OPINIAO
Jaime Piçarra
Numa altura em que tanto se fala de Agricultura e em que as discussões
sobre a importância da produção de alimentos estão no topo das Agendas
a nível mundial - resta saber se os discursos irão ser
consubstanciados em acções e em políticas públicas de apoio ao
desenvolvimento do Sector agro-pecuário - não deixa de ser
interessante reflectir sobre a Agricultura Biológica e, mais
concretamente, sobre a Alimentação Animal em Modo de Produção
Biológico.
Um estudo de caracterização deste sector em Portugal, com o
levantamento das principais ameaças e oportunidades, realizado pela
Universidade dos Açores (que contou com a participação da IACA), e as
preocupações da FEFAC enquanto representantes da indústria europeia de
fabricantes de alimentos para animais no quadro das alterações
legislativas previstas a partir de 1 de Janeiro de 2012 - alimentação
100% biológica e o fim das derrogações ainda existentes - constituíram
o "mote" para esta reflexão.
Não pretendemos fazer nenhum juízo de valor sobre os
conceitos/ideologias ligados à agricultura biológica nem às regras,
muito restritivas e, consequentemente, geradoras de maiores custos de
produção que lhe está subjacente. É sabido que existe uma percepção da
parte de alguma opinião pública de que os produtos biológicos são
melhores para a saúde, mais seguros e até com melhores qualidades do
ponto de vista organoléptico. Discussões à parte, há que olhar para
este "nicho" no sentido de irmos ao encontro das necessidades e das
exigências deste tipo de consumidores. Apostar na diversificação de
produções, tal como existe igualmente com os produtos DOP ou IGP e
outros, cada vez mais ligados a preocupações específicas, sejam
ecológicas, éticas ou do ponto de vista do bem-estar animal.
A nossa visão é clara sobre este assunto: a Qualidade não é um
exclusivo da agricultura biológica e qualquer produção agrícola ou
pecuária tem de ser segura para a saúde humana, animal e para o meio
ambiente; todas as produções têm de ser hoje sustentáveis, pelo que
deve garantir às entidades reguladoras e fiscalizadoras, bem como às
empresas, alicerçadas nos seus sistemas de garantia de qualidade e de
autocontrolo, que a segurança alimentar é o requisito mínimo da
comercialização de qualquer produto no mercado, pelo que a produção
convencional, biológica ou transgénica tem de ser igualmente segura
para a alimentação, animal ou humana e para a saúde pública e
ambiente. De resto, os produtos utilizados na produção convencional
(pesticidas, herbicidas, aditivos, coccidiostáticos,...) são sujeitos
cada vez mais a testes exigentes, de forma a não produzirem efeitos
negativos na saúde e no ambiente, sendo absolutamente necessário
respeitar os intervalos de segurança ao nível da sua utilização. E, à
semelhança dos produtos convencionais, também são conhecidos os
incidentes reportados pelo RASFF (sistema de alerta rápido para a
alimentação animal e humana) em produtos biológicos.
A nossa abordagem é apenas do ponto de vista estrito da legislação e
concluir se com as regras que são impostas neste momento e as que se
perspectivam, ainda mais restritivas ao nível dos monogástricos, o
mercado dos produtos animais de origem biológica pode ser satisfeito
pela produção nacional ou se este segmento, com potencial no futuro e
gerador de uma cadeia de valor, nos vai "passar ao lado". Porque os
consumidores existem e, não tenhamos dúvidas, irão continuar a
existir.
Na União Europeia a agricultura biológica envolve cerca de 200 000
explorações e o mercado "bio" movimenta um volume de negócios da ordem
dos 20 mil milhões de Euros, sendo relativamente importante em países
como a Alemanha, Itália, Áustria, Dinamarca e Suíça. No nosso país, a
produção de produtos biológicos tem maior expressão no sector das
frutas e hortícolas e azeite, com uma produção animal relativamente
incipiente, com algum peso nos pequenos ruminantes e bovinos, pelo
menos ao nível do número de produtores. Segundo a Agrobio, o mercado
movimentou em 2010 cerca de 20 milhões de €. Por outro lado, estima-se
que a produção de alimentos compostos para este segmento não
ultrapasse as 500 tons/mês, consequência de 2 factores: a falta de
matérias-primas para a produção e os elevados custos que não têm
permitido remunerar convenientemente a actividade.
O Comissário Ciolos anunciou recentemente que conta com este tipo de
agricultura nas suas propostas para a revisão da PAC pós-2013 e que
aguarda um balanço da implementação da legislação até final do ano.
"Unir na diversidade" é a palavra-chave para o responsável do sector
agrícola europeu, o que significa que há que contar com todos os tipos
de produção agrícola e pecuária para se atingirem os objectivos de uma
nova PAC, centrada nas vertentes da produção, ambiental e territorial.
É por isso que é tão importante a revisão das actuais regras europeias
no sentido de as adaptar às realidades dos países, ou da maioria dos
Estados-membros.
A prevista imposição de 100% de alimentos biológicos para os
monogástricos terá um impacto negativo para o equilíbrio nutricional
dos animais porque os alimentos biológicos são pobres em aminoácidos
essenciais como a lisina e metionina e temos ainda as limitações ao
nível da farinha de peixe, para além de não existirem matérias-primas
suficientes na União Europeia para abastecer o mercado. Sabendo-se
como a alimentação é importante na saúde e bem-estar animal, poderemos
ter potenciais problemas para os animais, para além dos eventualmente
ligados aos custos de produção e eficiência das explorações.
Na nossa perspectiva, seria importante flexibilizar algumas regras e
neste caso deveria ser mantida, pelo menos, a derrogação actualmente
existente e rever o estatuto da farinha de peixe. Para os herbívoros
(ruminantes) as limitações têm sido igualmente apontadas e era bom
que, tal, como a IACA sugeriu ao GPP neste processo de discussão da
legislação de base, uma derrogação de 10% (actualmente 100% alimentos
biológicos) e nos monogástricos de 25%, contra os actuais 5%.
Caso venhamos a ser confrontados com as novas regras a partir de 1 de
Janeiro de 2012, as explorações agrícolas não vão obter os alimentos
de que necessitam a partir dos seus recursos próprios e teremos de
incrementar a produção de alimentos compostos para este mercado. No
entanto, com as restrições actuais, não temos matérias-primas
suficientes para a procura, o que configura uma espécie de ciclo
vicioso.
Todos sabemos que não é a agricultura biológica que vai responder ao
aumento da procura de alimentos ao nível mundial mas pode ser
seguramente um mercado interessante para as nossas empresas e que
contêm um potencial que deveria ser explorado em função do interesse
nacional.
Nesta fase de análise e de discussão da legislação, com novos
responsáveis políticos no nosso país, seria importante ter em conta as
opiniões dos diferentes interessados, designadamente os agricultores,
produtores pecuários e indústria de alimentos compostos para animais.
Apostar na flexibilidade das regras de aplicação e na contratualização
da produção entre a indústria e os agricultores, indo ao encontro das
necessidades das explorações pecuárias.
Caso contrário, Portugal e a União Europeia estarão a dar mais um
"tiro no pé", a depender ainda mais das importações de países
terceiros e a contribuir para aumentar as distorções entre
agricultores e agriculturas. Não é essa a PAC que nós queremos!!!
Jaime Piçarra
Engº Agrónomo, Secretário-Geral da IACA
http://www.agroportal.pt/a/2011/jpicarra2.htm
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