terça-feira, 18 de setembro de 2012

Cortiça, sob uma nuvem sombria ou sob um sol radioso?

10-09-2012




A exportação de rolha e revestimentos vem acumulando sucessivos
recordes de vendas, que evidenciam a boa aceitação dos produtos de
cortiça um pouco por todo o mundo. Ao mesmo tempo os produtores
deparam-se, no campo, com preços pagos por arroba estagnados em forte
baixa. Há, no mercado interno, uma relação desequilibrada que
compromete a sustentabilidade da fileira.

Os resultados de facturação da Corticeira Amorim, relativos ao
primeiro semestre de 2012, são muito positivos. O volume de vendas, no
valor de 275 milhões de euros, é o mais alto de sempre em meio ano. E
o período de Abril a Junho representa o décimo trimestre consecutivo
em que a empresa regista aumento das receitas.

O crescimento das vendas foi na ordem dos 13%, o que mostra que nos
últimos anos o negócio da rolha e aglomerados continua em franca
expansão. Espanha, França, Itália, EUA, China, Chile e Austrália, são
alguns mercados onde a venda de rolha tem aumentado significativamente
em resultado de uma maior produção e consumo de vinho.

Os resultados positivos que se acumulam de ano para ano devem-se ao
crescimento do mercado de exportação de derivados de cortiça,
nomeadamente rolha e revestimentos. Não parece haver dúvidas de que o
sector atravessa um bom momento. Mas atravessa mesmo?

A matéria-prima tem o preço estagnado em baixa, sendo paga ao produtor
a preços asfixiantes, a roçar o limite mínimo de rentabilidade. E
começam a ser frequentes os casos de produtores que optam por não
tirar cortiça porque o diferencial entre a despesa da tira e o
proveito da venda, mesmo sem considerar os custos da manutenção
regular do arvoredo, deixou de compensar. Sem margem que cubra essa
manutenção, as áreas de montado são deixadas ao abandono.

Se juntarmos a esta estrangulação dos preços um cocktail de problemas
(de sanidade, de stress hídrico, de envelhecimento natural) que
afectam o sobreiro, isto deverá significar que daqui a pouco mais do
que uma década, se tanto, é grande a probabilidade de a indústria
acordar um dia com matéria-prima em quantidade insuficiente para
satisfazer o mercado, que verdade seja dita, tanto lhe custou a
conquistar e que teria um potencial promissor.

Este é um risco muito real que os industriais enfrentam porque não
entendem, ou não entendem por completo, o que actualmente se está a
passar no domínio da produção suberícola. Pode haver a ilusão de que
cortiça sempre haverá, mas a verdade é que os montados estão
muitíssimo envelhecidos, perderam muita densidade, e toda essa área de
novos sobreiros de que muito se ouve falar, e que se diz que irão
entrar em produção, pouco mais é do que uma ilusão estatística. O
Grupo Amorim, que detém o mercado e estabelece a formação dos preços –
já que domina, sem concorrentes, a transformação e a exportação de
cortiça – parece desconhecer as dificuldades concretas com que a
produção se depara. E esse desconhecimento compromete seriamente o seu
próprio negócio.

Quando há uma decalage tão grande, em que o negócio está muito bom
para uns e muito mau para os outros, é sinal de que alguma coisa não
está bem na fileira. A correcta gestão dos montados, e
consequentemente a sua sustentabilidade, dependem de um fundo de
maneio que permita o investimento em boas práticas. Essa capacidade
actualmente está muito comprometida, e não vai recuperar sem um novo
equilíbrio de mercado.

Os proprietários sabem exactamente o que seria preciso fazer para
influenciar os preços: 'encerrar a loja' durante um ou dois anos,
deixar a cortiça na árvore, e esperar que o poder de formação dos
preços se deslocasse para o lado da produção. Mas entrou-se já numa
espiral de dificuldades que torna uma acção destas muito difícil de
concertar. Entretanto, as circunstâncias decorrentes do mau momento
que está a ser vivido deverão fazer com que o efeito de escassez de
cortiça seja sentido no mercado dentro de poucos anos.

Os produtores não vêem como desviar a nuvem sombria que paira sobre o
sector. Ao mesmo tempo, talvez a indústria esteja convencida de que
vive sob um sol radioso. A aplicação de uma palete de acções urgentes,
que concorressem em conjunto para a correcção de várias contrariedades
que afectam o montado, poderia ainda, porventura, impedir que aquela
nuvem sombria se continuasse a adensar. Mas a avaliar pelo caminho que
se fez até aqui, é preciso ser-se mesmo muito esperançoso para
acreditar que assim venha a ser. De sucesso em sucesso, a indústria
parece caminhar cegamente para o insucesso.

Por: João Sobral

http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2712

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