segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Produtos DOP Não há no mundo outros iguais

ALEXANDRA PRADO COELHO

São únicos. Só têm aquele sabor porque nasceram naquela paisagem. São
produtos DOP (Denominação de Origem Protegida) ou IGP (Indicação
Geográfica Protegida). Ajudam os territórios a que pertencem, criam
emprego, são trunfos para o turismo. Mas valorizamo-los pouco e
conhecemo-los mal. Fomos ao Nordeste Alentejano e a Trás-os-Montes,
duas das regiões com mais DOP e IGP, para perceber por que uns são um
sucesso e outros estão a desaparecer. E para conhecer pessoas que os
estão a tentar salvar

Foi em 1995 que Carla Alves se mudou para Vinhais, em Trás-os-Montes.
Chegou com uma missão: recuperar uma raça de porcos que estava
praticamente extinta, o porco bísaro. "Sabia que havia apenas duas
raças autóctones de porcos em Portugal, o bísaro e o alentejano, mas a
década de 90 foi a das grandes suiniculturas intensivas e essas raças
estavam a desaparecer", conta esta engenheira zootécnica cheia de
energia.

Pôs-se então à procura, tentando localizar alguns animais. "Não havia
produtores. Começo a correr o país à procura do porco bísaro que ainda
pudesse existir e encontro alguns exemplares nas aldeias mais
escondidas de Vinhais, de Bragança. Quando perguntava aos donos por
que é que ainda tinham aquele porco, diziam-me que o guardavam porque
era bom, e era o que eles comiam." E assim, a partir desses poucos
animais, começou um trabalho de recuperação da raça, que hoje já tem
mais de 3000 porcas reprodutoras e que foi certificada como DOP
(Denominação de Origem Protegida).

Enquanto Carla nos conta a sua história, ouvem-se atrás de nós os
grunhidos de uns enormes e rosados porcos de raça bísara, com as
características manchas negras e orelhas caídas por cima dos olhos.
Estamos no Parque Biológico de Vinhais, situado no Parque Natural de
Montesinho, onde existem exemplares das várias raças autóctones de
Portugal. Em frente ao local dos porcos bísaros, estão javalis, do
outro lado vacas, ao fundo veados.

A ideia de criar um parque biológico surgiu na sequência do sucesso do
trabalho com o porco bísaro. Mas para o entender é preciso saber outra
coisa sobre Vinhais: esta é a capital do fumeiro e aqui realiza-se uma
concorrida Feira do Fumeiro. Foi, aliás, a preocupação com a qualidade
dos produtos que se vendiam na feira que levou a câmara municipal a
apoiar o projecto do porco bísaro. Carla Alves explica: "A feira, que
existe desde 1981, tinha cada vez mais gente, vendia-se o salpicão a
dez contos o quilo, mas ninguém controlava a qualidade do produto e a
câmara estava preocupada."

PAULO PIMENTA

CHOURIÇA DE CARNE DE VINHAIS IGP

FOTO: MIGUEL MANSO

Também conhecida como linguiça de Vinhais, é um enchido de carne e
gordura de porco de raça bísara, ou cruzamento desta raça, cheia em
tripa delgada de porco ou de vaca. A carne e a gordura são
condimentadas com sal, vinho tinto ou branco da região, água, alho,
colorau e louro. Deve consumir-se crua, assada ou cozida, dependendo
do tempo de cura. É um dos enchidos do Fumeiro de Vinhais, que inclui
vários produtos IGP. Todos estes enchidos são feitos com porco da raça
autóctone bísaro, com uma alimentação natural, nomeadamente a
castanha, que existe em grande quantidade nesta região de
Trás-os-Montes. A cura é feita num fumeiro tradicional, em casas da
região, que certificaram os seus fumeiros, mantendo contudo os métodos
artesanais. Foi esta ligação com os enchidos certificados que permitiu
a recuperação da raça de porco bísaro, que estava praticamente extinta
em Portugal.

No tal ano de 1995, Carla instaurou um controlo de qualidade sobre os
produtos de fumeiro, com uma prova do melhor salpicão e uma análise
sensorial que permitia ter um retrato da qualidade do produto que
estava na feira. Conclusão? "Havia um problema claro, que era o uso de
matéria-prima de qualidade inferior. Não se pode fazer um produto de
qualidade, tradicional, que até pode ser fumado à lareira, temperado
como se fazia há 100 anos, se a matéria-prima de base não for de
qualidade. É estar a fazer omoletes sem ovos."

A solução era voltar a fazer o fumeiro tradicional com porco bísaro,
como no passado. Mas com meia dúzia de porcos espalhados por aldeias
longínquas era difícil. Começou então o esforço de convencer os
produtores a deixarem outras raças — as estrangeiras — mais rentáveis
e a voltar ao bísaro. "Não foi fácil. Pensei que a única maneira de
dar uma mais-valia às pessoas para criarem o bísaro era pedir a
protecção comunitária para os produtos de fumeiro." Com a luz verde da
União Europeia, nasceram assim o Fumeiro de Vinhais IGP (Indicação
Geográfica Protegida) e o Porco Bísaro DOP.

A partir daí, um produtor que queira vender os seus produtos sob a
designação Fumeiro de Vinhais fica obrigado a cumprir uma série de
regras, entre as quais a da utilização de porco da raça bísara. Uma
recente boa notícia para os produtores que arriscaram apostar nestes
animais é a de que um dos produtos mais conhecidos de Trás-os-Montes,
a alheira de Mirandela, que tinha apenas protegida uma receita, sem
área geográfica delimitada, vai passar a ser uma IGP e para isso tem
de usar produtos locais, desde o azeite transmontano ao porco bísaro.
Mais uma opção de escoamento para uma carne que nos últimos anos fez
duas conquistas importantes: a classificação DOP e a ligação a
produtos com sucesso comercial.

Esta é uma história de sucesso de um DOP. Mas nem sempre é assim. Os
produtos DOP ou IGP têm um discreto selo azul e amarelo que os
identifica como tal. Não é fácil reparar no selo e há muitos
consumidores que nem sequer conhecem a palavra DOP ou não sabem o que
significa. E, no entanto, estes produtos são especiais, pertencem a um
território que lhes dá características únicas, são portugueses e, mais
do que isso, são alentejanos, transmontanos, minhotos, açorianos,
ajudam a manter gente a trabalhar nessas regiões, transformam um
território num sabor.

Não há outros iguais, portanto — mas não os valorizamos o suficiente.
Em muitos casos, estamos a perdê-los. Quando desaparecem, é muito
difícil recuperá-los novamente. Tal como existem línguas que se perdem
para sempre, quando se perde um produto destes perde-se um sabor, uma
ligação a um território, um pedaço de cultura. Pode fazer-se alguma
coisa para evitar isso? Pode — é o que dizem as pessoas que conhecem
bem esta realidade.

A ideia de fazer uma reportagem sobre produtos DOP começou com um
convite da empresa Terrius para uma iniciativa chamada Sabores do Alto
Alentejo na sua Cozinha. Rita Beltrão Martins, da Terrius, explicou
que não se tratava de promover apenas os produtos com maior
visibilidade que esta empresa produz: os cogumelos. A operação
envolvia vários produtos do Alto Alentejo, tanto DOP como IGP, que
resolveram juntar forças.

Chegámos a Évora para ver que receitas é que António Nobre, o chef do
Hotel M'AR De AR, criou juntamente com outros chefs convidados. As
mesas encheram-se de pratos nos quais os cozinheiros usavam os
cogumelos desidratados ou a farinha de boletos da Terrius, mas também
a Carnealentejana DOP, o Queijo de Nisa DOP, o Mestiço de Tolosa IGP,
a Castanha de Marvão DOP, a Maçã de Portalegre Bravo de Esmolfe IGP, o
Borrego do Nordeste Alentejano IGP ou os Enchidos de Portalegre IGP.

A esta acção no Alentejo juntaram-se outras, no Algarve, em Lisboa e
no Porto, que, no final, darão origem a um livro de receitas que
ensinam a usar, de forma criativa, estes produtos. É um esforço, mas
um esforço que os produtores acham que vale a pena fazer porque ajuda
à promoção, algo que, queixam-se todos, o Estado português não faz.

TIAGO MACHADO

CASTANHA DE MARVÃO-PORTALEGRE DOP

FOTO: MIGUEL MANSO

É proveniente da área geográfica que abrange os concelhos de Marvão,
Castelo de Vide e Portalegre. São castanhas obtidas a partir do
castanheiro, das variedades Bárea (cor castanho-escuro), Clarinha
(castanho-claro brilhante) ou Enxerta e Bravo (castanho avermelhado
brilhante). O caderno de especificações da certificação determina
regras para as condições de produção, colheita e acondicionamento do
produto. As três variedades têm um sabor característico, sendo a Bárea
um pouco acre, a Clarinha considerada a mais saborosa e a Bravo a quem
tem maior percentagem de humidade. A castanha DOP estava a perder-se
porque, devido ao seu calibre mais pequeno, não é comprada pelas
grandes superfícies e os produtores estavam a abandonar a produção.
Até que a empresa Terrius decidiu apostar nela e valorizá-la, tendo
como base precisamente a certificação.

A história da Terrius é muito mais recente que a do porco bísaro, mas
representa também uma esperança para os produtos protegidos. Criada há
dois anos, a empresa de Rita Beltrão Martins e António Martelo decidiu
apostar numa zona que, dizem, tem características únicas e representa
"uma das maiores reservas de biodiversidade da Península Ibérica", a
serra de São Mamede. Para além de se dedicar à produção de cogumelos
saprófitas em troncos de madeira, a Terrius quer recuperar dois frutos
da região, que foram classificados como IGP e que estavam em risco de
se perder por falta de produção: a Castanha de Marvão e a Maçã Bravo
de Esmolfe.

Mas não é fácil, explica António Martelo. "As grandes superfícies não
querem a castanha DOP, que é melhor, mais saborosa e chega ao ponto de
ser mais barata, mas é mais pequena. Estamos a colocá-la mais barata
que a francesa, que é uma híbrida, mas é maior, mais vistosa e que não
tem nada que ver com a nossa tradição de castanha. O problema é que as
pessoas pagam não pela qualidade mas pelo calibre, pelo que é mais
bonito na prateleira."

Lançaram-se neste projecto por convicção e teimosia. Saímos de
Portalegre para subir à serra onde se vêem grandes castanheiros,
carregados de castanhas. "A castanha de Marvão sempre foi muito
descurada, nunca ninguém ligou muito a este microclima da serra. O
processo esteve praticamente abandonado, quase em vias de desaparecer
por falta de produção." E, no entanto, garante António, "a castanha
pode vir a ser muito importante para a região. Nós compramo-la aos
produtores, assumimos e custo da certificação e valorizamo-la [a
Terrius também vende a castanha desidratada ou em farinha, tal como a
maçã, o que permite diversos tipos de utilizações durante todo o ano e
não apenas na época destes frutos]. Somos persistentes, vamos aos
sítios, a feiras nacionais e internacionais, pressionamos, tentamos
vender um produto que é diferente".

Rita acredita que esta valorização lhes permitirá chegar a outros
mercados. "A castanha tem uma área de produção mundial muito reduzida
face à procura que existe e nós vemos a certificação como uma vantagem
para chegar a mercados que valorizam o produto, desde o Norte da
Europa ao Brasil, passando pelo Médio Oriente. Os chineses não tiveram
sorte na produção de castanha e, quando o mundo prova a castanha dos
produtores tradicionais e a chinesa, não há qualquer comparação."

A maçã exige ainda mais trabalho. "Só existe Maçã Bravo de Esmolfe em
Penalva do Castelo e na serra de São Mamede, mas a daqui é pouca e tem
um preço menos competitivo." Mas se em relação a estes dois produtos
há sinais que permitem algum optimismo, existe um outro produto da
serra de São Mamede que a empresa tentou trabalhar mas que parece não
ter futuro: a Cereja de São Julião IGP.

A Cereja de São Julião é o exemplo de um produto que, apesar de
protegido, parece condenado. António é taxativo: "A cereja vai acabar.
É óptima para transformação, doces ou licores por exemplo, mas é muito
pequena e não há ninguém que a compre. Em termos de intensidade de
sabor, é excelente, mas vai desaparecer." Maria João Valentim, da
Agricert, empresa que faz a certificação de produtos na região,
reforça a ideia: "As pessoas preferem a cereja carnuda e os
agricultores vão substituindo a de São Julião por outras variedades
exóticas, que têm maior produtividade e rendimento. Estes produtos
deviam estar a ser vendidos a nível local, mas as pessoas não têm
outros sítios para os colocar a não ser as grandes superfícies. Mesmo
as lojas gourmet têm uma absorção limitada deste tipo de produtos."

TIAGO MACHADO

MAÇÃ DE PORTALEGRE IGP

FOTO: MIGUEL MANSO

Fruto da macieira, variedade Bravo de Esmolfe, e proveniente da área
geográfica que abrange os concelhos de Marvão, Castelo de Vide e
Portalegre. Tem um sabor e aroma característicos que resultam das
condições endafo-climáticas da região de produção, neste caso a serra
de São Mamede. Tal como a castanha da mesma região, a produção da maçã
estava em queda, porque os produtores tinham dificuldade em colocá-la
no mercado e em valorizá-la. A empresa Terrius decidiu agarrar neste
produto IGP e comercializá-lo. A variedade Bravo de Esmolfe só existe
em Portugal em Penalva do Castelo e na serra de São Mamede, mas nesta
última a produção é muito inferior e por isso a fruta chega ao mercado
com um preço menos competitivo. Geralmente, os supermercados valorizam
a Bravo de Esmolfe, colocando-a num espaço separado, precisamente
porque é valorizada pelos consumidores e atinge preços mais altos do
que as outras variedades.

Em risco (embora muito menor) está o Borrego do Nordeste Alentejano.
Maria Vacas de Carvalho, da Natur-al Carnes, Agrupamento de Produtores
Pecuários do Norte-Alentejo (que tem também a marca Carnealentejana)
explica porquê. "Tem a concorrência dos borregos importados dos países
da Commonwealth a preços de saldo e não tem hipóteses. Os produtores
começam a produzir cada vez menos." Até porque há uma distorção.
"Quando vemos a indicação 'borrego nacional', quer dizer que os
animais foram abatidos em Portugal. Basta ser abatido cá para se dizer
que é nacional. É uma concorrência desleal."

A isto soma-se (ainda) mais um obstáculo: "Podíamos pensar na
exportação, mas o caderno de especificações diz que a carne não pode
ser congelada, tem de ser fresca, portanto tem um prazo de consumo
muito pequeno", explica.

É assim com muitos produtos que ao longo dos últimos anos foram sendo
certificados em Portugal. "Há dez, quinze anos houve o grande boom das
DOP, ligado a uma vontade de proteger, de fazer melhor, de aumentar o
número de produtores", explica Rita Beltrão Martins. "Quinze anos
depois temos DOP abandonadas porque não são exequíveis [deixaram de se
produzir, por exemplo, produtos como a Azeitona Negrinha de Freixo ou
o Melão da Vilariça], outras que têm muito sucesso e algumas que estão
no meio."

Esta conversa acontece durante um almoço no restaurante
Carnealentejana, em Lisboa, marca que é precisamente um dos exemplos
de uma DOP de sucesso. Para além de o restaurante servir como montra
desta carne de bovinos que se alimentam no campo, movimentando-se à
vontade e que estão inscritos no livro genealógico da raça bovina
alentejana, funciona também como loja onde se pode comprar tanto a
carne como vinhos, azeites e outros produtos dos associados. Aqui se
percebe que ter o símbolo DOP não é suficiente e que é preciso uma
estratégia (e alguma capacidade económica) para posicionar estes
produtos no mercado — outro exemplo é o do Presunto de Barrancos, da
Casa do Porco Preto, que tem um espaço destacado no supermercado do El
Corte Inglês, onde funcionários dão a provar o produto e explicam por
que se trata de uma DOP.

Outra possibilidade seria o próprio Estado assumir que a defesa dos
DOP e IGP é do interesse nacional, porque não se trata apenas de
garantir a manutenção de um determinado processo de fabrico (que, se
não gerasse riqueza poderia simplesmente ser preservado num museu) mas
sim de manter actividades que criem emprego e permitam às pessoas
continuar no território. Esta é, afinal, uma das principais funções
das DOP.

Subimos novamente até Trás-os-Montes para ouvir outra história, a do
Cabrito e Queijo de Cabra Transmontano. "Antigamente não havia
queijarias, eram os produtores que fabricavam o queijo nas suas casas.
Quando nos anos 90 se criaram as DOP, a cooperativa Leicras formou uma
queijaria própria, que recolhe leite de cerca de 70 cooperantes",
conta Inácio Neto, técnico de queijo. "A grande vantagem é que esta
organização faz chegar o dinheiro aos produtores. Se não fosse assim,
não havia queijarias."

A certificação destes dois produtos fez travar o processo que poderia
levar à decadência do cabrito e do queijo. "Há 12 anos tínhamos em
Trás-os-Montes 13 mil animais de raça serrana no livro genealógico.
Neste momento, continuamos a ter 13 mil. Não houve diminuição." Mas
também não há um rejuvenescimento dos produtores. "A nova vaga dos
agricultores ainda não chegou aqui", lamenta Inácio Neto.

PAULO PIMENTA

QUEIJO DE CABRA TRANSMONTANO DOP

FOTO: MIGUEL MANSO

É um produto ligado ao cabrito de raça serrana, que é um cabrito de
leite abatido entre os dois e os três meses. As cabras têm uma
alimentação de percurso (ou seja, comem o que a natureza lhes dá). O
queijo é exclusivamente feito com o leite cru desta cabra serrana e
tem de ter no mínimo 60 dias de cura. A partir daí pode ter uma cura
mais longa, conforme o gosto (quanto mais cura tem, mais se acentua o
travo ligeiramente picante). É um queijo relativamente pequeno, com um
peso aproximado de 800 gramas. Tem uma massa semidura a extradura
(dependendo também do tempo de cura). O leite é recolhido por uma
cooperativa, a Leicras, que tem uma queijaria própria e trabalha com
perto de 70 produtores. A época do leite é sobretudo entre Março e
Agosto, e durante o resto do ano a produção cai. Metade da produção é
consumida na região, 48% é distribuída em Lisboa, Porto, Algarve, e 2%
é para exportação.

Uma das grandes preocupações de António Branco, presidente da Câmara
de Mirandela e presidente da Associação de Olivicultores de
Trás-os-Montes, é precisamente a desertificação do interior, mas, diz,
"a agricultura é o único sector em que há alguma regeneração
geracional, com jovens que pegam nas explorações numa perspectiva
diferente, de multidiversidade". Dá como exemplo o caso de três jovens
que se lançaram na agricultura a produzir vinho, azeite, azeitona de
mesa, amêndoa, fumeiro, "uma produção diversificada que lhes dá alguma
sustentabilidade".

Isto é importante, sublinha, porque a estabilidade produtiva é uma das
dificuldades em Trás-os-Montes, onde, para além da castanha, que é um
"produto emergente" e em crescimento, os sectores mais prósperos são o
vinho e o azeite. O vinho é, aliás, por todo o país, o produto com
denominação de origem com maior sucesso — a uma distância muito
considerável de todos os outros.

"Isso deve-se a um conjunto de factores, o primeiro dos quais é a
maturidade. Portugal tem uma Denominação de Origem (DO) que data de
1756 [a do Vinho do Porto, no Douro] e várias restantes (Vinhos
Verdes, Dão, Colares) que datam de 1908. É um modelo de organização
cuja implantação está bem definida", afirma Manuel Pinheiro,
presidente da Andovi. Além disso, "a produção de uva, vinho e a
respectiva exportação tem e sempre teve um grande relevo económico" e
só no caso dos Vinhos Verdes, por exemplo, "há 22 mil viticultores a
produzir com DO".

Ninguém é obrigado a produzir vinho com denominação de origem, claro,
mas "a maior parte opta por isso, sobretudo nas regiões em que as DO
são mais fortes, uma vez que essa classificação agrega valor ao
produto, valor esse que o consumidor reconhece no preço final". O
resultado é que um vinho com DO atinge um preço mais elevado tanto em
Portugal como no mercado externo.

Mas o que significa exactamente ter uma DO (sendo que, no caso dos
vinhos, a denominação não obriga a que se usem exclusivamente castas
nacionais, sobretudo nas regiões mais jovens, que admitem castas
vindas de França, como a Cabernet Sauvignon)? Significa que nenhum
vinho pode ser vendido como sendo "do Alentejo", "do Douro" ou "do
Dão", por exemplo, se não for certificado (e esta regra aplica-se
também às divisões nas prateleiras dos supermercados).

Manuel Pinheiro não tem dúvidas de que no caso do vinho as DO são uma
enorme vantagem. "No mercado nacional, os vinhos certificados
representam mais de 50%", embora "o cenário de crise económica tenha
feito aumentar a quota de mercado dos vinhos de mesa simples, sem DO".

É, contudo, no mercado internacional que o valor DO é maior. "Portugal
não tem marcas mundiais. E, porém, tem DO que são marcas mundiais",
diz o responsável da Andovi. "O Vinho do Porto e o Vinho Verde são
marcas reconhecidas mundialmente. Outros vinhos, como os do Alentejo,
Dão e Tejo começam a sê-lo. Por exemplo, o valor da marca Alentejo no
Brasil é impressionante. Estão, pois, as DO a funcionar como
cartão-de-visita dos vinhos nacionais cujas marcas seriam demasiado
pequenas para poderem ganhar o reconhecimento do mercado."

PAULO PIMENTA

AZEITE DE TRÁS-OS-MONTES DOP

FOTO: MIGUEL MANSO

São azeites frutados, com aromas de fruta fresca, baixa acidez, e que
se distinguem dos outros azeites portugueses por serem mais amargos e
picantes. São indicados para tempero em cru, sobretudo para grelhados,
mas funcionam bem também para fazer sobremesas, por exemplo. As
variedades autorizadas para o azeite DOP nesta região são a Verdeal
Transmontana, a Madural, a Cobrançosa e a Cordovil. A área geográfica
de produção está circunscrita aos concelhos de Mirandela, Vila Flor,
Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros, Vila Nova de Foz Côa, Carrazeda
de Ansiães. Nos últimos anos, tem sido desenvolvido um grande trabalho
para profissionalizar a produção de azeite em Trás-os-Montes, criar
melhores condições nos lagares e antecipar a campanha de colheita, o
que permite obter azeitonas com maior qualidade. Com isso, o azeite de
Trás-os-Montes, que tem entre as marcas mais conhecidas o azeite
Quinta do Romeu, já conquistou vários prémios em concursos
internacionais.

O azeite quer agora fazer o mesmo caminho que os vinhos fizeram. "O
azeite vem ganhando cada vez mais notoriedade, em geral associado às
diferentes regiões, mas os vinhos vão muito à frente, porque foram os
primeiros que começar a apelar à identidade de uma região. Nos
azeites, essa identidade está a crescer, mas devíamos andar muito mais
rápido", diz Francisco Pavão, da Comissão Vitivinícola e da Associação
de Olivicultores de Trás-os-Montes.

Se, defende Pavão, o trabalho a fazer com os vinhos hoje em
Trás-os-Montes passa por potenciar as castas tradicionais; com o
azeite, é o próprio caderno de especificações para a certificação que
estabelece que só podem ser usadas as variedades autóctones de
azeitona. "O papel das regiões é esse: não só valorizar o vinho em si,
ou o azeite, mas todo o património genético e a diversidade que temos
aqui. Numa região como Trás-os-Montes, em que as parcelas de terreno
são muito pequenas, temos de entrar no mercado pela diferença."

Em poucos anos, já se vêem resultados do trabalho feito com os
azeites, afirma por seu lado António Branco, o autarca de Mirandela.
"Primeiro, tivemos de pôr os lagares a funcionar em condições.
Antigamente, as pessoas deixavam as azeitonas oxidar e todos esses
defeitos passavam para o azeite. Mas o mais importante, e difícil, foi
termos conseguido antecipar a campanha da apanha. A tradição aqui era
apanhar a azeitona depois da primeira geada, mas isso prejudicava a
qualidade. Agora, começa-se a apanhar logo no início de Novembro e se
eu entregar a azeitona mais cedo o lagar ou a cooperativa paga-me
mais."

O grande problema continua a ser o desconhecimento dos consumidores.
"Os portugueses não têm conhecimento para comprar o azeite pela
qualidade. Não sabem a diferença entre azeite, azeite virgem ou azeite
virgem extra. Não sabem, por exemplo, que se um produto é apresentado
como 'azeite' ele é apenas óleo refinado de azeite com um bocadinho de
azeite." Por isso, a aposta que Trás-os-Montes está a fazer é no
aumento de qualidade, mas a pensar sobretudo na exportação — concursos
internacionais, prémios, reconhecimento, posicionamento em nichos de
mercado que valorizam o produto.

E em Portugal? Em Portugal, é tudo mais difícil. "Estivemos 15 anos à
frente de outros países quando começámos a proteger imensos produtos
como DOP e IGP", declara Maria Vacas de Carvalho da Natur-al Carnes.
"Mas as pessoas não sabiam o que era. Não fomos capazes de as educar,
de lhes explicar que com a marca da certificação conseguimos dizer
quais são exactamente as ovelhas que deram o leite para fazer aquele
queijo. Quando apareceu a agricultura biológica, as pessoas ficaram
logo a saber o que era, mas o símbolo DOP ninguém reconhecia."

Rita Beltrão Martins tem a experiência de estar nas feiras ou em
acções de promoção dos produtos da Terrius e ver as reacções dos
compradores. "'É biológico, é natural, é certificado?' — as pessoas
fazem perguntas tão genéricas que vemos que não percebem nada. Há
falta de massa crítica por parte do consumidor." É preciso explicar,
dar a provar, informar.

PAULO PIMENTA

BORREGO DO NORDESTE ALENTEJANO IGP

FOTO: MIGUEL MANSO

Carne de borrego de animais da raça merino e cruzados com merino.
Devido à alimentação que têm nas pastagens (onde consomem bolota e
restolhos das searas), a carne destes borregos tem um sabor diferente
da dos outros, não muito intenso, uma textura suave e alguma gordura
intramuscular. No Alentejo, é usado sobretudo para pratos como o
ensopado de borrego, o sarapatel, o cozido de grão ou o ratatau
(borrego guisado com batatas) e é geralmente cozinhado nos barros de
Nisa e de Flor da Rosa, que conferem características organolépticas
especiais. Os borregos são abatidos entre os três e os quatro meses de
idade, pesando entre 8 e 14 quilos. Está com dificuldades em manter-se
competitivo no mercado nacional devido à concorrência de borrego vindo
de fora (e que em muitos casos é apresentado como "nacional" apenas
por ter sido abatido em território português). A Natur-al Carnes, que
comercializa este borrego, já chegou a vender 14 animais por ano, e
neste momento está a vender perto de três mil.

"No nosso país, há um grande desconhecimento do que é uma DOP ou IGP",
concorda Carla Alves, em Vinhais. "Aí, acho que tem falhado o papel do
Estado. Fazem-se campanhas de sensibilização para isto e para aquilo e
nunca se fez uma campanha para explicar o que são os DOP. É uma pena
que não se faça o trabalho de valorizar estes produtos, que devia
começar logo pela formação de quem os vende nos super e nos
hipermercados."

António Martelo vai ainda mais longe: "Devia legislar-se para que as
grandes superfícies tivessem de vender uma percentagem de produtos
DOP." Mas o que se passa, acrescenta Maria Vacas de Carvalho, é que
"mesmo nas campanhas para promover a produção nacional que os
hipermercados fazem quem paga são os produtores. O elo mais fraco é
sempre a produção. Até para entrar com os produtos nas lojas nós temos
de pagar".

O melhor exemplo, sublinha António, é o do Intermarché que, com uma
política de autonomia de cada loja e de compras descentralizadas, tem
uma relação mais próxima com os produtores locais e vende os produtos
de cada região aos consumidores dessa região.

Se, dizem os envolvidos, outras cadeias de distribuição seguissem a
mesma política, se os restaurantes locais usassem produtos DOP e se o
Estado se empenhasse na promoção de alimentos que ajudam a desenvolver
territórios, a combater o desemprego e a desertificação do interior,
contribuem para a auto-estima regional, e podem até ser um trunfo para
o turismo, talvez fosse possível ainda salvar produtos como o Borrego
do Nordeste Alentejano ou até a Cereja de São Julião. É que, se um dia
estes desaparecerem, podem surgir outros, mas nunca serão iguais. E o
mundo terá perdido mais um sabor.

http://www.publico.pt/portugal/noticia/produtos-dop-nao-ha-no-mundo-outros-iguais-1613527

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