «enorme importância porque estamos a falar de 2/3 da SAU (SAU=1,5 milhões ha) que é sequeiro e os cereais são uma cultura resistente e rústica que podem ter aproveitamento em parte importante destes solos».
«Acresce que, no momento em que se abandonem os cereais, a tendência natural será, primeiro para as pastagens pobres e, depois, para o abandono», afirma, lembrando que no regadio a questão não se põe desta maneira, já que «as boas produções que se obtêm colocam os cereais como uma alternativa cultural importante».
O último ano (2014) foi de grande volatilidade de preços, mas houve perda de rendimentos. A nível mundial houve um aumento generalizado.
Em Portugal, diz José Palha, no caso dos cereais de qualidade, «para o trigo duro houve um aumento de cerca de 12,5% e a perspetiva nesta campanha é de subida, no caso da cevada dística, como a maior parte da produção está contratada com a indústria com contratos plurianuais o preço tem-se mantido estável, a situação do trigo mole panificável é que é diferente, com um decréscimo de 7% face à campanha anterior».
Em termos de produções «pode dizer-se que foi um ano médio, julgo que não houve grande perda de rendimentos com estas culturas», acrescenta.
Bons resultados em trigo e cevada

Tendo em conta que «os nossos solos são, em geral, pobres e o nosso clima mediterrâneo, com as estações do ano cada vez menos pronunciadas», tal faz com que «produzir cereais de sequeiro seja difícil, a nossa única vantagem face aos nossos concorrentes do resto do Mundo, e uma vez que as nossas produções são inferiores, é a qualidade». «A solução do setor passa por produzir qualidade, temos boas condições para isso, o nosso produto é reconhecido, temos ótimos resultados qualitativos em trigo mole melhorador, semi-corretor, trigo duro e cevada dística», vinca o presidente da ANPOC.
Cereais em Portugal
Sobre a crise económica e o impacto que a mesma tem tido na fileira, José Palha diz que o nosso país apenas produz, em média, neste setor, 12% da sua necessidade, «isto é, à partida uma grande vantagem competitiva, como existe capacidade industrial instalada, o objetivo será sempre o de equilíbrio da balança comercial, a crise económica não terá tido grande impacto no setor».
A grande oportunidade, não duvida, «é a qualidade, é a nossa única vantagem competitiva em relação ao mercado global, nós produzimos qualidade, a indústria valoriza essa qualidade, temos que aproveitar esta vantagem».
Com Portugal a importar cerca «de 80% das suas necessidades» a exportação é, pois, uma miragem na fileira.
Prioridades

Ao nível do consumo em Portugal, a produção nacional ronda os 12% do consumo, e o valor das importações de cereais de qualidade andará na ordem de 75 milhões de euros, «valor que pode e deve ser retido em Portugal pelos agricultores portugueses».
Neste sentido, a ANPOC estabelece prioridades claras para ajudar o setor. Segundo José Palha tais passam pela «maximização dos rendimentos dos agricultores, a melhoria do itinerário técnico, redução de custos e formas de maximizar a cadeia de valor, protegendo o ambiente e a biodiversidade».
cereais 
Para alcançar estes objetivos, a ANPOC está envolvida em vários projetos, como é o caso da LVR - Lista de variedades Recomendadas.
Uma iniciativa levada a cabo com a colaboração INIAV - Pólo de Elvas e a Escola Superior Agrária de Beja.
«Fazemos dois ensaios em regadio, em regiões distintas com protocolos idênticos de todas as variedades que as empresas de sementes tenham no mercado e avaliamos os resultados em função dos critérios da indústria e da produção, com o objetivo de dar ao agricultor a possibilidade de escolher a variedade que a partida lhe dará mais garantias de qualidade e de rendimento, esta lista é publicada anualmente antes no início das sementeiras», sustenta.
Para além do regadio que «é determinante, José Palha explica que «não podemos esquecer os cereais que ainda são feitos em sequeiro». Uma opção que se deve a «uma estratégia territorial e ocupação do território». «Levando em linha de conta as superfícies já referidas e a necessidade de ocupação do nosso território do Interior, ou seja, o mais próximo das nossas fronteiras terrestres».
Mas há igualmente uma estratégia social que passa «por permitir que as populações do Interior tenham formas condignas de subsistência e aufiram rendimento das suas explorações agrícolas menos competitivas em termos de mercado puro».
No que respeita à parte alimentar e equilíbrio da balança comercial, a produção em sequeiro é igualmente importante «por forma a ir substituindo assim as importações por produção nacional».
Além disso, há uma clara redução de risco de incêndios, já que tal é mais elevado «em territórios agrícolas abandonados, pelo que é determinante que os solos pobres onde ainda se produzem cereais, não o deixem de fazer», conclui.  

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