OPINIÃO
Inserimo-nos no grupo dos que pensam que os decisores políticos não
retiraram, infelizmente, quaisquer lições da crise alimentar de 2008 e
nos críticos à estratégia europeia (e mundial) para os
biocombustíveis. Não está em causa a procura de soluções para diminuir
a crónica dependência do petróleo e a aposta nas energias renováveis
mas a metodologia que está a ser seguida, com o recurso a
matérias-primas essenciais para humanos e animais, e a competição
entre energia e alimentação, sobretudo ao nível dos cereais
(bioetanol).
De resto, neste ponto estamos bem acompanhados, pela FAO, Banco
Mundial e líderes de grandes empresas do sector agro-alimentar. Os
resultados estão à vista e, parte da alta dos preços alimentares e das
crises políticas a que temos assistido em muitos países (como já tinha
acontecido no México, com a tortilha, na sequência do aumento do preço
do milho) deve-se a esta estratégia, constatando-se o alinhamento dos
preços das principais matérias-primas agrícolas com a evolução dos
preços do petróleo.
Ainda vamos a tempo de arrepiar caminho e apostar na produção de
biocombustíveis a partir de outras matérias-primas. Dissemo-lo na
altura, em 2007, e voltamos a repetir: a política agrícola não deve
ser financiada pela política energética, sobretudo se os
financiamentos tiverem de sair dos bolsos dos contribuintes, sem
quaisquer vantagens, nem do ponto de vista dos preços dos combustíveis
nem do seu impacto para as alterações climáticas. Que ganhos têm
obtido os consumidores e a Sociedade em geral com esta estratégia,
sobretudo num contexto de enormes desequilíbrios e de tensão nos
mercados?
Por outro lado, todos sabemos que vamos necessitar de duplicar a
produção agrícola mundial nos próximos anos (70% até 2050, segundo a
FAO) para fazer face ao aumento da população e do consumo, que vai
crescer fundamentalmente em países das chamadas economias emergentes
como a China, Brasil ou Índia. O problema é como fazê-lo, de uma forma
sustentável, sem pôr em causa os recursos naturais para as futuras
gerações e sem perder de vista o combate às alterações climáticas, um
fenómeno bem mais importante e decisivo do que parece e que pode ser
ainda mais devastador, a médio e longo prazo, para a produção de
alimentos.
A par de tudo isto, sabemos que a urbanização continua a ser um
fenómeno crescente a nível mundial e que para além da migração do
campo para as cidades (abandono das zonas rurais e redução da
mão-de-obra agrícola), temos ainda as áreas com potencial produtivo
que estão a ser afectas a reservas ambientais e de conservação, o que
acontece não só na Europa mas nos Estados Unidos e no Brasil,
consequência de uma maior consciência ambiental e da promoção da
biodiversidade.
Este é de facto o grande desafio que temos pela frente e que deveria
mobilizar os decisores europeus e mundiais e que os fundos de
investimento e os mercados financeiros há muito perceberam.
A alimentação ganha assim uma importância estratégica e uma merecida
actualidade e é pena que o sector agro-alimentar, incluindo
naturalmente a agricultura e a pecuária, não conste da agenda política
e mediática, sobretudo ao nível europeu e em Portugal.
Talvez a opinião pública não tenha interiorizado, porque ainda não
sentiu a falta de produtos nas prateleiras dos supermercados, que este
modelo de desenvolvimento a que temos assistido nos últimos anos,
caracterizado por:
Uma crescente desregulação dos mercados e a entrada dos fundos de
investimento nas matérias-primas, que têm alimentado a especulação e
uma volatilidade excessivas,
Uma relação desequilibrada entre a produção, indústria e a grande
distribuição alimentar que tem destruído uma boa parte do sistema
produtivo,
Incoerência legislativa entre as regras de produção impostas às
produções europeias e as exigidas aos produtos provenientes de países
terceiros, que se tem traduzido em evidentes sobrecustos;
Esta situação tem conduzido á progressiva perda de competitividade das
produções agro-pecuárias, o que tenderá a criar uma escassez de
alimentos no curto prazo e maior dependência alimentar (do exterior),
criando-se uma perigosa vulnerabilidade.
No que respeita a Portugal, a braços com uma crise económica,
financeira e social sem precedentes, estas questões ganham ainda maior
importância e actualidade, no quadro das eleições legislativas do
próximo dia 5 de Junho e na construção do nosso futuro colectivo.
Sobretudo agora que nos vamos confrontar com medidas de austeridade
ainda mais duras, pelo menos nos próximos 3 anos, consequência do
pedido de ajuda externa.
Qual o papel da Fileira Agro-Alimentar na redução do deficit público e
da balança de pagamentos; no crescimento das exportações e na
reconquista do mercado interno; na dignificação do emprego e
valorização das zonas rurais; na contenção de eventuais implosões
sociais; no ambiente, preservação da paisagem e ordenamento do
território; no eventual regresso aos campos porque a vida nas cidades
se afigura como insustentável? Seguramente, que é, muito importante.
A aposta no sector agro-alimentar é, pois, absolutamente vital para o
futuro do nosso país; para reafirmar Portugal.
No seu conjunto, a Fileira representa 10% do PIB nacional e assegura
emprego directo a 270 000 famílias, cerca de 1 milhão de pessoas dela
dependem directamente e muitas mais em termos indirectos, em zonas com
poucas ou nenhumas alternativas de emprego.
Não estamos condenados a definhar.
Existem propostas das organizações associativas sectoriais que devem
ser tidas em linha de conta, consubstanciadas num documento "Uma
Fileira Agro-Alimentar Unida Pela Sua Sobrevivência", entregue a
diversos membros do actual Governo, incluindo o Primeiro-Ministro, ao
Presidente da República, aos partidos políticos e Comissões
Parlamentares e divulgado no site do Agroportal.
As medidas incidem em aspectos tão importantes como a volatilidade dos
preços das matérias-primas, o Regime de Exercício da Actividade
Pecuária (REAP), o funcionamento do PRODER, o problema da fiscalidade
e o diferencial do IVA relativamente a Espanha, a necessidade de ajuda
financeira ao sector agro-pecuário e à agro-indústria, a política
europeia em matéria de OGM e o problema da biotecnologia aplicada à
agricultura, e a relação com a grande distribuição alimentar.
Abordam-se ainda outros aspectos como a reintrodução das farinhas
animais na alimentação de aves e suínos, a internacionalização, a
promoção das culturas proteaginosas na União Europeia, no quadro da
reforma da PAC pós-2013, cuja discussão, assim o esperamos, não se
pode limitar à distribuição das ajudas directas (sem dúvida
importantes para viabilizarem uma boa parte das nossas explorações
agrícolas) mas incidir igualmente na orientação para o mercado, na
modernização do tecido produtivo, na contratualização das produções e
na redução do deficit agro-alimentar (3.2 MM de € em 2010) de uma
forma sustentável.
É fundamental que os partidos, decisores políticos e a opinião pública
e publicada interiorizem estes conceitos, tenham em conta o que
representamos na sociedade portuguesa e o potencial que temos para o
futuro.
Nesta perspectiva, não olhar para a agro-indústria é condenar o país a
um maior empobrecimento, dependência externa e perda de soberania.
Certamente que todos merecemos mais e melhor.
Jaime Piçarra
Engº Agrónomo, Secretário-Geral da IACA
http://www.agroportal.pt/a/2011/jpicarra.htm
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