quinta-feira, 19 de junho de 2014

“Se comermos alimentos de origem animal, aumentamos o risco de doenças”

ENTREVISTA
MARIA JOÃO LOPES 18/06/2014 - 19:54
O bioquímico Colin Campbell, que esteve nesta quarta-feira pela primeira vez em Portugal, admite que devia haver mais estudos para comprovar que uma alimentação "correcta" pode prevenir e tratar doenças, incluindo o cancro, e que só não há devido a "fortes" interesses económicos. Para o investigador, leite, carne e ovos são para banir.

 
Colin Campbell é professor de Bioquímica Nutricional na Universidade de Cornell, onde se doutorou em nutrição, bioquímica e microbiologia DANIEL ROCHA

Cresceu numa quinta que produzia leite, mas não o bebe. Tem 80 anos e há cerca de 30 começou a abandonar os lacticínios, a carne, os ovos, os fritos e os doces. Peixe, no máximo uma vez por mês e cozido. Prefere vegetais, frutas, cereais integrais. Faz exercício e corre "facilmente" sete ou oito quilómetros. Não fuma e só de vez quando bebe vinho ou cerveja. O norte-americano Colin Campbell, professor de Bioquímica Nutricional na Universidade de Cornell, onde se doutorou em nutrição, bioquímica e microbiologia, coordenou o Estudo da China sobre a relação entre alimentação, estilo de vida e doenças degenerativas modernas, realizado pelas Universidades de Cornell, Oxford, com o apoio da Academia Chinesa de Medicina Preventiva. Esteve em Lisboa para participar num seminário promovido pela Direcção-Geral de Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde, Instituto Macrobiótico de Portugal e Ministério da Saúde.

Quais foram as principais conclusões do Estudo da China?
O Estudo da China é o nome do livro, publicado em 2005, que é um resumo do meu trabalho nos últimos 45 anos. E um projecto que fizemos na China, em 130 aldeias. Estávamos interessados em ver por que é que o cancro era muito mais comum nuns sítios do que noutros. O Estudo da China em si não foi responsável pelas minhas conclusões. Houve todo um trabalho feito antes, em laboratório, durante cerca 30 anos. O Estudo da China foi uma oportunidade de confirmar se o que estávamos a ver no laboratório era o mesmo que nos humanos.

Depois dessas décadas de pesquisas o que defende é que se comermos mais alimentos de origem animal, como lacticínios e carne, temos mais probabilidade de ter doenças cardiovasculares, cancro, diabetes? 
Há evidências científicas que nos dizem que, se comermos alimentos de origem animal, aumentamos o risco de ter essas doenças. As pessoas são mais saudáveis e vivem mais tempo se optarem por dietas com menos proteínas de origem animal e mais antioxidantes. Comer produtos de origem animal, como leite e carne, está relacionado com cancro, osteoporose, doenças cardiovasculares, diabetes. A maior parte das pessoas no Ocidente sabe que comer vegetais é bom e que comer carne não é tão bom. Mas o que não se apercebem é que este tipo de dieta é importante não só para prevenir essas doenças, como para tratá-las. O mesmo tipo de dieta que previne as doenças também as reverte.

Não estamos a falar de cancro?
De acordo com as minhas pesquisas, com mais proteínas de origem animal podemos activar o cancro e, com proteínas de origem vegetal, desactivá-lo. Mas temos de fazer mais investigação para o demonstrar mais claramente.

Está a dizer que comer mais alimentos de origem animal como a carne, o leite e os ovos contribuem para o cancro e, pelo contrário, vegetais, por exemplo, o revertem?
Sim. Refiro-me não só a comida de origem animal, mas também processada. Bolos de pastelaria com muito açúcar são um problema. Numa dieta baseada em plantas, os alimentos de origem vegetal têm propriedades notáveis para tratar alguns problemas. Pode haver grandes mudanças em semanas na recuperação da saúde. Mas muitos médicos não têm formação suficiente em nutrição e, por outro lado, estamos num sistema em que há muito dinheiro a ser feito à custa da venda de alimentos de origem animal, de comida processada, e de suplementos vitamínicos. E há muito dinheiro em jogo para tratar estas doenças. Estas indústrias não gostam desta mensagem.

Por que é que acha que não há investigação suficiente, mais estudos a comprovar essa tese? Por causa desses interesses?
Sim. As pesquisas que fiz foram com financiamento público, o que é importante porque não somos influenciados pelas indústrias. Mas o dinheiro público é muito limitado, comparado, por exemplo, com o que existe para fazer medicamentos. Em 70% do dinheiro disponibilizado pelo Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos para pesquisas, só 3 a 4% é para nutrição. A combinação de não haver suficiente formação nem pesquisas em nutrição é fatal.

Vegetais coloridos

Se o Estudo da China fosse feito hoje, as conclusões seriam as mesmas?
Hoje não seria possível fazer o mesmo tipo de estudo na China, porque, entre outros aspectos, quando o fizemos, em 1983 e 1984, as pessoas consumiam os produtos produzidos localmente. Isso está a mudar. Está a aumentar o consumo de produtos de origem animal, de comida processada, há mais cancro, mais doenças do coração.

Como vai ser a nossa alimentação no futuro?
Não sei o que vai acontecer, mas é muito importante informar o público, criar programas, em que as pessoas possam participar, aprender a cozinhar certos alimentos, a produzir, falar nas escolas, nas faculdades de medicina. O problema é que, pelo menos nos Estados Unidos, os esforços são no sentido de suprimir a informação. Porque os interesses económicos são fortes.

Três exemplos de alimentos que devemos definitivamente comer e três a evitar.
Não comer carne, ovos nem beber leite. Comer cereais integrais, legumes, ervilhas, feijão e comer muitos vegetais coloridos, como cenouras, por exemplo. Têm propriedades antioxidantes que tendem a prevenir o envelhecimento, o cancro, as doenças do coração. São muito importantes.

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