quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Especialistas retomam investigação com vírus mutantes da gripe das aves

ANA GERSCHENFELD 24/01/2013 - 00:00

A gripe das aves não é transmissível entre humanos, apenas das aves
para os humanos. Mas nada garante que não venha a sê-lo um dia INA
FASSBENDER/REUTERS
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Em carta hoje divulgada pelas revistas Nature e Science, 40 cientistas
decretam o fim de uma auto-imposta moratória nos países que já
autorizam as pesquisas, mas que ainda não incluem o maior financiador:
os EUA

A 26 de Janeiro de 2012, um grupo internacional de especialistas de
gripe das aves tinha decidido impor a si próprio a suspensão do estudo
das mutações do vírus H5N1 da gripe das aves que o poderiam tornar
transmissível pelos espirros entre seres humanos. Hoje, numa carta
enviada às revistas Nature e Science, os mesmos 40 signatários
declaram que tencionam retomá-las.

A moratória fora decidida na sequência das críticas levantadas por uma
parte da comunidade científica na altura da publicação, naquelas
mesmas revistas, de dois artigos - respectivamente da autoria de Ron
Fouchier, do Centro Médico Erasmus (Holanda), e de Yoshihiro Kawaoka,
da Universidade do Wisconsin (EUA) - sobre as questões de segurança
ligadas ao facto de criar, em laboratório, vírus H5N1 mutantes
adaptados ao contágio por via aérea entre mamíferos, tal como uma
vulgar gripe sazonal. Na altura, a ênfase foi posta na ameaça
bioterrorista, mas actualmente as preocupações estão mais viradas para
os riscos de eventuais "fugas" acidentais de tais vírus.

Inicialmente prevista para durar dois meses, a moratória acabaria por
se prolongar por um ano, para "explicar ao público os benefícios para
a saúde destes trabalho, descrever as medidas que permitem minimizar
os riscos e dar tempo aos países para rever as suas políticas",
nomeadamente de biossegurança, lê-se na carta agora publicada
(acessível em http://www.sciencemag.org/site/special/h5n1/). Os
defensores destas investigações têm argumentado que conhecer o número
mínimo de mutações que tornariam o H5N1 numa nova praga humana global
deverá permitir não só desenvolver vacinas, mas criar sistemas de
alerta, caso essa combinação de mutações surja naturalmente.

Os mesmos signatários de 2012 - Fouchier, Kawaoka e um elenco de
estrelas mundiais da gripe das aves - assinam, portanto, esta nova
carta, considerando que essas metas foram atingidas. E que, na medida
em que uma série de países já redefiniu as suas normas de
biossegurança e aprovou as pesquisas nessas condições, é urgente
retomá-las. Apesar de os EUA, o maior financiador mundial na área
através dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), não ter ainda dado a
sua resposta e não se saber quanto é que ela poderá ainda demorar.

"Por que é que os outros países deveriam esperar pelos Estados
Unidos?", disse ontem Fouchier, durante uma conferência de imprensa
telefónica internacional organizada pela Science, salientando, aliás,
que combinações de duas mutações por eles identificadas antes da
moratória já foram detectadas em H5N1 no Egipto.

Interrogado pelo PÚBLICO sobre quais os países que já responderam
afirmativamente - ou que estarão em vias de o fazer -, o investigador
disse serem basicamente os países onde se localizam os laboratórios
dos signatários: Alemanha, Canadá, China, EUA, Holanda, Itália, Japão,
Reino Unido e Rússia. "Não tenho uma lista dos países", declarou, "mas
a Holanda, Canadá e, em princípio, todos os países da União Europeia
já deram a sua aprovação". O Japão, salientou, pelo seu lado, Kawaoka,
ainda não o fez.

Todavia, reconheceram estes cientistas, os níveis de biossegurança
exigidos aos laboratórios para evitar fugas ou a contaminação dos que
neles trabalham não estão harmonizadas a nível mundial. Mas esperam
que a Organização Mundial da Saúde venha a agir nesse sentido.

O debate está, contudo, longe de estar encerrado. Muitos cientistas
continuam a criticar a realização destas investigações - e subsistem
dúvidas inclusivamente entre os signatários da nova carta. Ilaria
Capua, do Instituto Zooprofiláctico Experimental de Pádua (Itália),
admite na Nature os seus receios ao jornalista Declan Butler. Não com
o punhado de laboratórios com altos padrões de segurança actualmente
envolvidos, mas "com o risco de proliferação deste tipo de
investigação a mais longo prazo".

Concretamente, onde é que as pesquisas poderão ser retomadas nas
próximas semanas? Fora dos EUA e sem fundos dos NIH. O que por
enquanto exclui totalmente a equipa de Kawaoka e parcialmente a de
Fouchier.

http://www.publico.pt/ciencias/jornal/especialistas-retomam-investigacao-com-virus-mutantes-da-gripe-das-aves-25946475

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