25-07-2011
Entrevista a Fernão Veloso, responsável pelo departamento técnico da
empresa Frutas Douro ao Minho, S.A.
Iniciada em Portugal na década de 70, a cultura do kiwi só começou a
ter expressão no nosso país a partir da segunda metade da década de
90, motivada pelo aparecimento de Organizações de Comercialização
nacionais e pelo incremento de novas tecnologias de produção que
melhoraram a produtividade e a qualidade. Salientamos a promoção
levada a cabo, em 2002, pela organização de produtores Frutas Douro ao
Minho (FDM) "Iniciativa de dinamização de plantações de kiwi na região
de Entre Douro e Minho", Projecto AGRIS, com a colaboração da DRAP
Norte.
Hoje, Portugal produz anualmente na ordem das 15 mil toneladas de kiwi
numa área aproximada de 1000 hectares, com cerca de 300 produtores e
quatro Organizações de Comercialização (três na região de Entre Douro
e Minho e uma na Beira Litoral).
Em Maio passado, a Revista abolsamia entrevistou Fernão Veloso,
enquanto responsável pelo departamento técnico da organização de
produtores FDM com sede em Guimarães. Esta OP agrupa uma superfície
de aproximadamente 300 hectares de pomares de kiwi com 6.000 toneladas
de produção.
abolsamia: A cultura do kiwi está na moda?
Fernão Veloso: A Frutas Douro e Minho presta actualmente assistência a
cerca de 300 hectares de pomares de kiwi e, de facto, a tendência tem
sido para um aumento das áreas em produção, sinal de que o sector está
de saúde. Também têm aparecido novos produtores, e esses precisam do
nosso acompanhamento para entrarem no sector. Passa-se frequentemente
a imagem de que o sector do kiwi é uma alternativa para tudo... mas eu
costumo dizer que temos que ter os pés firmes na terra para aguentar
os primeiros anos porque se trata de uma cultura com custos de
investimento elevados. A implantação de um hectare de kiwi ronda os 25
a 30 mil euros, e os primeiros frutos só se colhem depois de 3-4 anos.
Por outro lado, podem acontecer situações, entretanto, que colocam em
risco a produção, como por exemplo o clima. Por isso, é preciso ter
capacidade financeira para aguentar estes imponderáveis.
abolsamia: Qual é a rentabilidade média líquida dum pomar de kiwi por hectare?
Fernão Veloso: Na minha opinião, para determinarmos esses valores
temos que entrar em conta com resultados de exploração de pelo menos
cinco anos de pomares em plena produção. Por outro lado, a realidade
varia conforme a tipologia do produtor, pois existem realidades muito
díspares — produtores de "fim de semana" e produtores com uma
dedicação de 100% a esta actividade. Pode-se contudo afirmar que, com
os mercados estáveis (em termos de comercialização), a rentabilidade
ronda os 10 a 15 cêntimos por kg, para uma produção da ordem das 20 a
25 ton/ha/ano.
abolsamia: Qual é a dimensão média dum pomar de kiwis nesta região?
Fernão Veloso: Segundo o estudo realizado pela FDM, em 2007, no "Plano
Estratégico para a Fileira do Kiwi" na região do Entre-Douro e Minho,
a distribuição das explorações por classes de superfície, era a
seguinte:
- 41% com área inferior a 1 ha; 27% de 1 a 2 ha; 20% de 2 a 5 ha; 7%
de 5 a 10 ha; 5% com área superior a 10 ha.
Actualmente, esta realidade mudou para explorações de maior área
(novas unidades de produção e aumento das áreas já existentes) pelo
que a superfície média actual ronda os 4 ha.
A título de comparação, e com base em dados de 2007, na região da
Beira Litoral esta situa-se nos 1,1 ha, em Espanha (Astúrias) nos 5,6
ha, em França nos 2,7 ha e na Nova Zelândia nos 3,9 ha.
abolsamia: Qual é o destino da produção abrangida pela Frutas Douro ao Minho?
Fernão Veloso: O mercado nacional (grandes superfícies e mercados
abastecedores) abarca cerca de 50% da produção da nossa organização.
No estrangeiro, a nossa produção vai essencialmente para o mercado
espanhol, para o qual exportamos há já cerca de 10 anos, com marca
própria, a Del Miño. A Espanha é para nós um mercado muito
interessante porque é um grande consumidor de kiwi — 120 mil
toneladas/ano e está mesmo aqui ao lado. Hoje a logística do
transporte custa muito dinheiro. A Espanha é um mercado exigente, que
valoriza a marca quando esta está associada a um produto de qualidade;
no caso do kiwi é importante que para além de saudável seja também
saboroso,
e o kiwi português tem todas as condições para reunir estas
características quer em termos edafo-climáticos quer em termos de
tecnologia.
abolsamia: A produção nacional é suficiente para satisfazer as
necessidades internas?
Fernão Veloso: Ao contrário do que se vem informando, Portugal já é,
há muito, excedentário na produção de kiwi para consumo interno. Para
entender esta questão basta reportarmo-nos aos valores que se seguem:
- consumo anual — 20 a 22 mil ton/ano;
- produção nacional — 14 a 15 mil ton/ano;
- consumo médio/mês — 2 mil ton;
- período de comercialização do kiwi nacional— Dezembro a Maio ±12.000 ton;
- resto da época (Junho a Novembro) — a oferta vem do Hemisfério Sul.
Uma questão que me preocupa é o facto de existirem vários países
comunitários como a a Itália, a França e a Grécia que produzem ao
mesmo tempo que nós e podem vir oferecer o seu produto ao preço que
querem. Isso é que é preocupante, porque 90% do sector dos perecíveis
passa pelas grandes superfícies. Hoje, ouve-se muito a frase "Consuma
o que é nosso" mas para que tal possa acontecer há que colocar um
autocolante em cada kiwi com a sua origem e marca, pois só dessa forma
o consumidor pode ter a certeza que está a consumir nacional. Agora
por exemplo, já cá temos kiwi do hemisfério Sul, principalmente do
Chile e da Nova Zelandia mas, nas prateleiras dos supermercados mantêm
a origem de venda nacional.
abolsamia: A certificação do kiwi nacional para obtenção de uma
Identificação Geográfica Protegida (IGP) ainda não foi aprovada. O que
pensa sobre disto?
Fernão Veloso: O processo de certificação está a ser levado a cabo
pela APK (Associação Portuguesa de Kiwicultura), da qual o Grupo Douro
ao Minho Eurofrutas actualmente não faz parte.
Na minha opinião, a "origem Portugal" é suficiente, desde que as
práticas culturais não comprometam a qualidade. A nossa marca Del Miño
hoje é uma referência em Espanha e está muito bem cotada, ao nível das
melhores. Eu gostava que Portugal não fosse exportador de palotes, mas
que a mais-valia ficasse aqui.
abolsamia:A que ser refere quando diz que a "origem Portugal é
suficiente desde que as práticas culturais não comprometam a
qualidade"?
Fernão Veloso: Aquilo que quero dizer é que temos que procurar a
rentabilidade, mas com equilíbrio, não apenas numa vertente de
dimensão e de produtividade. Quando o produtor se foca só na
produtividade, a qualidade do fruto baixa. Em Portugal, e nomeadamente
nesta região, temos excelentes condições para conseguir um fruto com
qualidades organolépticas superiores. Em termos climáticos não
estamos, ao contrário dos nossos concorrentes europeus como a França e
a Itália, sujeitos às geadas de Outuno, o que permite a colheita mais
tardia dos frutos, entre Novembro e a primeira quinzena de Dezembro.
Facto que, só por si, gera frutos com um maior grau de matéria seca e
de teor de açúcares, bem como de fibras, vitaminas, ferro e cálcio.
Por outro lado, estas características climáticas minimizam o ataque de
pragas e doenças, o que evita o recurso a químicos, dando origem a uma
produção "mais ecológica". Uma questão importante para a obtenção de
frutos com qualidade tem a ver com o processo de condução do pomar: a
condução em ramada, frequente e tendencialmente adoptada, exige
mão-de-obra especializada para garantir a remoção periódica da rama
que está a mais. Se esta operação não for feita, as plantas entram em
competição pela luz e o fruto não recebe a quantidade de luz
necessária para a sintetizar determinados nutrientes, como o cálcio,
por exemplo. E isto tráz também problemas de conservação, porque o
kiwi não fica com uma parede celular com robustez suficiente para
aguentar a conservação, nem fica doce, apesar de ter tamanho. O
conteúdo de matéria seca é muito importante, o kiwi não pode ser
aguado.
abolsamia: Como é feita a conservação do kiwi?
Fernão Veloso: O kiwi não pode coabitar com outros produtos perecíveis
que libertem etileno, ao qual é extremamente sensível. É necessária
uma temperatura próxima dos 0 graus, um ambiente isento de etileno
(abaixo de 0,03 ppm), e uma humidade relativa alta para impedir a
desidratação do fruto. Na atmosfera controlada, temos também o
controlo de baixo teor em oxigénio e em dióxido de carbono.
Periodicamente, faz-se a monitorização dos lotes/quintas para se saber
a altura em que o kiwi tem que entrar para o mercado.
abolsamia: Qual é, na sua opinião, a melhor forma de condução para um
pomar de kiwis nesta região?
Fernão Veloso: Na nossa organização predomina o "T" largo. Os
primeiros pomares foram feitos em cruzeta mas com um "T" era muito
apertado, com 1,5 metros. Nas plantações novas, pusemos a planta a 2
metros de altura e o "T" com 2 metros de largura, o que nos permite
ter uma curvatura mais suave, e não remover o último terço da vara
produtiva com entre-nós curtos e férteis onde se concentra a maior
parte dos frutos. Para além disto, o túnel fica muito mais arejado e
aberto, formando um corredor de luz. Esta forma de condução facilita
as mondas, a poda e a colheita porque o operário não tem que adoptar
uma posição tão incómoda.
http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2469
1 comentário:
Gostei muito de lêr o artigo. Pena que não esteja ao alcance da maioria dos portugueses.
Que tal uma proposta ás televisões para naqueles programas de entretenimento que passam de manhã e de tarde, abrirem um espaço para um "conversar agrícola".
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