segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Se um diploma incomoda muita gente... Dois diplomas incomodam muito mais!

Pedro Pimentel

Quando em Novembro de 2011 foi constituída a Plataforma de
Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (a célebre PARCA),
foram criadas expectativas de que se pudesse verificar alguma evolução
na cada vez mais asfixiante relação entre fornecedores e
distribuidores, mas também pairaram no ar dúvidas significativas sobre
a efectiva capacidade daquela Plataforma promover alterações reais num
relacionamento cada vez mais complexo e desequilibrado.

Agora, mais de um ano volvido, é já possível fazer um balanço do que
entretanto ocorreu e, numa primeira análise, julgo que será pacífico
concluir que foram dados alguns passos de elevada importância e que,
para além disso, foi construída um novo espírito de colaboração entre
entidades representativas da produção (CNA e Confagri) e da
transformação (CIP, FIPA e CentroMarca) que permitiu apresentar
diversos documentos de forma conjunta ou isoladamente, mas com uma
linha de orientação comum, o que reforçou as respectivas posições e
confrontar o poder político com a inevitabilidade de ter que encarar
mais frontalmente os problemas colocados e, muito em especial,
impedindo-o de se abster da necessidade de accionar medidas de cariz
político e legislativo.

Contudo, nem tudo ocorreu como esses sectores mais gostariam, nem
todas as suas posições foram devidamente atendidas e consideradas, mas
basta ver as sucessivas (e cada vez mais violentas) reacções de
desconforto da parte da moderna distribuição e da sua associação
sectorial - a APED - para facilmente se perceber que o que já ocorreu
provocou mossa por aqueles lados e que a forma cada vez mais
'dramatizada' como essas reacções surgem é sinónimo de que os tempos,
embora mais lentamente do que o desejável, estão a mudar.

As duas principais expressões práticas dos trabalhos da PARCA passam,
por um lado, pela elaboração de um conjunto de relatórios sobre o
funcionamento da cadeia alimentar, genéricos e sectoriais, com o
propósito de fomentar a transparência e reforçar a informação
disponível e, por outro, pela preparação de um conjunto de propostas
legislativas que permitam induzir o melhoramento daquele mesmo
funcionamento.

Relativamente aos referidos relatórios, a menor qualidade da
informação disponível e a aparente incapacidade de captar dados mais
fidedignos, especialmente ao nível, das transacções entre a indústria
transformadora e os principais distribuidores, fizeram com que, por
exemplo, o recente 'estudo' sobre a fileira do leite apresentasse
algumas conclusões que estão longe de corresponder à forma como
efectivamente se desenvolve a cadeia.

Desta mesma Plataforma, resultou igualmente a recente publicação do DL
2/2013, que reduz o prazo limite de pagamento para 30 dias quando o
credor for uma micro ou pequena empresa de bens alimentares
exclusivamente destinados ao consumo humano. Este diploma, contudo,
acabou por frustrar as expectativas da generalidade dos sectores
fornecedores, havendo sido objecto de enormes pressões da parte da
moderna distribuição, pois, apesar de algumas alterações de pormenor
para as pequenas empresas, não introduziu qualquer modificação
fundamental, mantendo que os prazos legislados não se aplicam às
empresas de maior dimensão, ou seja, a maioria das operações
comerciais e, consequentemente, a parte de leão da produção primária -
de que o leite é um exemplo prático - não é abrangida pelo
encurtamento de prazos de pagamento, situação ainda mais grave quando
são conhecidos os problemas de tesouraria e de crédito actualmente
existentes.

As pressões da distribuição levaram a que mesmo a aplicação desses
prazos encurtados para os produtores de muito pequena dimensão possa
ser afastada por acordo de auto-regulação envolvendo os
intervenientes, sendo fácil de prever que tal possa acontecer com
alguma facilidade dado o desequilíbrio de poder negocial entre esses
pequenos produtores e os grandes distribuidores.

Mais positivo é, seguramente, a Proposta de Lei e, muito
especialmente, ao projecto de Decreto-Lei sobre o jurídico aplicável
às práticas individuais restritivas do comércio, que o Governo
apresentou no Parlamento. Este projecto de diploma, apesar de não
integrar algumas das propostas apresentadas pelos sectores
fornecedores, é globalmente positiva e nela se depositam fortes
expectativas quanto à construção de um reequilíbrio nas relações entre
produtores e distribuidores, sendo muito importante a sua rápida
aprovação e a sua célere implementação.

Basta verificar as reacções da APED às propostas de revisão dos
valores das coimas, que assim se tornarão efectivamente dissuasores,
ou à melhor especificação do conceito de Venda com Prejuízo ou uma
mais ampla e clarificadora definição de Práticas Negociais abusivas,
para perceber que representam uma evolução muito positiva face à
legislação actual. Ainda assim e para além da não existência de
qualquer disposição que aponte para uma qualquer regulação das marcas
brancas, existe ainda preocupação quanto à definição de Prática
Unilateral incluída no projecto diploma, bem como sobre a capacidade
efectiva de actuação da ASAE na aplicação da nova legislação, agora
que lhe foi atribuída a totalidade das responsabilidades em matéria de
fiscalização, instrução e decisão dos processos.

Ler declarações como as do Presidente da APED ameaçando que com a nova
lei os distribuidores deixarão de fazer compras a fornecedores
portugueses ou referir que com a nova lei os produtores nacionais
deixarão de ser competitivos, ou saber que cadeias de distribuição,
como o Intermarché, continuam a pensar que não há qualquer tipo de
punição que lhes possa ser aplicada quando resolvem emitir débitos
totalmente injustificados aos seus fornecedores no valor de centenas
de milhares de euros, facilmente se percebe a necessidade duma rápida
aprovação daquele diploma.

Pedro Pimentel

http://www.agroportal.pt/a/2013/ppimentel.htm

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