domingo, 29 de abril de 2012

Regulação ou auto-regulação: é impossível jogar num terreno 'inclinado'!...

OPINIÃO

Pedro Pimentel



Há um conjunto de aspectos comuns que fazem de muitos desportos de
competição, modalidades seguidas em todo o mundo por milhões de
pessoas. Futebol, basquetebol, andebol, voleibol ou os mais
localizados basebol, hóquei no gelo ou futebol americano exigem um
conjunto de pressupostos: regras bem definidas, árbitros isentos,
conhecedores das regras e bem preparados, uma organização e logística
bem montada, instâncias de jurisdição.

São esses pressupostos, associados à sua espectacularidade e à
visibilidade que os meios de comunicação lhes conferem, que fazem com
que sejam praticados por milhões e seguidos por muitos mais milhões.



Apesar disso, são desportos dinâmicos, em que as próprias regras vão
evoluindo, sempre com a preocupação de favorecer o equilíbrio e o
espectáculo, de atrair mais espectadores e patrocínios, apenas
possíveis quando não se sabe de antemão quem vai ganhar.

Em todos estes desportos há, para além do mais, duas regras básicas: o
campo não pode estar 'inclinado' para um dos lados (é por isso, que
mesmo quando o recinto é perfeito, se muda de campo em cada
meio-tempo) e o árbitro não pode pertencer a uma das equipas (a velha
história da mulher de César... não basta ser séria, tem que parecer)!

Vem esta lenga-lenga, aparentemente descabida, para abordar o tema,
agora tão discutido, do estabelecimento de auto-regulação ou da
revisão da regulação relativa às relações entre os operadores da
moderna distribuição e os seus fornecedores na cadeia de abastecimento
dos produtos ditos de grande consumo.

Não discutindo sequer os porquês e historial de queixas que vêm
marcando de há muitos anos a esta parte essas relações, é, nesta
altura, inquestionável o desequilíbrio do poder negocial entre as
partes, como inquestionável é o facto de aqueles operadores se
assumirem hoje, para além de distribuidores, como competidores, com os
produtos das suas marcas, e árbitros, pois ditam as regras do jogo,
usando o poder que detêm em seu benefício e em benefício dos seus
produtos, na batalha constante pelas preferências dos consumidores.

Não se vislumbra, pois, como é que se podem discutir - entre as partes
- regras equilibradas, quando as partes hoje estão tão longe do
equilíbrio e quando uma das partes não quer ceder um milímetro do
poder que detém. Para a distribuição, o empenho na construção da
auto-regulação é óbvio: disponibiliza-se para mudar o jogo, sem mudar
as regras, para que, basicamente, fique tudo na mesma. Os
fornecedores, por seu lado, não podem esperar por uma melhoria da sua
situação, sem que as regras de jogo se alterem, sem que o campo deixe
de estar 'inclinado'!

Como cada vez mais documentos vêm quase diariamente demonstrando, este
não é um problema de um produto, de um sector, ou mesmo de um país,
pois a constatação do desequilíbrio negocial entre as partes e da
ineficácia das actuais leis na sua correcção é cada vez mais amplo no
espaço comunitário.

E é aqui que assume importância a função reguladora do Estado. Este é
um tabuleiro com três jogadores: fornecedores, distribuidores e
consumidores, mas o Estado é, sem dúvida, parte interessada (emprego,
dinamização da actividade económica, inflação, receita fiscal,...) e
tem que ponderar o peso dos interesses de cada uma das partes neste
dossier.

A alteração das regras ao nível das práticas comerciais restritivas,
das práticas comerciais desleais ou da disciplina dos prazos de
pagamento ou a criação de regras para que, por exemplo, as chamadas
marcas brancas estejam obrigadas às mesmas regras que as restantes
marcas comerciais, mais não são do que o contributo das autoridades ao
nível da 'engenharia', isto é, ao nível do renivelamento do terreno de
jogo. Outro importante contributo que as autoridades deverão dar será
o da efectiva monitorização do mercado e de aplicação da lei em vigor,
da actual legislação e dos diplomas que venham a ser criados ou
alterados.

Devem estar também as autoridades preparadas para ver para além da
demagogia que os tentará convencer que novas regras significarão
preços mais altos para os consumidores, argumento poderoso num período
de tão marcada crise económica. Novas regras significarão apenas a
possibilidade de uma melhor distribuição da rentabilidade ao longo da
cadeia de aprovisionamento, de uma mais justa remuneração dos vários
estádios dessa cadeia.

Concluído este processo e colocadas as partes em novos patamares de
equilíbrio, estarão, aí sim, em condições de redinamizar o seu esforço
de auto-regulação e de criar um conjunto de regras que de forma
prática, aplicável, fiscalizável e punível, reforcem - num quadro de
boa fé - a transparência, a certeza e a simplicidade, a equidade e a
não discriminação, a não retroactividade e a confiança, a
reciprocidade e a proporcionalidade na distribuição do risco nas
relações comerciais entre os operadores da moderna distribuição e os
seus fornecedores.

2012.04.28

Pedro Pimentel
Presidente da Direcção da Associação Nacional dos Industriais de
Lacticínios (ANIL)

Publicado em 29/04/2012

http://www.agroportal.pt/a/2012/ppimentel.htm

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