sábado, 25 de agosto de 2012

“Será o eucalipto uma árvore maldita ou… uma solução de futuro?”

OPINIÃO

João-Paulo Mourato
Engenheiro Agrónomo – Consultor
Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros

A propósito do artigo do Sr. Engº João Soares, intitulado "Os
prejuízos do eucalipto", publicado no Jornal "Público" de 14 de
Agosto, venho aproveitar a oportunidade para expressar a minha
surpresa e desacordo pela polémica que mais uma vez se instalou sobre
uma espécie vegetal que é o Eucalipto, que considero um total "non
sense" e uma perda de tempo e de energia.

Por formação e por experiência profissional, sempre me fez confusão
porque é que a partir dos anos 80 do século passado a cultura do
eucalipto e a indústria da celulose começaram a ser alvo de
"contestação" por parte de profissionais ligados ao "Ambiente" (na sua
maioria funcionários públicos). Provavelmente esta contestação tinha
como finalidade obterem protagonismo político, depois de criada a
Secretaria de Estado, que mais tarde passou a ser o Ministério do
Ambiente. Há que considerar igualmente as manifestações algo primárias
a que assistimos (por exemplo pessoas amarradas com correntes às
máquinas para impedir as florestações), protagonizadas pelos "grupos
ambientalistas" que entretanto começaram a surgir.

A cultura intensiva do eucalipto e o seu aproveitamento pela indústria
para o fabrico de pasta de papel vem muito detrás. Basta recordar que
muitos dos ensaios de plantações com eucaliptos foram iniciados nos
anos 50 em Moçambique, pela então Junta do Ultramar, e foram
posteriormente continuados em Portugal continental pela empresa
CUF-Companhia União Fabril, que recrutou para os seus quadros alguns
dos técnicos vindos de Moçambique. Foi no Centro de Estudos
Agronómicos da CUF, em Sacavém, que se iniciaram e desenvolveram os
primeiros ensaios em vasos com o Eucalipto, visando a determinação da
sua adaptação a diversos tipos de solos e foram também levados a cabo
ensaios de fertilização, que determinaram o aparecimento das normas de
adubação da cultura. De tal modo os resultados foram interessantes que
a CUF estabeleceu uma sociedade com a empresa sueca Billerud AB, tendo
surgido em 1965 a Celulose Billerud, SARL (mais tarde com a
denominação de CELBI – Celulose Beira Industrial, SA), onde a CUF
detinha 23 % do Capital, a Billerud AB 71 % e um grupo de produtores
florestais 6%. Esta unidade industrial foi construída junto à cidade
da Figueira da Foz porque apresentava a vantagem de se encontrar na
proximidade de áreas florestais, haver abundância de água
(indispensável ao processo produtivo), a proximidade do Oceano
Atlântico e de um Porto Comercial e a disponibilidade de mão-de-obra
qualificada. E assim se deu início à transformação da madeira de
eucalipto que começou a ser plantado, inicialmente nos terrenos junto
à fábrica, como uma cultura agrícola intensiva, considerando o número
de plantas por hectare (entre 1.200 e 1.400), com a tecnologia
utilizada na agricultura – escolha de solos, análise de terra,
preparação do terreno, normas de adubação, etc.

Durante quase 20 anos que não se ouviu qualquer tipo de contestação à
cultura do Eucalipto propriamente dita, verificando-se sim alguma
resistência e protesto contra o mau cheiro, que era típico de todas as
unidades de celulose do país. Os eucaliptos sempre foram vistos como
árvores decorativas magníficas, tanto pelo seu rápido crescimento,
como pelo seu porte, existindo vários exemplares em quase todos os
montes alentejanos. Apareciam também em jardins, nas bermas das
estradas (com a sua lista branca), e eram utilizados como cortinas de
protecção contra ventos, para protecção de taludes, etc.

Não é pois uma árvore desconhecida da população portuguesa e quando
nos anos 60 começou a ser plantada como uma cultura agrícola para a
produção de madeira, que era utilizada por uma indústria de sucesso
(já nessa altura), e que dava trabalho a muitos milhares de
portugueses, não se registavam contestações ao nível das que começamos
a assistir nos finais dos anos 80.

Por vezes as empresas, tal como os homens, são vítimas do seu próprio
sucesso e neste caso a indústria da pasta de papel, que sempre
apresentou resultados positivos, apesar das convulsões politicas e
socioecónomicas que se seguiram ao 25 de Abril, começou então a ser
"contestada" por grupos de cidadãos associados em organizações ditas
"ambientalistas" e também pelas recém-formadas instituições públicas
ligadas ao "Ambiente". Procuravam protagonismo ou se possível cortar
alguma fatia do bolo em troca de moderar posições? Nunca o saberemos.

Na verdade nos anos em que trabalhei no terreno, junto dos
proprietários agroflorestais, nunca estes se queixaram dos
"malefícios" da cultura do eucalipto, a não ser em situações de
extremas de propriedades ou de vizinhança.

A verdadeira mudança verificou-se quando foi atribuída uma cobertura
exagerada e desproporcionada aos protestos dos "ambientalistas
urbanos", que animados dum espirito algo mesquinho e de inveja pelo
sucesso, transmitiram ao "público" urbano uma ideia errada do que na
verdade é e representava a cultura do eucalipto para a produção de
pasta de papel. Ideias que infelizmente ainda perduram, apesar dos
resultados da investigação científica e que, em meu entender, deveriam
ser correctamente desmistificadas.

A cereja em cima do bolo da querela apareceu quando alguns governantes
dos sucessivos governos e também alguns autarcas, viram uma janela de
oportunidade se aderissem, de forma directa, aos protestos
anteriormente referidos, lhes poderiam angariar votos. Assim foram
sendo criadas leis atrás de leis, que não proibindo a cultura do
eucalipto, a dificultava burocraticamente, principalmente para os
pequenos proprietários, impedindo-os de rentabilizar os seus terrenos,
à falta de melhores alternativas. Neste cenário, paulatinamente, foram
sendo criados inicialmente os chamados "estudos de impacte ambiental",
depois a RAN, a REN, a Rede Natura 2000, os Parques Naturais, etc.
Enquanto este verdadeiro impedimento de rentabilizar a propriedade
privada ocorria ninguém reclamou… Pelo menos não recordamos quaisquer
reportagens de rádios, jornais ou televisões e muito menos de grupos
de cidadãos ligados ao ambiente insurgirem-se contra a apropriação de
um direito fundamental da democracia que é a existência da propriedade
privada, nem contra o crescente despovoamento do território, associado
à quebra de rendimento da actividade agroflorestal. Ao mesmo tempo
utilizavam-se por exemplo os regadios do Ribatejo e da Beira Interior
para produzir tabaco (porventura subsidiado) e nunca se ouviu nenhum
protesto sobre esta questão. Julgamos ser o tabaco muito mais
pernicioso para a saúde pública do que as plantações de eucalipto.
Passeando pelas zonas rurais não é invulgar encontrar plantações de
vinhas e de pomares em áreas de encosta, sem qualquer protecção contra
a erosão (as linhas das culturas são perpendiculares às curvas de
nível). Também não conheço protestos ambientalistas nesta área. As
descargas dos efluentes das unidades pecuárias e dos próprios
municípios para as linhas de água, devido à inexistência, degradação
ou mal funcionamento das ETARs, constituem um verdadeiro atentado à
saúde pública e ao ambiente. Nunca assistimos a protesto de
ambientalistas junto dessas unidades poluentes ou os poderes públicos,
centrais e locais, exercerem as suas competências punitivas e
restritivas nesta matéria.

Pelo exposto e tendo em conta as poucas alternativas que restam aos
proprietários agroflorestais, em especial os do minifúndio do litoral
português, a actual proposta de alteração da legislação, apesar de não
ser perfeita, é mais do que justa e necessária. Contudo existe, em meu
entender, um factor que é determinante para o êxito deste grande
progresso legislativo e que passa pela extensão rural, de modo a
"ensinar" como produzir mais quantidade, melhor produto final e a
melhor preço.

A este propósito é paradigmático e mesmo surpreendente o que se passa
com a fileira do pinho, em especial com a sua industria tradicional –
a serração. Verifica-se que em certas zonas do país, esta industria
basicamente desapareceu (basta analisar o numero de unidades que
fecharam nos últimos 5 anos), verificando-se um vazio no
aproveitamento da madeira de pinho que valorize os investimentos
realizados pelos proprietários. A madeira para serração sempre foi
valorizada, uma vez que a sua utilização estava ligada principalmente
à industria do mobiliário, sequencialmente ao fabrico de paletes e
finalmente para a industria dos aglomerados. O interessante é que os
grupos ambientalistas, que deveriam estar preocupados com o
desaparecimento de indústrias a jusante, que realizassem o
aproveitamento do material lenhoso de uma fileira com impacto directo
no meio rural, nada dizem e não apresentam nem soluções nem
alternativas para as populações.

Mas o mais surpreendente é que actualmente se verifica a utilização de
madeira de pinho para serração, com mais de 40 cm de diâmetro, da
maneira mais primária possível (ao
nível da serradura), para a produção de peletes energéticas…. Nem os
grupos ambientalistas, nem os meios de comunicação social, nem os
próprios serviços públicos, que autorizam estes investimentos
(centrais e autárquicos) e que devem supervisionar estas actividades,
nada dizem… Porque será?

A verdade é que em diversas regiões do país já estão instaladas
unidades produtoras de peletes, com capacidades próximas das 100.000 t
/ ano, comportando-se como verdadeiros predadores da floresta local,
uma vez que não possuem 1 ha de terreno e não fomentam a
reflorestação, deixando o país bem mais pobre do que as plantações de
eucalipto.

Lisboa, 22 de Agosto de 2012

1 comentário:

Figas_junior disse...

e assim se desmistifica uma série de assuntos...
Parabéns pela coragem de escrever a verdade Sr. Eng. Paulo Mourato.

Enviar um comentário