segunda-feira, 16 de maio de 2011

Luís Mira: "Portugal deve dirigir os seus apoios para produtos que podem reduzir importações"

Entrevista
16.05.2011 - 08:48 Por José Manuel Rocha
O secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal diz
que a Política Agrícola Comum não é favorável a Portugal, mas
acrescenta que a temos utilizado muito mal.
Luís Mira, da CAP, diz que temos utilizado mal a Política Agrícola Comum
(Miguel Madeira/Público)
Portugal vive uma situação difícil em que reduzir a dependência do
estrangeiro é fundamental. A agricultura portuguesa está preparada
para este desafio?

A agricultura não está, os agricultores estão. Desde que sejam criadas
as condições. Exemplo concreto: açúcar. Portugal produzia 70 mil
toneladas de açúcar de beterraba. Poderia produzir 100 mil. Eram 20
por cento da nossa necessidade de açúcar. Tivemos um ministro, Jaime
Silva, que acabou com a produção de açúcar de beterraba em Portugal ao
aceitar a perda de quota que a Europa nos concedia. Agora importamos.
Na beterraba éramos competitivos ao nível das produtividades, melhores
do que em França e nos países mais eficientes. Os agricultores não
conheciam a cultura, implantou-se uma fábrica, começou-se com campos
experimentais, desenvolveu-se a cultura, conseguiu-se chegar aos 7000
hectares. Depois, deixou-se perder a quota. Se Portugal tivesse um
plano, se houvesse condições... Não depende do agricultor produzir
beterraba, depende de serem criadas condições para isso. Agora, a
fábrica está a importar ramas do estrangeiro e a refiná-las, quando
podia fazê-lo através de uma produção nacional.
Falta um modelo de orientação do Estado?
O Estado não tem modelo de orientação. O Estado até tem andado
desorientado. O que o Estado tem de fazer é não criar entraves...
Com as alterações na PAC, a agricultura orientou-se melhor para as
necessidades dos mercados e é agora mais rentável?
O problema é que ainda não se sabe o que quer a PAC. Na última década,
a União Europeia (UE) fez várias reformas ao sabor das circunstâncias,
o que originou um problema de falta de estabilidade nas políticas e
fez com que os agricultores não percebessem qual é o rumo.
Em que sentido deve ir a reforma da PAC?
O que dizemos em primeiro lugar é que a política agrícola comum está
ao contrário. Um agricultor tem um hectare em França, produz sete
toneladas ou oito, recebe seis vezes mais do que eu, que produzo
menos. Então ele que produz mais ainda vai receber mais do que eu?
Então seria correcto que ele não recebesse mais do que se recebe aqui.
A divisão das ajudas deveria ser mais equilibrada, embora reconheça
que isto não pode ser feito com uma ruptura, mas antes de uma forma
gradual. Mas temos que reconhecer que a PAC não nos é favorável nos
seus alicerces, mas nós também a temos utilizado, nestes últimos
tempos, muito mal.
Porquê?
Portugal tem sido o campeão das devoluções, mesmo nas ajudas directas
(em que não há comparticipação nacional) e agora está a ser o campeão
das correcções financeiras por incumprimento das regras europeias
No quadro em que vivemos e com um corpo social agrícola diferente, em
que é que o sector deve apostar?
Há um ano respondia de uma maneira, hoje respondo de outra. O nosso
esforço, o esforço do Estado, deve ir para aquelas produções em que,
com menos dinheiro, nós conseguimos mais facilmente chegar ao
auto-abastecimento. É o quê? É a cebola, o alho, a batata, a carne de
vaca? É fazer contas e apostar nisso.
Quais são os sectores?
Os sectores são aqueles em que somos bons e naqueles onde houve
incorporações tecnológicas que potenciaram as culturas, como é o caso
do olival, onde nós já éramos bons. Depois, é continuar a apostar nas
culturas mediterrânicas que são fundamentais para nós e onde somos
capazes de incorporar valor. Mais dirigismo do que isto é complicado,
porque a tecnologia e os hábitos das pessoas vão mudando muito e a
agricultura tem que se adaptar a esta realidade. No limite, são os
consumidores que mandam. Isso não isenta os Governos de terem uma
linha que auxilie o país e essa linha é criar condições para deixarmos
de importar aquilo que importamos. Se calhar esta conversa deveria
meter também a grande distribuição para que houvesse aqui uma
confluência de interesses. A grande distribuição tem agora um peso que
não tinha há 30 anos. Se os políticos permitiram que isso acontecesse,
tem que haver aqui algum controlo para que não se verifique uma
situação de distorção, dado o peso que esse sector representa.
A CAP criticou muito o Dr. Jaime Silva, anterior ministro. Em relação
a este não vejo essa barreira de fogo. Porquê?
Em relação ao anterior ministro, a CAP até criticou e berrou pouco,
dada a dimensão da sua incompetência e o prejuízo que causou aos
agricultores e aos contribuintes portugueses. A destruição da
estrutura do ministério, as centenas de milhões de euros que não
aproveitámos nas ajudas directas, mais de 200 milhões, e as correcções
financeiras. Foi um período terrível. O primeiro-ministro nunca ouviu
o que dizíamos. Ninguém quis ouvir.
António Serrano, o actual ministro, é uma pessoa com um perfil
diferente. António Serrano não resolveu todas as questões, estava
limitado num Governo em que era Sócrates quem mandava (talvez o
ministro das Finanças mandasse alguma coisa) e na fase final foi
obrigado a entrar também numa política de forte contracção financeira.
O Proder (Programa de Desenvolvimento Rural) começou tarde, mal, aos
solavancos. Será uma oportunidade perdida para modernizar a
agricultura?
Haverá mais oportunidades, talvez menos ambiciosas em termos
financeiros. Aquilo que a CAP deseja é que o próximo quadro de
modernização do sector não tenha, como o que está em vigor, 52
medidas. Que seja bem mais reduzido e objectivo naquilo que se quer
atingir - ajudar o país a importar menos. O Proder é importante. Os
4500 milhões de euros, se fossem bem utilizados, fariam com que muitas
produções aumentassem. Agora, isto espalhado por 52 medidas, em coisas
muitas vezes díspares ou então a privilegiar as obras do Estado, não
dá os melhores resultados. O Proder foi concebido por Jaime Silva para
poupar dinheiro ao Orçamento do Estado, não para modernizar a
agricultura portuguesa.
Neste quadro de dificuldades financeiras, acha que vai haver dinheiro
para financiar a componente nacional?
É uma inquietação. Mas espero que haja lucidez e que apesar das
dificuldades, que são muitas, se perceba que neste programa, em cada
100 euros, 70 são colocados pelo agricultor, 24 pela Comissão Europeia
e apenas 6 euros saem do Orçamento do Estado. Este é um rácio
altamente favorável ao Estado, pensando que tudo isto gera emprego,
diminui as importações e gera receita fiscal.
A União Europeia parece determinada a acabar com o regime de quotas
leiteiras. Que consequência terá isso para o sector em Portugal?
É uma preocupação da CAP. Mais uma dádiva de Jaime Silva. As quotas
são um mecanismo de gestão do mercado, que não custa um euro à UE e
até dava receitas através das multas para quem as ultrapassasse. Só
interessa aos países do Norte, que são extremamente fortes na
produção. Para um país periférico, com um terço da produção nos
Açores, é catastrófico. Só vejo os preços caírem. Portugal deveria
reequacionar esta questão e a levantá-la no contexto da EU.
http://economia.publico.pt/Entrevistas/Detalhe/luis-mira-portugal-deve-dirigir-os-seus-apoios-para-produtos-que-podem-reduzir-importacoes_1494307

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