terça-feira, 21 de agosto de 2012

Após dez anos de total isolamento o velho campino sai de casa para ser homenageado

Cultura e Lazer

Manuel Borda d'Água tem 86 anos e quem o conhece pensava que ele já
tinha morrido



Não é fácil arrancá-lo da casa onde vive, no meio do campo. Nos
últimos dez anos nunca de lá se afastou mas no dia 18, sábado, abre
uma excepção. Manuel Borda d'Água, 86 anos, vai ser homenageado em
Samora Correia durante as Festas em Honra de Nossa Senhora da Oliveira
e Nossa Senhora de Guadalupe.

Edição de 2012-08-16


Manuel Borda d'Água, de 86 anos, campino, apesar de viver sozinho, sem
vizinhança, e da sua idade já avançada, não abandonou a lezíria de
Vila Franca de Xira onde toda a vida trabalhou a cuidar do gado. Já
não sai de casa e até havia muita gente que pensava que já tinha
morrido. Mas o decano da campinagem apesar de já não ter fulgor para
andar a cavalo pelos campos ainda goza de saúde e vai ser homenageado
no sábado, 18 de Agosto, durante as Festas em Honra de Nossa Senhora
da Oliveira e Nossa Senhora de Guadalupe que decorrem em Samora
Correia.

Para chegar à casa de Manuel é preciso percorrer uma estrada de terra
batida imprópria para amortecedores de um carro ligeiro. A modesta
habitação no Mouchão da Cabra destaca-se na imensidão de terrenos. O
campino sai à porta para ver quem chega. Depois, durante a conversa
sobre a homenagem que lhe vai ser feita, não é de meias palavras.
"Esta homenagem já me deveria ter sido feita".

Há cerca de 20 anos que mora isolado. Nos últimos 10, devido à idade
avançada, não se sente com coragem para se aventurar pelas estradas
até à povoação mais próxima. "A maioria dos campinos já nem se
lembrava que o meu pai ainda era vivo", confessa o filho Estêvão, que
visita o pai de dois em dois dias, levando-lhe comida e uma garrafa de
vinho tinto.

Nascido e criado na aldeia de Casais de Baixo, em Azambuja, Manuel
Borda d'Água, começou a guardar gado quando ainda era miúdo. Na maior
parte da sua vida foi maioral de vacas e de toiros em muitas casas da
região, terminando na Casa de Herdeiros de Norberto Pedroso, que lhe
permite viver na casa apesar de estar reformado. A memória de Borda
d'Água já o trai de vez em quando. Diz com convicção que a arte da
campinagem está em vias de extinção. "Os ordenados são baixos e não há
quem esteja para aguentar a dureza do trabalho do campo", sentencia.

Conta episódios de tempos de cheias em que se via obrigado a montar o
cavalo de noite para mudar o gado para terrenos enxutos. Vestia sempre
o seu traje festivo de campino para participar em todas as festas do
Ribatejo. Guarda religiosamente no quarto algumas medalhas que
conquistou ao longo dos anos em provas de condução de cabrestos e em
corridas a cavalo entre campinos.

Sem ninguém para conversar são os dois cães, a Esperta e o Valente, e
duas ovelhas, que lhe fazem companhia. Não tem frigorífico nem água
quente. Deixou de ter televisão porque ainda não comprou o aparelho
para o sistema digital terrestre. Sabe do mundo através de um pequeno
rádio portátil. Conserva a carne numa velha salgadeira como sempre
fez. Há muito que deixou de poder montar a cavalo. Trata de uma horta
onde produz alguns legumes. "O meu pai só sai daqui no caixão. Tirá-lo
do seu meio, era matá-lo", explica o filho.

Naquele lugar ermo não se ouvem motores de carros. Só o assobio do
vento e à noite os grilos. À pergunta se não se sente sozinho, o
campino responde logo que "mais vale só que mal acompanhado". A sua
vida pertence ao campo e é por lá que quer acabar os dias.

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