sábado, 2 de fevereiro de 2013

Há uma linha que separa um deputado de um programador de televisão?

OPINIÃO

MIGUEL GASPAR 31/01/2013 - 17:34

Em Portugal, há uma linha que separa a geração do tempo do míldio e a
geração que veio depois do míldio.

A culpa é do engenheiro Sousa Veloso, génio ao mesmo tempo do mundo
rural e do audiovisual.

O TV Rural, programa que ele inventou, apresentou, produziu e realizou
entre 1960 e 1990 na RTP, sobreviveu incólume ao declínio do sector.

A agricultura desaparecia, o TV Rural aguentava. Uma relíquia da era
do canal único e da televisão a preto e branco que sobreviveu incólume
até aos anos do deslumbramento cavaquista.

O país trocou a enxada, a sementeira, o míldio, pelo centro comercial,
o jipe, o subsídio europeu para não produzir.

O engenheiro Sousa Veloso continuou a acabar cada programa com a sua
frase seminal: "Senhores telespectadores, despeço-me com amizade até
ao próximo programa."

O PSD e o CDS quiseram voltar atrás no tempo. E puseram à discussão no
Parlamento uma recomendação à RTP, para que insira na grelha de
serviço público de televisão um TV Rural do século XXI.

Isto porque, diz-se, a agricultura voltou a crescer. Vão-se os jipes,
voltam as enxadas.

Ao que parece, nos dois partidos da maioria ignora-se que há uma linha
que separa os partidos políticos de um programador de televisão.

Essa linha não existia em 1960 (o TV Rural nasceu de uma parceria com
o Ministério da Agricultura, com objectivos não muito diferentes dos
invocados agora pelos dois partidos) e é estranho que uma ideia como
esta tenha germinado na horta política que nos governa.

Separar as águas é um bom princípio, tanto na política como na
agricultura. Depois de falhar a privatização, quererá a maioria
desforrar-se tratando a RTP como uma vinha, cultivada sob a sábia e
benigna orientação dos senhores deputados do PSD e do CDS?

Não podia haver corolário pior para a desastrosa gestão do dossier do
serviço público pela maioria. É como se o míldio, além do tomateiro,
da batateira ou da vinha, vingasse também nos socalcos parlamentares
de São Bento.

E impedisse os deputados de distinguir as fronteiras que não podem ultrapassar.

Valha-nos o engenheiro Sousa Veloso!

http://www.publico.pt/politica/noticia/ha-uma-linha-que-separa-um-deputado-de-um-programador-de-televisao-1582843

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