sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O maior mercado do mundo… e os vinhos portugueses não estão lá

Por Rui Falcão 

 31.01.2015 
 A opinião de Rui Falcão. 

Apesar de a notícia poder surdir com o carimbo de surpresa para quem mantém uma maior distância ao mundo do vinho, a realidade estatística insiste que os Estados Unidos presumem ser o maior mercado de vinhos do mundo, independentemente de esta medição ser calculada em volume ou valor.

O mercado é descomunal, o potencial de crescimento é igualmente enorme e é virtualmente impossível não estar presente na maior montra de vinhos do mundo.

Apesar de ser um país produtor de vinho, e para que conste com uma produção em volume e valor que quase duplicam a produção de vinho português, sendo o quarto maior produtor de vinho do mundo, os Estados Unidos são igualmente um dos maiores importadores de vinho, convertendo o seu mercado interno não só no maior e mais rico mercado de vinhos internacional, como num dos mais apetecíveis. Apetitoso porque é um mercado de alto padrão aquisitivo que vive um crescimento sustentado e que não revela sinais de abrandamento, um mercado conhecedor e em desenvolvimento que por razões culturais consegue manter-se relativamente imune aos muitos preconceitos que rodeiam o mundo dos vinhos… e um mercado obrigatório porque é hoje o centro indisputado e mais influente da crítica internacional de vinhos.

Um lugar de relevo na crítica e uma capacidade de influência decisiva nos mercados que durante décadas pertenceu aos ingleses mas que recentemente foi tomado pelos norte-americanos. A crítica mantém-se assim dentro da órbita anglo-saxónica, tendo porém cruzado o Atlântico para passar a apresentar-se como uma responsabilidade norte-americana. Dois dos principais obreiros desta influência, a revista Wine Spectator e o grupo Wine Advocate, liderado pelo famoso e respeitado Robert Parker, que hoje confia e divide os artigos e responsabilidade das classificações por um grupo alargado de críticos, preferem ou chegam a recusar-se a provar vinhos que não se encontrem disponíveis no mercado interno norte-americano, coagindo assim, ainda que indirectamente, a que os produtores tenham de estar presentes no mercado sob pena de nunca chegarem a ver os seus vinhos provados por duas das principais referências internacionais do sector.

Como tal, por necessidade mediática, por pressão de relações públicas, pela visibilidade que os principais críticos proporcionam e pela obrigação material de este ser o maior mercado do planeta, os produtores de vinho com ambição de vender vinho fora de fronteiras têm de estar presentes no imenso mercado interno dos Estados Unidos, têm de ter um importador local que distribua os seus vinhos em pelo menos um dos cinquenta estados.

E é aí que começam os problemas para os produtores nacionais. Primeiro porque a maioria dos comerciantes e putativos importadores não reconhece Portugal como um país produtor de vinho para além do universo do vinho do Porto, que é o único dos vinhos portugueses que goza de um prestígio e conhecimento mais ou menos universal no mercado. Um desconhecimento que se estende aos consumidores e que obsta a uma manifestação de interesse em representar vinhos de Portugal.

Segundo porque o país tem uma dimensão continental e é uma nação federal, dividida em estados com legislação e regulamentos diferentes que podem ser quase incompatíveis entre si. A maioria dos importadores limita-se a cobrir um estado, o que implica maiores custos logísticos, maior dificuldade em entrar e em ter uma representação plural.

Terceiro porque a restauração, e principalmente a gastronomia portuguesa, está praticamente ausente das pequenas, médias e grandes urbes norte-americanas… e quando existe está, na maioria dos casos, restringida ao espaço das comunidades portuguesas. Com uma gastronomia absolutamente desconhecida do grande público, e sem uma rede de restaurantes que defendam as cores nacionais, perde-se o canal de distribuição mais directo para a divulgação generalizada dos vinhos lusos.

Quarto, e talvez a questão mais importante, menos conhecida e a menos abordada, porque a maioria dos produtores portugueses tem uma dimensão reduzida, não tem escala e não tem capacidade para satisfazer quantidades razoáveis, apresentando-se assim como um país pouco atraente para os comerciais das importadoras, para aqueles que vão andar na rua a calcorrear garrafeiras, restaurantes e supermercados, aqueles que vão vender o vinho e que podem verdadeiramente fazer ou desfazer uma marca comercial.

O problema é que os comerciais norte-americanos não têm na prática, por tradição cultural, um ordenado-base. Acresce-se que o sistema de vendas instituído de forma quase universal assenta no modelo de quotas que têm de ser cumpridas de forma religiosa, obrigando a que o somatório dos rendimentos advenha exclusivamente das comissões de venda. E um país que não consegue oferecer escala e quantidade fica quase condenado ao esquecimento num sistema tão dependente desta forma de remuneração. Quantos comerciais norte-americanos terão a preocupação de vender e se interessar pelos vinhos nacionais quando sabem que os vinhos portugueses se vendem à caixa enquanto os vinhos equivalentes em categoria de produtores chilenos, argentinos, australianos, italianos ou espanhóis podem ser vendidos à palete e sem restrições de volume?

E este é um dos maiores dramas dos vinhos nacionais no maior mercado do mundo, a escala reduzida que dissuade muitos dos comerciais… que por sua vez perpetua o desconhecimento sobre os vinhos portugueses, sobre os méritos e valor de Portugal enquanto país produtor. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca que nos tem prejudicado e que nos continua a desfavorecer, um problema do qual só poderemos sair insistindo na educação como forma de promoção e divulgação daquilo que realmente nos diferencia do resto do mundo, as castas nacionais, a arte do lote, o vinho em lagar, a pisa a pé, as ânforas de barro do sul de Portugal e demais especificidades e particularidades do nosso pequeno mundo do vinho.

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